Os Desafios do Segundo Governo LULA
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
O segundo mandato de Lula
Na área ambiental, em primeiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou o discurso do “vamos colocar a casa em ordem, não se troca pneu com o carro andando” para nortear suas ações. Neste segundo mandato, conforme voto de confiança que recebeu da população brasileira, espera-se desempenho mais convincente e ousado do presidente e seu governo.
Como de praxe, a cada novo mandato dos governantes, correm, a partir de janeiro, os famosos “primeiros cem dias” dos governos estaduais e federal. Nesse período, a opinião pública exercita sua inesgotável paciência e permite que os novos mandatários da República “arrumem a casa”, proponham soluções e passem a implantá-las. É uma espécie de colher de chá, de “cessar-fogo”, acordado entre formadores de opinião e população interessada, para viabilizar o novo governo. Políticos experientes sabem disso (mais: contam com isso) e utilizam o armistício para solidificar suas ações.
Lula, portanto, está em vantagem, com quatro anos de experiência acumulados e ciente do que pode ser “concertado” e do que deve ser “consertado”. Espera-se, neste período inicial de seu segundo mandato, que o presidente chame para si a responsabilidade de capitanear uma grande articulação, que harmonize políticas públicas de controle ambiental e estratégico do nosso território com as enormes demandas econômicas e sociais em prol do desenvolvimento.
Situação privilegiada
O Brasil deste início do século 21 destaca-se pela produção em massa de proteína, vegetal e animal, pelo fornecimento de insumos naturais para a produção de novos fármacos e cosméticos, plantio de florestas para a produção de celulose e exploração mineral para a indústria de base. Articulado a isso, nos destacamos pela mega-produção de energia (ainda a baixo custo), lastreados por um enorme potencial hídrico produzido em nossas bacias.
De fato, grande parte da indústria de transformação instalada no país está aqui, justamente, porque a energia brasileira é barata e abundante, ainda que nosso potencial energético (hídrico, térmico, eólico ou solar) seja pouco explorado e que, por falta de planejamento, tenhamos vivido a experiência do apagão nos anos FHC.
A produção de água para consumo humano e os recursos florestais e minerais somam tamanha ordem de grandeza que mesmo a depredação em larga escala, ocorrida nos últimos séculos, não esgotou nosso fenomenal mosaico de riquezas naturais. Para se ter uma idéia dessa condição privilegiada, a indústria siderúrgica brasileira, embora o faça, não precisa usar sucata e se dá ao luxo de desenvolver produtos com minério de ferro bruto, nativo, entre outros minerais nobres que compõem o aço.
Uma gestão ambiental decepcionante
No entanto, reconheçamos que a estratégia montada pelo governo Lula no primeiro mandato, embora tenha resultado, às vezes, em mudanças significativas na estrutura orgânica e normativa da administração responsável, ficou muito aquém do esperado, produzindo mesmo resultados medíocres, quando não funestos, quanto à materialização dos programas articulados, ou seja, a construção de obras de infra-estrutura, nos mais variados setores (transportes, energia, saneamento e abastecimento).
Não foi diferente, por outro lado, o resultado material advindo do setor de gestão ambiental do governo federal: uma enorme quantidade de áreas mapeadas, delimitadas e instituídas no papel, para serem preservadas, e que continuam a sê-lo, em grande parte, apenas no papel.
O fluxo de desmatamento, testemunhado no mundo todo, de maneira exasperante, pelo monitoramento por satélite, viu-se “reduzido” – da mesma forma que antes aumentara - na direta e inconfessável relação com a sucessiva quebra das safras, ocorrida na agricultura, no mesmo período.
Nenhuma resposta positiva adveio do Ministério do Meio Ambiente, ou mesmo projetos significativos e efetivamente materializados, que houvessem alterado a crescente degradação da qualidade ambiental nas áreas rurais e urbanas do nosso país.
No empate de zero a zero entre setores desenvolvimentistas e preservacionistas, a sociedade, a economia e o meio ambiente perderam de goleada.
Com efeito, parece que o Ministério do Meio Ambiente – seguindo a medíocre tendência já detectada na era FHC, usando um termo psicanalítico, “projetou seus recalques”, adquiridos por anos de indefinição de papéis.
A indiferença é gerada pela insegurança entre assumir a responsabilidade de planejar e servir de ferramenta de sustentabilidade ao desenvolvimento econômico, ou ceder de vez à tentação do discurso fácil do reducionismo “natureba”, que sempre levou ambientalistas no poder (como na parábola junguiana do herói arquetípico) a vitimizarem-se perante sua platéia cativa, juntamente com o remanescente cada vez mais reduzido de nossos recursos naturais.
O resultado não poderia ser outro senão a contenção sistemática dos programas de realização de obras de infra-estrutura do próprio governo. E que não venham dizer que havia “problemas de ordem ambiental” em todos eles. Com efeito, se não se retiram os pêlos do ovo, antes do preparo, vamos encontrá-los todos na omelete…
Por sua vez, não procurando retirar as espinhas do peixe, quando poderia fazê-lo se estivesse cumprindo com suas obrigações no preparo do prato, ainda na cozinha, o Ministério do Meio Ambiente, agências e órgãos a ele integrados, fizeram engasgar – com os pratos feitos fornecidos pelo governo - todo o Estado Brasileiro, sem que a fome por desenvolvimento ou preservação fossem, ambas e paradoxalmente, saciadas pela nossa sociedade.
Atitudes e hesitações que preocupam
Há falhas, no entanto, advindas do próprio núcleo duro do governo Lula, no primeiro mandato, decorrentes de uma certa falta de pulso em decidir os rumos a serem tomados.
Da casa civil – que sofreu diretamente os embates políticos e judiciais no primeiro mandato, até o Conselho de Ministros (que jamais funciona a contento), a paralisia decisória e as hesitações só se equiparam com a postura mal humorada e complexa da Ministra-Chefe, Engª. Rousseff – cujos laivos de implementar reforma no setor elétrico, quando chefiava o ministério de Minas e Energia, não se seguiram no restante das mudanças necessárias a apoiar o discurso do chefe do executivo, o Presidente Lula.
Essa paralisia, diga-se de passagem, é preocupante – necessita ser corrigida ou não se implementará o programa de crescimento previsto.
É o caso do setor de energia. Houve enorme indefinição com referência às prioridades na área de infra-estrutura, tendo o governo decidido definitivamente ampliar seu potencial hidro-energético após muito titubear em relação à geração da energia térmica – dependente do gás boliviano.
Fatores que não são diretamente vinculados ao governo, mas que dizem respeito ao Estado Brasileiro como um todo, também influíram negativamente na montagem de uma estrutura que favorecesse nosso desenvolvimento nos últimos quatro anos, com destaque para as ações judiciais que impediram o desenvolvimento das hidrovias do Paraguai-Paraná e do Madeira, e também com referência às rodovias, como o rodoanel de São Paulo, importantíssimo para o escoamento das cargas pesadas para o porto de Santos.
A própria BR 163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA), é exemplo do erro estratégico que barra o desenvolvimento do país. Com 1.780 km, sendo mais de 900 km sem asfalto desde a década dos 70, a BR 163 cruza uma das regiões mais ricas em potencial econômico do Brasil, e metade da estrada fica intransitável boa parte do ano em decorrência das chuvas e dos atoleiros que se formam.
Veja que situação: o produtor do Centro-Oeste não consegue escoar a produção agrícola rumo ao Sul porque não tem hidrovias, e não consegue rumo ao Norte, pelo porto de Santarém, porque a BR 163 é uma rota instável e esburacada. Resultado: o custo da produção brasileira sobe, o produto perde competitividade internacional e, para efeito de consumo interno, o brasileiro paga pelo que compra mais caro do que deveria ou poderia.
O discurso “natureba” do tipo “temos que proteger a Amazônia da BR 163” foi emblemático e um dos grandes equívocos que atentou contra o crescimento econômico do país, e para o qual só muito tardiamente acordou (ou foi acordada) a ministra Marina Silva.
Hoje, distribuir a produção do Centro-Oeste rumo ao Sul custa mais caro que rumo ao Norte. Ou seja, o Brasil segue estagnado, com crescimento econômico de cerca de 3% ao ano, enquanto o Ministério do Meio Ambiente, na prática, impõe aos setores produtivos a política do “se correr o bicho pega; se ficar o bicho come”. Um absurdo que nem o escritor Franz Kafka, que transformou um homem em barata, seria capaz de imaginar.
O que fazer?
O governo Lula deve deixar de lado o discurso “natureba”, ainda que bem-intencionado, e que patrocinou até agora, ainda que recentemente tenha resolvido criticá-lo.
Os recalques, advindos desse discurso pouco eficaz, fizeram muito mal ao SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente) como um todo, e projetaram-se todos sobre a figura do “empreendedor”, público ou privado, demonizando-o. Vem daí a idéia de interagir com os dados de expansão da economia nacional, como se fossem as peças do oponente em um amplo jogo de xadrez.
Sintoma disso foi a idéia “estratégica” de erguer barreiras (burocráticas ou territoriais) para “impedir o avanço” da exploração agrícola e mineral em direção à Amazônia. Ou “conter” a degradação identificada com o transporte de produtos pelas “hidrovias” ou mediante expansão de malhas rodoviárias que, “absurdo dos absurdos”, dá vazão a veículos poluentes. Nessa luta do “bem” contra o “mal”, as torres do Ministério Público e do Judiciário “correram” o tabuleiro pelos flancos, em corredores abertos por falhas regulatórias, indefinições políticas ou conceituais de ordem técnica perfeitamente evitáveis, pondo em xeque o governo e seu presidente.
O presidente Lula, se quiser realmente soltar o freio e impulsionar o crescimento econômico do país, deve transformar a gestão ambiental em ferramenta de apoio a um amplo projeto de desenvolvimento estrutural e econômico.
Marcos legais precisam definitivamente sair da gaveta das intenções e virar legislação. É urgente a necessidade de uma legislação complementar que defina competências de licenciamento. Em se tratando de obra de infra-estrutura neste país, a quem compete licenciar o quê?
Como é uma zona cinzenta, a sobreposição de competências no Brasil propicia obstáculos ao licenciamento ambiental de grandes obras e o trânsito, muitas vezes equivocado, do Ministério Público e de ONG´s em questões estratégicas que não lhes competem.
É necessário que o governo federal assuma a responsabilidade de licenciar as grandes hidrelétricas, as obras hidroviárias e outras estruturas de significativo impacto ambiental que interessem não somente a este ou aquele Estado, mas ao país como um todo.
Definidas as competências para a licença ambiental, que trará tranqüilidade aos investidores, em especial àqueles que aderirem às PPP (Parceria Público-Privada), deverá o governo finalmente decidir implantar o conceito de avaliação ambiental estratégica como ferramenta de planejamento territorial à disposição das grandes obras de infra-estrutura em território nacional.
Com esta nova ferramenta, começaremos a repensar a forma de licenciamento hoje estabelecida no país, que é trifásica (só por aqui se concebe uma licença prévia, outra de instalação e outra de operação, sucessivas e baseadas em pressupostos próprios e decorrentes) e, sob risco de configurar-se tridimensional também (com emissões autônomas originadas na União, nos Estados e nos municípios, simultaneamente). Com a avaliação estratégica de determinada obra, não haveria motivos para a existência, por exemplo, de uma licença prévia, como ocorre hoje.
A avaliação ambiental estratégica também resgataria o planejamento, que parece ter ficado esquecido pelos governos brasileiros desde a redemocratização dos anos 80, como se o ato de planejar fosse mais um penduricalho, ou entulho autoritário, herdado dos governos militares, e não uma obrigação básica de qualquer governo. Aliás, deve-se à perda sintomática da cultura do planejamento integrado, o isolamento de órgãos importantes como os ambientais, do processo de tomada de decisão na formatação dos empreendimentos programados pelo próprio governo.
Por fim, a questão das mudanças climáticas torna-se de grande importância, na medida em que a alteração das matrizes energéticas para outras menos poluentes encontram no território brasileiro enorme potencial de implantação, como as matrizes eólicas, solares e hídricas.
Daí a necessidade de se criar uma agência que se encarregue de planejar o desenvolvimento dessas matrizes, agregando-as ao esforço brasileiro para a estabilização do clima global, mesmo porque o encontro de Nairóbi deixou claro para a diplomacia brasileira que a simples negativa de assumir responsabilidades quanto às metas de reduções de emissões, nos termos do Protocolo de Quioto, não será mais aceita, cumprindo ao Brasil, a partir de 2015, também ajustar sua economia aos objetivos estabelecidos no Tratado de Mudanças Climáticas.
Cacife para isso o Brasil tem e não precisa blefar. Espera-se, portanto, que o governo também não blefe ao decidir os rumos do desenvolvimento sustentável.