Ou Temer assume o comando de fato, ou será governado pelos fatos…
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Chega, já deu!
Presos vazando pelo ladrão. Fugas em massa. Acertos de contas entre facções sob as barbas da autoridade.
O País está entregue à bandidagem e o governo se desfaz em indefinições estratégicas.
Enquanto o Judiciário faz mutirão (para soltar presos), o ministro da justiça “uberiza” a Força Nacional de Segurança e se cerca de acadêmicos, sem vocação operacional.
A coisa vai de mal a pior. Depois de uberizar a Força Nacional de Segurança, restará ao governo federal fatiar e servir as forças armadas em pequenas porções – um delivery político para os estados incompetentes, que assim jamais assumirão a responsabilidade que lhes cabe.
É preciso dar um basta! Ou o presidente Michel Temer substitui seu ministro e volta a governar de fato ou… terminará governado pelos fatos.
A segurança pública federal é alçada do ministério da justiça. Portanto, se algo precisa mudar, e muito é preciso mudar, que se comece pelo ministro…
Ministério ou academia?
Os sintomas da disfunção ministerial na justiça são evidentes.
A constelação brilha mais que o sol. No entanto, não é o que ocorre com o ministério da justiça. O órgão parece iluminado unicamente pela cabeça brilhante e lustrosa do seu ministro, a ponto de “ofuscar” todos os demais quadros que ali se encontram e que deveriam mostrar a que vieram na Administração Pública.
Os exemplos são de impressionar:
O Ministério da Justiça possui uma Secretaria Nacional de Segurança Pública.
Pergunto: alguém sabe quem é o secretário? Ouviu dele alguma declaração sobre os fatos correntes? Observou alguma movimentação do órgão em apoio às secretarias estaduais?
Por óbvio que não, pois se trata de um competente técnico em… perícia técnica.
Perito criminal de classe especial, o secretário atual, Celso Perioli, foi diretor da Polícia Técnico-Científica do Estado de São Paulo e auxiliou Alexandre de Moraes quando este era secretário de Segurança Pública paulista. Um perito em perícias, nem um pouco familiarizado com a experiência da luta direta contra o crime organizado e intervenção nos fenômenos criminológicos para além dos laudos técnicos.
Com certeza é o homem certo… no lugar errado!
Ao acessar o Portal Brasil, chega a ser constrangedor: não há nenhuma nota sobre atividades da secretaria nacional de segurança pública na última semana, ou mesmo no último mês…
O mesmo ocorre com o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP. Nada de relevante a não ser a força-tarefa montada às pressas em 11 de janeiro, á revelia do órgão. Nenhuma reunião de emergência, nenhum pronunciamento, nada…
O presidente do órgão, Alamiro Velludo Salvador Netto, é um professor dedicado à academia. Um acadêmico pouco afeto à dureza da administração penitenciária ou aos conflitos advindos da implementação de políticas criminais ou programas prisionais. No máximo transformará sua gestão em… uma tese.
A Secretária Nacional de Direitos Humanos… é uma conhecida acadêmica , cujos posicionamentos revelam estar absolutamente limitada às mesmices retóricas da pasta, ditas de forma politicamente correta.
Embora reconhecida cientista no campo dos direitos humanos, Flávia Piovesan é outra teórica a somar esforços em tese para manter de pé mitos esquerdistas cultivados por seus antecessores e antecessoras. Vale dizer: com a qual, sem a qual, tudo há de permanecer tal e qual. Nada acrescenta de prático ás teses repisadas do ambiente politicamente correto da academia.
A agenda do órgão prova isso: uma sucessão de moções, manifestações e eventos e… nenhuma ação de campo, prática, material, na área dos direitos humanos – face á crise pela qual o Brasil passa.
Em resumo, o Ministério da Justiça e Cidadania, hoje, reúne teóricos reconhecidos… nem um pouco operacionais.
A impressão que fica é que Alexandre de Morais nunca pretendeu organizar um ministério e, sim, construir um departamento acadêmico na Universidade de São Paulo…
Falta o óbvio ululante
Em meio a teses e dissertações, programas de uma obviedade que ulula (como diria Nelson Rodrigues) são literalmente ignorados nas iniciativas governamentais.
Os dirigentes que integram o ministério deveriam, por exemplo, saber que o elemento científico mais importante na administração prisional é o controle do biotipo de cada preso, a análise criminológica continuada, os exames de periculosidade.
No entanto, não há qualquer iniciativa no governo federal para que se implante um mecanismo efetivo que transmita ao Estado efetivo conhecimento de quem ele mantém preso.
Se não se conhecer cada preso, avaliar as penas e fundamentar sua manutenção ou eventual redução – não haverá mutirão que resolva o que hoje ocorre. E nem se venha dizer que isso é atribuição do judiciário ou dos governos estaduais. Essa questão é central para a resolução do conflito que hoje atormenta o Brasil.
A disciplina prisional é outro ponto agudo de omissão.
Em recente entrevista ao Estadão, o juiz Walter Fanganiello Maierovitch apontou que “o que vemos é que um sujeito é preso e já no dia seguinte tem uma lista de cinco ‘visitas íntimas’ acertadas com a direção do presídio”.
“O problema não é a visita íntima, é entender que essa gente constitui sua equipe de pombos correios, que distribui suas ordens à rede. Deixar o líder continuar liderando da cela é uma grave derrota da qual o Estado não se esforça para se recuperar. Retomar o comando dos presídios é essencial, inadiável”, informou Maierovitch.
A constatação parece uma piada, se contrastarmos a observação do magistrado com a incrível realidade regulatória do sistema de telefonia celular. Nela, operadoras de telecomunicação não se sentem obrigadas a bloquear o sinal nas penitenciárias…
Urge uma forte e firme repressão ao crime organizado – tal qual hoje se faz com a operação lava-jato quanto à corrupção petista.
É preciso organizar bem postadas e protegidas forças-tarefa, apoiadas por um forte aparato policial e de inteligência. Isso é o que deveria estar hoje sendo articulado no Palácio do Planalto,- por meio do Ministério da Justiça e Cidadania, no Ministério Público e no judiciário.
A polícia federal e a polícia rodoviária federal, que possuem excelente sistema de inteligência, deveriam estar articuladas com Forças Armadas e ABIN, para preparar o suporte de uma força tarefa e, então, demandar o judiciário federal à altura das necessidades do caso.
No entanto, o que se viu até agora foi a a “uberização” da Força Nacional de Segurança e uma operação “tapa-buracos” envolvendo agentes carcerários federais… um delivery de recursos humanos com imensa perda de energia.
Entre bater cabeças com governadores e imprensa, o ministro da justiça desliza para cima e para baixo feito bola de bilhar. Enquanto isso, o crime organiza a barbárie em proporções islâmicas, ditando os fatos e aterrorizando a Nação.
Sigam o dinheiro!
Não se viu, até o momento, qualquer ação orientada para demolir a sustentação econômica das facções.
Não me refiro apenas ás rotas de tráfico. É preciso seguir o dinheiro. destruir as lavanderias, encerrar os negócios de fachada e confiscar os bens.
Dou um testemunho: Em 1997 tive a oportunidade de acompanhar vinte e oito delegados de polícia brasileiros em um curso proporcionado pela polícia italiana – na Scuola Superiore di Polizia – Gruppo d’investigazione sulla criminalità organizzata i Direzione Centrale per i Servizi Antidroga, visando aprimorar a preparação da segurança pública brasileira no combate ao crime organizado. A iniciativa rendeu frutos preciosos – foi a partir da volta dessas autoridades ao Brasil que começaram a ser implantados os sistemas de inteligência policial, formadas forças-tarefas de combate ao crime organizado e implementadas legislações que permitiram o uso sistematizado da escuta autorizada, da barganha e da delação premiada – com resultados expressivos (que todos nós, hoje verificamos só de abrir o jornal diário…).
Pois bem, na Academia Superior de Polícia italiana pude ouvir a seguinte constatação da polícia italiana: os três maiores fluxos de lavagem de dinheiro do crime organizado, em especial do tráfico de drogas, em todo o mundo, são, nessa ordem, Obras Públicas, Mineração e Lixo.
Com efeito, é impressionante a vinculação da corrupção, das fortunas sem causa, da criminalidade e do descontrole governamental, com essas três vertentes de atividades – que além de constituírem importante setor da economia de base de todas as nações, carregam um enorme potencial de impacto ambiental.
Não é preciso ir muito longe para constatar o quanto essa verdade se aplica por aqui. Basta ver o resultado de uma ação integrada – a Lava-Jato – sobre o setor de obras públicas, para se ter ideia do tamanho do buraco aberto sob os alicerces da República Federativa do Brasil.
Vamos nos restringir, aqui, ao campo ambiental – o saneamento.
Na América Latina, há relação estreita da falta de saneamento ambiental com o tráfico de drogas. Lixo, esgoto e criminalidade organizada formam uma constante.
Roubo de cargas e de veículos movimentam depósitos de sucata. Desova de corpos em aterros clandestinos, contratação irregular de aterros sanitários superfaturados (ou subfaturados), falta de fiscalização do destino do lixo industrial e da construção civil – tudo faz para garantir a movimentação financeira do crime organizado,
O famoso ditado “lixo no governo, governo no lixo”, tem relação direta com a corrupção. A lavagem de dinheiro é propiciada pela desorganização recorrente na fiscalização do que entra, do que sai e do que fica, em um depósito de lixo…
Não por outro motivo, é sabido que o PCC passou a dominar bota-foras e depósitos clandestinos de lixo da construção civil no estado de São Paulo. O crime transformou cavas abandonadas em depósito de entulho e encostas de morro em “obras de estabilização topográfica” – carreando não apenas rejeitos da construção civil como, também, terra contaminada, lixo hospitalar e material tóxico. Esse fenômeno criminológico pode ser testemunhado em vários municípios, em especial nas regiões metropolitanas. Só em São Paulo, há mais de cem bota-foras clandestinos – sem que ocorra qualquer fiscalização digna desse nome…
A ação do crime organizado e da lavagem de dinheiro no negócio da gestão de resíduos avança na proporção direta da omissão dos governos federal, estaduais e municipais em relação á fiscalização do setor.
O atual Ministro da Justiça, quando era Secretário da Segurança no governo paulista, pouco fez nesse setor – como também nada fez na área de transportes clandestinos, cooperativas de transporte e reciclagem, etc… etc… etc… Não consta qualquer ação integrada entre secretarias de segurança pública, meio ambiente e transporte.
Seria demais esperar qualquer iniciativa, portanto, na esfera federal. No entanto, essa é uma das pontas mais sensíveis da imensa lavanderia a serviço do crime organizado…
Sanear o meio, conferir adequada gestão aos resíduos sólidos urbanos, agir com transparência nos contratos e fiscalização e, com isso, jogar luz sobre um setor contaminado pela obscuridade da poluição, é fator essencial para a segurança pública… para muito além do discurso natureba.
Essa teia de corrupção, por óbvio, intoxica a sociedade, inocula o lixo na estrutura governamental e faz governos atolarem no lixo.
Polícia Federal, judiciário, Ministério Público, IBAMA e Receita Federal deviam seguir o exemplo italiano e, em conjunto com autoridades estaduais, combaterem o crime organizado simultaneamente ao saneamento do meio.
Porém, com a atual gestão formada por acadêmicos no ministério da justiça, o máximo que ocorrerá é uma dissertação para cadeira de livre-docência…
Não enxergam o óbvio
A partir da alteração do Código Penal introduzida em 2012, ficou claríssima a possibilidade de enquadramento como organização paramilitar da organização criminosa conhecida como PCC.
No entanto, os organismos de justiça ainda não articularam uma única ofensiva judicial propondo o enquadramento e a classificação das ações do grupo criminoso na nova lei de repressão aos grupos paramilitares e ao terrorismo.
No ano de 2007, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado – GAECO, do Estado do Paraná – Região de Maringá, denunciou 22 integrantes de uma quadrilha ligada à organização criminosa, qualificando-os como elementos de milícia privada. A ação causou impacto nos órgãos dos Ministérios Públicos estaduais, mas, no entanto, ainda está a merecer a devida consideração do judiciário.
A ação articulada do Estado, além de tímida é obstruída pela ausência de uma legislação que imponha tutela federal a delitos dessa natureza e tipifique a organização paramilitar não como um simulacro de quadrilha mas, sim, como organização terrorista.
As notícias acerca de uma possível união dos “black blocs” com o PCC, ocorridas no período dos protestos que se seguiram à grande primavera de junho de 2013, movimentaram parte da mídia e expuseram a capacidade de articulação entre sociopatas, misturando radicalismo ideológico e criminalidade. Agora, já se fala em articulação das organizações criminosas com as FARC colombianas, com os terroristas do Hezbollah…
Com efeito, a sintomática da crise moral que atinge nossa sociedade só é possível em países cujas instituições não funcionam.
Chegamos ao fim do poço? Ou, não seria o caso de mudarmos os personagens que não saber atuar em cena?
Quando resolverão as instituições permanentes da República, agir em defesa da autoridade do Estado Democrático de Direito, diante dos sintomas de empoderamento paramilitar? Onde está a ação estratégica, institucional, do Ministério da Justiça?
A ameaça da manutenção de organizações paramilitares representa risco à soberania nacional – o que torna ainda mais dramática a demanda por tutela da questão.
Conclusão
É preciso elaborar remédios fortes para evitar o descontrole constitucional. E não basta ter a bula ou elaborar uma tese acadêmica a respeito – é preciso ministrar o remédio e, para tanto, o farmacêutico, o “médico” e seus enfermeiros devem ser capacitados.
O que hoje observamos no ambiente tumultuado da violência nos presídios e fora deles é um alerta para as profundas alterações tecnológicas e de natureza dos conflitos assimétricos que devemos enfrentar e, principalmente, para o fato do enorme risco de estarmos sendo, aos poucos, envolvidos numa trama de processos que inapelavelmente nos levará à perda de nosso regime democrático.
O presidente Temer, portanto, não deve mais hesitar.
É preciso dar um “tchau querido” ao atual ministro Alexandre de Moraes e sua equipe de acadêmicos e, então, nomear para o ministério alguém à altura dos desafios que se descortinam para a República brasileira.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados, integra o Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, membro das Comissões de Infraestrutura e Sustentabilidade e Política Criminal e Penitenciária da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo (OAB/SP). É Vice-Presidente e Diretor Jurídico da API – Associação Paulista de Imprensa. Editor do Portal Ambiente Legal e do blog The Eagle View.