Por Karina Fiorini e Andressa Onohara
Nesse período em que o movimento ambiental vira sinônimo de defesa de florestas e animais em extinção, as Faculdades Zumbi dos Palmares, único centro universitário na América do Sul fundado e dirigido por afrodescendentes, abre seu novo ciclo de “Encontros” debatendo uma doutrina pouco conhecida no Brasil e absolutamente diferente da velha cantilena biocentrista tão em moda por aqui: o resgate do ser humano, a inclusão social e o respeito á diversidade racial como fatores a serem considerados num ecossistema ecologicamente equilibrado.
Originada nos Estados Unidos, a Justiça Ambiental foi apresentada ao público da academia pelo professor e ex-secretário da Justiça do Estado de São Paulo, Hédio Silva Júnior, sob a mediação do advogado ambientalista Antonio Fernando Pinheiro Pedro. Silva Júnior informa que o tema Justiça Ambiental (Environmental Justice), “contrapõe justiça e desigualdade social, demonstrando que os mais pobres são os que vivenciam as piores consequências dos danos ambientais” e mesmo sua pretensa “recuperação”.
Silva Júnior deu como exemplo o bairro paulistano da Liberdade, que tem este nome por justamente ter sido originário de um quilombo. “A expansão da cidade de São Paulo, e a redefinição do espaço urbano forçou a migração dos negros – “fundadores” do bairro, para o fundo dos vales próximos (o bairro do Bixiga) e regiões periféricas da cidade”.
Alguns sinais da ocupação quilombola ainda podem ser observados no local, tais como o próprio nome do bairro, “Liberdade”, a Igreja dos Enforcados e a escola de samba Vai-Vai (no vale do vizinho “Bixiga”).
Segundo o professor, o caso ilustra, de maneira clara, a Injustiça Ambiental ainda hoje ocorrente na expansão urbana das Américas, em decorrência da especulação imobiliária, de “urbanizações” segregacionistas ou mesmo de “recuperações” ambientais planejadas pelo governo, cuja metodologia consiste em reprimir e erradicar pobres e negros assentados irregularmente, “limpando” áreas consideradas de preservação permanente (fundos de vale, beira de riachos urbanos e encostas), em torno das quais, a elite econômica promove ocupação, trazendo por consequência a transferência da miséria para zonas periféricas, gerando toda sorte de efeitos negativos para aquela população desfavorecida.
O jurista fez menção ao Furacão Katrina, para demonstrar a importância da nova doutrina, que norteou a reação do próprio judiciário americano ao tratar da tragédia ocorrida em Nova Orleans, responsabilizando o Governo e até mesmo organismos de preservação ambiental que, perdidos em longos debates acerca da preservação dos diques que protegiam a cidade, não permitiram obras essenciais, omissão que, somada ao descaso da Casa Branca com as medidas de evacuação e emergência, levou à perda de vidas e do patrimônio de milhares de negros e menos favorecidos, moradores à jusante dos diques rompidos.
O palestrante destacou ainda a importância da Justiça Ambiental como “tratamento justo e envolvimento pleno de todos os grupos sociais, independentemente de sua origem ou renda nas decisões sobre o acesso, ocupação e uso dos recursos naturais em seus territórios”, em resgate da importância da história e da luta dos negros no Brasil por condições igualitárias e mais justas.
Lembrou, ainda, da necessidade de se repensar o modelo de proteção ambiental em curso no Brasil, que simplesmente ignora a realidade social das populações mais humildes, sempre integradas por negros, índios, caiçaras, migrantes e refugiados, invisíveis ao planejamento territorial das autoridades responsáveis pela gestão dos ecossistemas naturais e urbanos.