Por Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos
De uma forma geral e comum os Programas de Habitação articulados e implementados pelo poder público, especialmente o municipal e o estadual, expõem uma enorme insuficiência na consideração de algumas questões de fundo essenciais para a sua correta concepção. A seguir são explicitadas três dessas questões de fundo, que entendemos como indispensáveis premissas orientadoras para a concepção e execução de Programas Habitacionais e que se relacionam a aspectos intimamente ligados ao uso do solo urbano.
A primeira questão de fundo trata da identificação, mapeamento e priorização da demanda habitacional a ser atendida, providência tão mais importante quando se tem consciência da escassez de recursos disponíveis para os investimentos na área.
Hoje uma família de baixa renda (até 3 ou 4 salários mínimos) somente consegue constituir moradia própria ou alugada que caiba em seu parco orçamento com alguma combinação entre as seis seguintes variáveis: distância, periculosidade, insalubridade, desconforto ambiental, precariedade construtiva e irregularidade fundiária. Essa condição leva inexoravelmente a população pobre a três alternativas: favelas, cortiços ou zonas periféricas de expansão urbana. Especialmente nessa última condição a população de muito baixa renda tem sido protagonista ativa e passiva da precoce e acelerada deterioração de uma já precária infraestrutura urbana e da grave tragédia das áreas de risco que se instalam generalizadamente em terrenos de relevo mais acidentado e margens de córregos.
Bairros periféricos: instalação e multiplicação de áreas de risco
Famílias de muito baixa renda, o que envolve milhões de cidadãos, esse o perfil social da demanda habitacional a ser prioritariamente atendida. Essencial ressaltar, obviamente, para ser exitoso um programa habitacional que se proponha a esse atendimento deverá por lógica básica proporcionar moradias dignas e seguras a um custo menor ou ao menos igual àquele que essa população tem dispendido nas condições anteriormente descritas. Sem essa condição orçamentária de partida não haverá solução possível para o problema.
A segunda premissa refere-se aos modelos urbanísticos e tecnologias construtivas que devam ser preferencialmente adotados para atender a referida demanda. É preciso aqui, definitivamente, admitir o fracasso da estratégia de construção de grandes conjuntos e empreendimentos habitacionais coletivos como modelo principal de atendimento da demanda habitacional de baixa renda. Não fosse a própria população de baixa renda ter assumido autonomamente a solução de seu problema habitacional, elegendo para tanto de forma totalmente independente e espontânea a tecnologia possível para ter sua casa, qual seja a autoconstrução com base no bloco/laje, a crise habitacional em muitas grandes e médias cidades brasileiras estaria atualmente em um grau de total insuportabilidade. Hoje as zonas periféricas de expansão urbana apresentam-se como verdadeiros oceanos de habitações auto-construídas em bloco-laje. A própria família e amigos constroem, no ritmo permitido por seu tempo e por seu orçamento. A cada 500 metros existe uma casa de materiais de construção onde se possa ir adquirindo homeopaticamente os materiais necessários (são comuns nessas condições materiais de baixa qualidade, os “não conformes”, mas de qualidade suficiente consideradas as modestas edificações de destino).
Ainda que a habitação assim resultante seja tecnicamente precária, com baixo conforto ambiental, o problema maior dessa população não está na edificação propriamente dita, mas sim na generalizada ausência de infraestrutura urbana de suporte, nas péssimas condições de saneamento, nos riscos geológicos induzidos e na deterioração física acelerada e precoce de toda a área ocupada.
Em uma outra vertente tecnológica exitosa, experiências com lotes urbanizados, ou seja, o lote é colocado à disposição das famílias para a autoconstrução da habitação somente após toda a infra-estrutura urbana básica ter sido devidamente implantada, têm convencido ser essa a melhor alternativa para assegurar a integridade física geral da área e de seus equipamentos urbanos. O mesmo pode-se dizer da autoconstrução assistida técnica e financeiramente como expediente proporcionador de uma habitação segura e com adequado conforto ambiental.
A terceira premissa que dever orientar um programa habitacional diz respeito à necessidade de sua compatibilização com as diretrizes maiores de planejamento urbano.
Diferentemente das grandes cidades do mundo mais desenvolvido, a expansão de nossas cidades tem por décadas sustentado a tendência ao espraiamento horizontal, ou seja, o crescimento a partir de suas fronteiras periféricas. Como exemplo, os últimos censos demográficos da capital paulistana mostram que nas áreas mais centrais e bairros mais consolidados a população inclina-se a se estabilizar, enquanto nas zonas periféricas observam-se crescimentos populacionais que chegam a taxas de até 8% ao ano.
Como decorrência direta, gravíssimos problemas com a logística de transportes, precariedade na extensão de serviços de saneamento e infraestrutura urbana, progressiva eliminação de áreas verdes naturais, sucessivo comprometimento de mananciais de águas superficiais e subterrâneas, multiplicação de áreas de risco e processos erosivos e assoreadores (as zonas periféricas avançam quase incondicionalmente sobre relevos cada vez mais acidentados), alterações climáticas locais ganham expressiva dimensão.
Considerado esse preocupante cenário, percebe-se a necessidade de compatibilizar os programas habitacionais com o esforço de planejamento urbano voltado a um maior adensamento populacional, seja pela máxima verticalização de bairros que se mostrem para tanto adequados, seja pela plena ocupação de espaços vazios de pequeno, médio e grande portes ainda existentes na região de urbanização já consolidada ou parcialmente consolidada. Obviamente, com a incorporação dos atributos próprios da sustentabilidade ambiental.
Combinando virtuosamente essas variáveis, ou seja, a capacidade de autoconstrução da população de baixa renda, o comprovado sucesso da técnica do lote urbanizado e da autoconstrução assistida técnica e financeiramente, e considerando a disponibilidade de um enorme número de terrenos vazios adequados para a ocupação habitacional em zonas urbanas já consolidadas ou em vias de consolidação, estão colocadas as bases tecnológicas e logísticas de uma Política Habitacional capaz de oferecer em curto espaço de tempo moradias dignas e seguras para centenas de milhares de famílias. Adicionalmente, por alívio da pressão de ocupação de terrenos inadequados, haveria uma enorme redução das catástrofes anunciadas das áreas de risco e dos processos de degradação ambiental que generalizadamente ocorrem hoje nas zonas mais periféricas de expansão urbana.
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br), ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas, é autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”, “Cidades e Geologia”. Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
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Tenho nos últimos anos vagado por ruas de várias cidades do mundo, onde o americano do norte foi na frente com câmaras cibernéticas instaladas nos chifres de carros. De Francistown na Botswana, de Belogorsk nos confins da Rússia, de Sucre na Bolívia, de Calgary no Canadá a Pau d´Arco no Brasil… tenho vagado…vagado por muitas outras, vagando também na solidão aberta das estradas que as comunicam. A sensação pueril, sóbria e religiosamente extática é como que um espectro a migrar extremamente de um extremo a outro. Agora a pouco eu estava vagando pelas ruas de Tarsus na Turquia, terra do maior bandeirante do evangelho, que emprestou em dobro seu nome ao Brasil. Entre centenas de detalhes termino aludindo a um forte denunciador da transitoriedade da vida neste planeta: existem cidades que são quase todas elas uma só periferia, outras que nunca ouviram falar disto…:)
E agora de súbito vamos a uma última rua de Barreiras na Bahia. A rua é de terra. Mulher e marido estão na porta. 4 crianças ali como que a esmo na vida completam o retrato familiar. A casa tosca em alvenaria nua de blocos frágeis de concreto, como dizia Euclides da Cunha: configurando urbis monstruosa tem uma plaquinha vende-se esta casa. E aí me irrompe um pensamento que me leva a seguir pensar em Deus de tão violento e instituído que é o lance social: ali dentro tem uma televisão ligada na novela da redeglobo, das crianças 3 são meninas. Uma delas será violentada pela novela ao catequiza-la de que vendendo seu pobre corpinho ela será remetida àquele mundo “maravilhoso” da novela. Mas as outras 2 meninas, o onipotente e onisciente Deus não permitirá trágico destino. Graças a Deus, esta é minha fé…:)