Carga tributária escorchante e “derramas” programadas por um Estado injusto, inchado e incompetente, põem em risco o Estado Democrático de Direito.
Por Yara Lorenzetti e Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Ao contrário da eterna lenga lenga propagada pela burocracia governamental, a relação dos impostos com a injustiça social sempre foi uma constante nas sociedades marcadas pela miséria e a diferença de classes.
Não por outro motivo, é nessas sociedades que a livre iniciativa é vista com desconfiança pela burocracia e combatida ideologicamente pelas lideranças políticas e, portanto, a mobilidade social se faz com corrupção. Ao mesmo tempo, é nessas sociedades que tributos tornam-se progressivamente escorchantes e recaem sobre uma população miserável, para o sustento de uma classe dirigente administrativamente “obesa”, perdulária e insensível.
O grande exemplo está na raiz de todas as repúblicas da era moderna, a Revolução Francesa.
A situação da França, no século XVIII, era de extrema injustiça social.
No “Antigo Regime”, a monarquia dividia-se em três Estados. O Terceiro Estado era formado pelos trabalhadores urbanos, camponeses e a pequena burguesia comercial. O Segundo Estado era formado pela nobreza e o Primeiro Estado, pelo clero.
Obviamente, os impostos eram pagos somente pelo terceiro segmento social, com o objetivo escandaloso de manter os luxos da nobreza.
A França era um país absolutista. O rei controlava a economia, a justiça, a política e até mesmo a religião dos súditos.
A sociedade francesa do século XVIII era estratificada e hierarquizada. No topo da pirâmide social, estava o clero. Abaixo do clero, estava a nobreza formada pelo rei, sua família, condes, duques, marqueses e outros nobres que viviam de banquetes e muito luxo na corte. Esses estamentos não pagavam impostos.
Trabalhadores, camponeses e a burguesia, sustentavam toda a sociedade com seu trabalho e com o pagamento de altos impostos. Camponeses, trabalhadores braçais e comerciantes de rua viviam em extrema miséria. A burguesia, mesmo tendo uma condição social melhor, demandava uma participação política maior e liberdade econômica, que permitisse expandir os negócios e a economia.
Pior era a condição dos desempregados, que aumentavam em larga escala nas cidades francesas.
Do outro lado do Atlântico, notícias provinham do novo continente, onde os colonos, atormentados pelos impostos escorchantes da coroa britânica, decidiram se rebelar, fundar uma república e formar um grande país, os Estados Unidos da América.
Assim, todas as condições objetivas estavam postas para o que se sucedeu: a revolução. No mês de agosto de 1789, uma Assembleia Constituinte cancelou todos os direitos feudais que existiam e promulgou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Este importante documento trazia significativos avanços sociais, garantindo direitos iguais aos cidadãos, além de maior participação política para o povo. Nenhuma linha, aliás, foi dedicada a “impostos”… por motivos óbvios.
A revolta norte-americana contra os impostos e a miséria, que inspiraram a Revolução Francesa, também inspiraram os colonos do Brasil, no mesmo período – conhecido como a Inconfidência Mineira.
Durante o Século 18, o Brasil-Colônia pagava um alto tributo para seu colonizador, Portugal. Esse tributo incidia sobre tudo o que fosse produzido em nosso País e correspondia a 20% (ou seja, 1/5) da produção.
A taxação, altíssima e absurda, era chamada de “O Quinto”. O tributo recaía principalmente sobre a nossa produção de ouro.
O “Quinto” era tão odiado pelos brasileiros, que, quando se referiam a ele, diziam “O Quinto dos Infernos” – e isso virou sinônimo de tudo que é ruim.
A Coroa Portuguesa vivia um esplendor cultural, sob o reinado de Dna. Maria, que, no entanto, determinara por decreto o sufocamento da nascente manufatura brasileira, em 1785, reduzindo a economia local a pó.
Então, a Coroa quis cobrar os “quintos atrasados” de uma única vez, no episódio conhecido como “Derrama”. Isso revoltou a população, gerando a reação conhecida como a “Inconfidência Mineira”, que, debelada severamente, culminou com a prisão, morte e desterro de vários conjurados e o julgamento de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, condenado à forca e esquartejado.
Raiz de toda a revolta republicana nas Américas e no continente europeu, os impostos escorchantes cobrados de forma injusta por uma classe dirigente cada vez mais inchada, em prejuízo das classes produtoras, volta a deixar sua marca funesta na realidade atual do Brasil.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário IBPT, a carga tributária brasileira corrói, desde 2011, algo próximo a 40% – praticamente 2/5 (dois quintos) – de tudo o que o brasileiro produz.
Ou seja, a carga tributária que aflige o brasileiro, hoje, é praticamente o dobro daquela exigida pelas Côrtes de Portugal à época da Inconfidência Mineira.
Pagamos hoje, literalmente, “dois quintos dos infernos” de impostos…
E somos explorados nessa “derrama” para quê?
Para sustentar a mais cara, preguiçosa, perversa e destrutiva burocracia estatal do planeta? Para propiciar a maior taxa de corrupção do mundo? Para permitir a sobrevivência nos escaninhos governamentais, de mensaleiros, zeloteiros, lava-jatistas, merendeiros, etc?
Nossa carga tributária nos obriga a sustentar o Senado Federal com sua legião de “Diretores”? A festa das passagens em primeira classe – de procuradores, políticos e burocratas de agências de controle? Sustentar bacanais (literalmente) com o dinheiro público? As comissões e jatinhos,? A farra familiar nos 3 Poderes (Executivo/Legislativo e Judiciário)?
Nosso dinheiro é confiscado no dobro do valor do “quinto dos infernos” para sustentar três poderes da república, que nos custam (já feitas as atualizações) o dobro do que custava toda a Corte Portuguesa!
E pensar que Tiradentes foi enforcado porque se insurgiu contra a metade dos impostos que pagamos atualmente…
Pior, não havia nos tempos de Tiradentes, uma máquina tão sofisticada, voraz e perversa de arrecadação como a atual. Monitoramentos de tráfego, combinados com alterações absurdas de regras de trânsito, fazem a festa da burocracia em todas as cidades e estradas do Brasil. Multas e autuações sobre cidadãos constituem fonte adicional de honorários, para procuradores que já recebem do erário público para cumprir suas obrigações. Associações de classe de auditores,magistrados, delegados, promotores, assessores, etc., reincidem em campanhas para buscar isenções de impostos, enquanto igrejas já as obtém, independente da religião…
No Brasil, viver como cidadão de bem…é prejuízo.
Tentar empreender no Brasil, ser empresário, comerciante honesto, é enfrentar, além da burocracia absurda e impostos escorchantes, a violência e a criminalidade. Não é para qualquer um.
Pior é ser o contribuinte, direta e indiretamente, além de tributado, tachado “explorador” por uma horda de imbecis que pregam o Estado como origem e destino das (suas próprias) realizações pessoais.
Um Estado que cobra tributos de forma implacável, enquanto se omite ante a marginalidade, vitimiza a delinquência, prestigia o ócio, faz da impunidade, a regra.
Essa a razão da “sensação de desobrigação” para com o interesse público, que vai tomando conta da sociedade civil organizada, que alterna mobilizações em massa, contra qualquer coisa, com escassês absoluta de mobilizações “em favor” de algo que deva ser construído coletivamente… Todos reivindicam, ninguém se obriga, porque todos se sentem absolutamente explorados por uma estrutura que nada lhe dá em troca – só tira… e muito.
A voracidade tributária, por tudo isso, rasga as garantias fundamentais da cidadania e destrói o Estado Democrático de Direito.
Está na hora, sem dúvida, de uma nova inconfidência – com uma diferença: ela deverá vingar o povo brasileiro.
Fonte:
http://www.sohistoria.com.br/ef2/inconfidencia/
http://gospelbrasil.topicboard.net/t2351-o-quinto-dos-inferno-origem-da-expressao#44982
http://historiadomundo.uol.com.br/idade-moderna/revolucao-francesa.htm
Yara Lorenzetti é psicóloga pós-graduada em Psicodrama. Possui cursos de especialização em Técnicas Corporais Reichiana , Teoria Junguiana e Manejo Psicoterápico com Dependentes Químicos. Participou de vários cursos de atualização dentro e fora do país, lecionou no Curso de Fisioterapia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e na Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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