É a economia, é a política, é a responsabilidade…
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
A frase “It’s the economy, stupid” (é a economia, idiota), foi cunhada em 1992 por James Carville, estrategista da vitoriosa campanha presidencial de Bill Clinton contra o presidente republicano George H. W. Bush. A frase respondia à perplexidade de todos ante a mudança de quadro na política americana. Afinal, em 1991, após a invasão do Iraque, quase 90% dos eleitores ouvidos nas pesquisas de opinião aprovavam o governo Bush e, um ano depois, mais de 60% dos americanos reprovavam o mesmo governo, abrindo caminho para o candidato democrata.
A frase virou um “snowclone” (algo que passa a ser usado em vários contextos diferentes e, mesmo assim, é reconhecido de imediato). Portanto, pode ser aplicada ao caso brasileiro, e da mesma forma – não somente no aspecto da economia, mas no da política.
A razão contida no snowclone guarda, também, um aspecto de sincronicidade importante e até aqui não abordado.
Este artigo talvez sirva de guia para orientar interlocutores catatônicos ante a resiliência do governo Temer, com relação à própria natureza política do fenômeno.
É a economia…
Primeiro, é preciso diferenciar a impopularidade de um governo nas pesquisas de opinião, do comprometimento popular para com as razões que mantém o mesmo governo.
Indivíduos que desprezam a inteligência do povo e desconhecem as razões plurais da democracia, tendem a ignorar essa sutileza.
Os brasileiros já demonstraram seu descontentamento para com a corrupção e os desmandos da burocracia estatal – a ponto das massivas manifestações de rua terem sido determinantes para a condução do impeachment da Presidente Dilma Rousseff e o despejo da entourage de petistas do poder, nas eleições municipais que se seguiram.
Mas, por isso mesmo, o povo está ciente da necessidade de submeter-se a um governo comprometido com a implementação das reformas nos campos econômico, fiscal, trabalhista, previdenciário e político. Reformas amargas, impopulares, porém necessárias. Cujos efeitos econômicos positivos podem ser antevistos, para além da terrível recessão sentida no país, após o desastre do governo Dilma.
Todos os cidadãos que arrimam a família e vivem de forma responsável (a imensa e silenciosa maioria), estão cientes da necessidade de “apertar o cinto”, “enxugar a máquina” e “reduzir os gastos”. Por isso mesmo, não se engajaram e não irão se engajar em aventuras que impliquem no “desvio do barco”, do rumo traçado por um mudo e firme consenso nacional.
É nisto que reside a falta de adesão popular à “malandragem jurídica” encetada contra o governo Temer, a partir da delação hiper premiada dos irmãos açougueiros da JBS – com apoio (para muito além do razoável…), do boquirroto Procurador Geral da República, do soturno Ministro do STF e do barulhento “esquema” de certas mídias – acompanhados dos queimadores de pneus e comensais de mortadela de sempre, patrocinados pelas viúvas do defenestrado governo Dilma.
Assim, a resposta só poderia ser uma: “É a economia”.
É a política…
A estupefação dos estupidificados permanecia na ordem do dia, quando o “traque” em forma de denúncia do Procurador Geral da República, encaminhada à Câmara Federal, foi por esta rejeitada por significativa maioria.
“Como um governo com apenas 5% de apoio na opinião pública poderia garantir tamanha maioria no parlamento?”, perguntavam os elaboradores de factoides e analistas de meias conjunturas, que pululam a mídia jornalística.
A resposta está na reciprocidade – essencial à atividade política.
Pela mesma razão que Lyndon Johnson manteve-se no cargo de presidente dos EUA, após a grande crise ocasionada pelo assassinato de Kennedy, e governou mais um mandato com um congresso em tese hostil, Temer assumiu as rédeas da defesa do seu governo à frente das articulações na Câmara Federal, fazendo uso da POLÍTICA, no seu sentido claro e básico, qual seja: a arte de governar, dirigir uma estrutura de governo, implementar ou influenciar um sistema de poder e relacionar-se com os outros, tendo em vista a obtenção de resultados desejados.
Com efeito, a política é elemento orgânico essencial à vida em sociedade e, como tal, está firmada em um princípio básico que é a lei da reciprocidade.
Ao contrário do que se supõe, é das relações mútuas que surgem as normas sociais. Assim, a semelhança de Temer com Lyndon Jonhnson tem razão de ser, pois tal qual Michel Temer, o democrata texano, embora não parecesse ter um perfil dos mais “populares” para galgar a Presidência da República, possuia um legado de trinta anos de atividade parlamentar intensa, como congressista e senador e, assim, colhia os frutos da recriprocidade cultivada todos esses anos.
Temer, ao contrário de Dilma, sempre foi um político hábil, reconhecido, atencioso, bem educado, afável, cumpridor dos compromissos e bom articulador. Não se trata de um político medíocre mas, sim, de um professor com obra doutrinária e carreira pública funcional reconhecidas. Ainda que não talhado, aparentemente, para assumir um posto de estadista, colhe os frutos de sua atividade bem sucedida de expereiente parlamentar e hábil dirigente partidário.
Assim, ante a estupefação com o resultado na Câmara, a resposta só poderia ser esta: “é a política”.
É a responsabilidade…
As duas frases de efeito, no entanto, compreendem enorme sincronicidade.
Há uma aliança paradoxal da “impopularidade” do governo Temer, com a “oportunidade” deste implementar as reformas necessárias à estabilidade econômica e institucional do Estado brasileiro.
Carl Jung, o grande psicanalista, enxergava sincronicidade em acontecimentos casualmente não relacionados mas significativamente identificados. Daí porque Jung referia-se à sincronicidade como um relação de “coincidências significativas”.
Há de fato, na atual conjuntura brasileira, um “princípio de conexões não causais”, abrangido pelo arquétipo da paternidade responsável – do chefe da família (seja o pai, seja a mãe) que assume a autoridade de “pôr a casa em ordem”.
De fato, estamos diante de um fenômeno coletivo inconsciente, em que o líder assume o encargo de ser duro e antipático para fazer o certo. A hora em que um “Jonh Wayne” aparece no saloon informando aos cidadãos que não pretende ganhar um “concurso de simpatia” mas sim, impor respeito à sua decisão em favor da “ordem”.
É o momento da ruptura do herói com o vínculo da simpatia – aquele momento em que o herói perde o crédito e vê-se desafiado em sua determinação. Essa famosa parábola junguiana é identificada e perfeitamente compreendida pelo inconsciente coletivo, propenso não apenas a admirar a determinação como a apoiar a decisão – por admirar quem assume uma grande responsabilidade.
A mitologia está lotada de paradigmas similares, bem como os livros sagrados. Essa foi a razão para que um grande e arquetípico canalha bíblico, como o Rei David – assumisse a paternidade da glória do reino de Israel, com as bençãos divinas.
Poluída pela baboseira esquerdista e politicamente correta, a ineficaz ciência política atual não mobiliza o instrumental necessário para compreender essa questão. Limita-se a arranhar a superfície dos efeitos conjunturais com invencionices proselitistas ocasionais, sem compreender as causas mais profundas que determinam o comportamento coletivo ante as circunstâncias. Por isso mesmo, “analistas” e “jornalistas” têm sido sistematicamente “surpreendidos” pelo fato.
Como toda sincronicidade, o paradoxo de Temer não se trata de um caso isolado. O fenômeno sincronístico ocorre em várias partes do mundo, aliando indivíduos de conduta “suspeita” e nem um pouco “simpáticos” ou “populares”, com decisões políticas que, embora aparentem impopularidade, contam com o apoio mudo e determinante da maioria.
O fenômeno sincronístico ocorre quase simultaneamente em diferentes lugares do mundo e, por razões diversas, costuma ser politicamente pendular – ora em busca da catarse populista – que conduz a um desastre, ora em busca do resgate dos valores perdidos, da restauração à custa de algum sacrifício.
A impopularidade de Temer é libertadora. O autoriza a implementar as reformas consideradas “impopulares”, porém tidas como necessárias. O padrão é o mesmo que motiva o povo americano a ainda tolerar Trump, o povo inglês a suportar o brexit, o apoio popular à “grande Rússia Cristã” de Putin, o resgate da França cosmopolita de Macron, a limpeza moral filipina de Duterte, e a reforma capitalista chinesa iniciada por Deng Xiaoping. Trata-se do famoso “insight” junguiano, acolhido pelo coletivo.
Essa impopularidade liberta. Permitiu ao governo Temer, em apenas um ano aprovar projetos estruturais importantes para o país, que haviam sido negligenciados pelos últimos 6 presidentes ao longo dos últimos 30 anos.
O governo Temer acelerou a emissão de títulos de domínio das propriedades num ritmo maior que o de todos os antecessores – entregara até a votação da rejeição da denúncia na Câmara Federal mais da metade dos 753.933 títulos que eram previstos até 2018, reduzindo dramaticamente o poder de manipular a insatisfação de assentados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Temer sepultou definitivamente o imposto sindical obrigatório, atraindo o ódio dos sindicatos. Sancionou a reforma trabalhista. Deu fim à farra com os recursos públicos da Lei Rouanet (que consumiu mais de R$ 15 bilhões do dinheiro suado do contribuinte só nos governos petistas). Com a PEC do Teto de Gastos, limitou consideravelmente a irresponsabilidade fiscal de gestores dos poderes legislativo e judiciário e das unidades da federação. Promoveu a reforma do ensino médio. Disciplinou o regime de concessões e privatizações por meio de medida provisória. Estabeleceu parcerias e investimentos e, agora, avança para a reforma da previdência. Sem alarde, está produzindo profundas mudanças no sistema financeiro, impondo um freio na ganância dos bancos. Poderá ainda, se houver tempo, iniciar a reforma política.
Temer desagradou a gregos e troianos, caiu nas pesquisas, sofreu e sofre impressionante pressão política. Porém, bem ou mal, tem apresentado resultados para além do esperado, e o conjunto da sociedade civil brasileira – a classe média expandida, observa calada e… apoia.
É preciso analisar Michel Temer sob a ótica Popperiana do racionalismo político. “Corrupto” ou não, “golpista” ou “cumpridor de missões”, Temer foi, sobretudo, pragmático. Lida com o que tem disponível. Articula com fisiologistas e blocos partidários. Atende setores empresariais constrói políticas públicas heterodoxas.
Sua resiliência têm feito bem ao país – para desespero das viúvas do triste passado recente – que tudo fazem para obstruir o alcance dos resultados.
Porém, a “apatia” do povo revela que ele está buscando trilhar o rumo certo, o da responsabilidade. Daí porque a voz rouca das ruas continua silente.
Daí a terceira resposta: “é a responsabilidade”.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Política Criminal e Infraestrutura da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É Vice-Presidente da Associação Paulista de imprensa – API, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.