Má qualidade da água pode ter impactos jurídicos
Danielle Mendes Thame Denny
Na época em que o Brasil sediou a Copa do Mundo, era comum o comentário, imagina na Copa! Para indicar o risco de um determinado problema ser potencializado durante o mega evento. O mesmo pode ser dito a respeito das olimpíadas do Rio de Janeiro.
Conforme conceitua Michael Hall, megaeventos são insustentáveis na sua natureza pois são grandiosos em termos de público, mercado alvo, nível de envolvimento do setor público, efeitos políticos, extensão de cobertura televisiva, construção de instalações e impacto sobre o sistema econômico e social da sociedade anfitriã (Hall, 2010).
A competição acirrada para atrair investimentos tende a caracterizar uma lógica de jogo soma zero ou pior em que o ganhador pode, na verdade, se tornar o grande perdedor, haja vista os potenciais riscos à saúde pública, ao meio ambiente e à economia.
A falta de visão de longo prazo pode resultar na assunção de externalidades negativas não computadas no cálculo do produto interno bruto. Além disso, grande quantidade de investimentos governamentais em infraestrutura que se tornará improdutiva ao longo dos anos, contribui apenas para aumentar os gastos públicos e desvia investimentos de áreas mais prioritárias.
Nesse sentido, para inverter tal lógica deletéria de um megaevento há necessidade de muito planejamento, gerenciamento, controle e ação rápida para mitigar eventuais riscos.
Concernente à qualidade da água não é diferente, há necessidade de um plano para melhorar o desempenho ambiental do uso da água e promover sua sustentabilidade, reduzindo ao máximo os impactos negativos sobre o meio ambiente e com isso também mitigando ameaças à reputação de uma marca ou empresa que possam ser vinculadas a esse tipo de incidente.
Durante a Copa do Mundo, por exemplo, a falta de um gerenciamento adequado da água fez com que a vigilância sanitária da cidade de São Paulo autuasse diversos hotéis de luxo que tinham sido recomendados pela FIFA, entre eles: Renaissance, Maksoud e Pestana.
Alguns desses hotéis não tinham duto de limpeza do arcondicionado o que indica que eles nunca foram limpos. E que, portanto, o sistema ficou, durante todo o tempo, acumulando poeira, fungos e bactérias, entre elas a legionella que causa uma pneumonia muito forte que leva a óbito 2 em cada 10 pessoas contaminadas. Além desse processo administrativo, os hotéis podem vir a ser processados pelas vítimas que cobrarão Indenização por perdas e danos que sofreram e também pelo Ministério Público no âmbito civil e criminal por terem causado dano ao meio ambiente urbano e com isso colocado a população em risco.
Quando se fala em meio ambiente, a idéia mais direta que vem à mente é a proteção das árvores e dos animais. Contudo, as cidades também são meio ambiente e é onde a maioria da população vive. Assim, zelar pela qualidade do ar e da água no interior dos edifícios é uma responsabilidade ambiental.
No Brasil a matéria tem importância constitucional. Segundo a mais importante lei brasileira, todos têm direito a um meio ambiente Ecologicamente equilibrado, que é caracterizado como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Por isso deve ser defendido e preservado para as presentes e futuras gerações tanto pela iniciativa privada, pelo poder público e pela coletividade. Caso isso não ocorra, um único fato pode gerar a responsabilização administrativa, civil e criminal, sem que uma exclua a outra.
Em termos de indenização, a responsabilidade independe de dolo ou culpa, basta que haja nexo causal e dano. Afinal, quem exerce uma atividade, ao auferir lucro com ela, assume o risco de responder pelo dano causado objetivamente, ou seja, independentemente de ter tido intenção de lesar, ou de ter agido com imprudência, imperícia ou negligência.
Como, em se tratando de meio ambiente, o dano é exatamente o que se quer evitar, toda lógica jurídica de proteção e gestão ambiental fundamenta-se numa dinâmica preventiva, mas, uma vez ocorrido, ele deve ser reparado da forma mais ampla possível, para desestimular outros poluidores potenciais. A reparação, portanto, deve ser integral compreendendo o prejuízo efetivamente causado bem como toda extensão de danos consequentes produzidos.
A existência digna só é possível se houver meio ambiente equilibrado, então ele é bem indisponível e difuso relacionado à dignidade humana. Por essa razão o dano ambiental é imprescritível. Ademais, todos os agentes respondem solidariamente, em conjunto ou individualmente por todo o dano, inclusive o adquirente de boa fé que tenha comprado um edifício com problemas sem saber, por exemplo.
Normalmente em casos de responsabilidade objetiva, há quatro causas que rompem o nexo causal: caso fortuito, força maior, fato exclusivo da vítima ou de terceiros. Mas, isso não se aplica à responsabilidade ambiental. Além disso, há inversão do ônus da prova e presunção do nexo de causalidade. Assim, além da responsabilidade civil ambiental ser objetiva, integral, imprescritível e solidária, presume-se nexo causal e inverte-se o ônus da prova.
Durante as olimpíadas, a contaminação pode se dar nos mais variados lugares como hoteis, ginásios, estádios, refeitórios, shopping centers. Essa realidade traz consigo uma responsabilidade muito maior tanto com a qualidade do ar como também da água, para não gerar poluição nesses dois recursos.
Conforme definido no inciso III, do art. 3°, da Lei n° 6.938/81, poluição é a “degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população (…) d) afetem as condições (…) sanitárias do meio ambiente” .E essa poluição pode ser considerada um crime ambiental, conforme o art. 54 da Lei 9605/98:
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora.
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º Se o crime é culposo:
Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.
§ 2º Se o crime:
I – tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para
a ocupação humana;
II – causar poluição atmosférica que provoque a
retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das
áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da
população;
III – causar poluição hídrica que torne necessária a
interrupção do abastecimento público de água de uma
comunidade;
IV – dificultar ou impedir o uso público das praias;
V – ocorrer por lançamento de resíduos sólidos,
líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias
oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas
em leis ou regulamentos:
Pena – reclusão, de um a cinco anos.
§ 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo
anterior quem deixar de adotar, quando assim o exigir a
autoridade competente, medidas de precaução em caso
de risco de dano ambiental grave ou irreversível.
Porque é considerada crime, pode submeter o agente a penas de até cinco anos de reclusão.
Uma empresa, no âmbito penal, pode ser condenada a multa, dissolução, interdição, suspensão da atividade, confisco, perda de benefícios fiscais e seus dirigentes podem ser condenados a penas privativas e restritivas de liberdade.
Com a magnitude das olimpiadas, há ainda de ser considerado o risco de haver processos internacionais, como os oriundos dos Estados Unidos onde a jurisprudência está bem mais avançada que a brasileira para punir e condenar de maneira exemplar casos de legionelose por exemplo.
Importante ressaltar que um cidadão americano infectado pode processar nos EUA empresas brasileiras públicas ou privadas que tenham sido responsáveis pela sua doença. A justiça americana irá processar a sucursal local, se for uma multinacional por exemplo, ou irá emitir carta rogatória à justiça brasileira para chamar ao processo os responsáveis brasileiros. O processo por envolver Direito Internacional Privado tende a ser mais demorado que o normal mas nele pode haver condenação tanto pelas leis brasileiras como pelas americanas, conforme os elementos de conexão do caso concreto.
A tendência é cada vez mais empresas e executivos serem responsabilizados administrativa, civil e criminalmente. Para prevenir isso, é necessário um ativo processo de gerenciamento e minimização dos riscos, monitorando integralmente os sistemas de água e ar das edificações, para impedir ao máximo a proliferação de elementos patogenicos e, com isso, zelar pela saúde dos colaboradores, clientes, visitantes e a comunidade do entorno.
Referências
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