Por Talden Farias*
O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) é um tributo real federal de cobrança anual, cujo fato gerador é a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel rural. Com previsão no inciso VI do art. 153 da Constituição Federal e instituído pela Lei n. 9.393/96, o seu caráter extrafiscal é evidente, uma vez que o valor a ser cobrado diminui de acordo com o maior grau de cumprimento da função social da propriedade.
O intuito, obviamente, é estimular o desenvolvimento das atividades agropecuárias e combater a especulação imobiliária rural, gerando emprego, qualificação de mão de obra, circulação de dinheiro e manutenção da população no campo. Contudo, afora o viés econômico e social, esse tributo possui uma dimensão ecológica, já que se instituiu a impossibilidade de cobrança de ITR em cima das áreas ambientalmente protegidas.
Não se pode esquecer que a criação desses espaços contribui de maneira mais efetiva para a salvaguarda dos atributos ambientais das áreas consideradas ambientalmente relevantes, sendo, assim, um instrumento imprescindível em qualquer política ambiental séria. Entre os objetivos pretendidos, é possível citar a conservação dos recursos naturais, a estabilidade climática, a promoção da biodiversidade, a proteção às paisagens notáveis etc1.
Desde a sua edição, a Lei n. 6.938/81, a qual dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, teve como um de seus principais objetivos e instrumentos a instituição dessas áreas2. No entanto, somente com a Carta Magna de 1988 a matéria atingiu um outro patamar, posto que o inciso III do § 1º do art. 225 determina que para assegurar a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente incumbe ao Poder Público “definir, em todas as unidades da federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”.
O conceito de áreas protegidas é bastante amplo e abarca institutos tão diversos quanto área de preservação permanente, áreas tombadas, áreas verdes urbanas, corredores ecológicos, hortos florestais, jardins botânicos, reserva legal, terras indígenas, unidades de conservação, zoneamento ecológico etc. Todavia, as modalidades que parecem se destacar mais na prática são a área de preservação permanente, a reserva legal e as unidades de conservação, estando as duas primeiras disciplinadas pelo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012) e a terceira pela Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Lei n. 9.985/2000).
Antes mesmo da Lei n. 9.393/96, a Lei n. 8.171/91, a qual dispõe sobre a política agrícola brasileira, já estabeleceu a isenção de ITR para todo e qualquer espaço territorial especialmente protegido assim declarado pelo Poder Público estadual ou federal:
Art. 104. São isentas de tributações e do pagamento do imposto territorial rural as áreas dos imóveis rurais consideradas de preservação permanente e de reserva legal, previstas na Lei nº 4.771, de 1965, com a nova redação dada pela Lei nº 7.803, de 1989.
Parágrafo Único. A isenção do Imposto Territorial Rural (ITR) estende-se às áreas da propriedade rural de interesse ecológico para a proteção dos ecossistemas, assim declarados por ato do órgão competente federal ou estadual e que ampliam as restrições de uso previstas no artigo.
A Lei n. 9.393/96, ao prescrever a base de cálculo do ITR, estabeleceu as seguintes isenções:
Art. 10. A apuração e o pagamento do ITR serão efetuados pelo contribuinte, independentemente de prévio procedimento da administração tributária, nos prazos e condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, sujeitando-se a homologação posterior.
(…)
II – área tributável, a área total do imóvel, menos as áreas:
a) de preservação permanente e de reserva legal, previstas na Lei no 12.651, de 25 de maio de 2012;
b) de interesse ecológico para a proteção dos ecossistemas, assim declaradas mediante ato do órgão competente, federal ou estadual, e que ampliem as restrições de uso previstas na alínea anterior;
c) comprovadamente imprestáveis para qualquer exploração agrícola, pecuária, granjeira, aqüícola ou florestal, declaradas de interesse ecológico mediante ato do órgão competente, federal ou estadual;
d) sob regime de servidão ambiental;
e) cobertas por florestas nativas, primárias ou secundárias em estágio médio ou avançado de regeneração;
f) alagadas para fins de constituição de reservatório de usinas hidrelétricas autorizada pelo poder público.
O Código Florestal também deixou claro a dedução das áreas de uso restrito da base de cálculo do ITR:
Art. 41. É o Poder Executivo federal autorizado a instituir, sem prejuízo do cumprimento da legislação ambiental, programa de apoio e incentivo à conservação do meio ambiente, bem como para adoção de tecnologias e boas práticas que conciliem a produtividade agropecuária e florestal, com redução dos impactos ambientais, como forma de promoção do desenvolvimento ecologicamente sustentável, observados sempre os critérios de progressividade, abrangendo as seguintes categorias e linhas de ação:
(…)
II – compensação pelas medidas de conservação ambiental necessárias para o cumprimento dos objetivos desta Lei, utilizando-se dos seguintes instrumentos, dentre outros:
(…)
c) dedução das Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito da base de cálculo do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR, gerando créditos tributários;
O legislador fez uso de uma redação mais ampla a ponto de poder abranger não apenas qualquer modalidade de área protegida, desde que declarado por ato do Poder Público federal ou estadual, mas também as áreas simplesmente cobertas por florestas nativas, primárias ou secundárias em estágio médio ou avançado de regeneração, consoante estabelecem as alíneas b e e do do art. 10 da Lei n. 9.393/2006. Isso implica dizer que, além da existência da área protegida em si, procurou-se incentivar a manutenção e o plantio da cobertura florestal por parte de posseiros e proprietários haja vista os serviços prestados ao solo e ao meio ambiente de forma geral.
Faz-se necessário esclarecer que embora as duas normas transcritas se refiram à existência de ato declarado por ato do Poder Público estadual ou federal, não se pode deixar de considerar também os atos praticados pelos Municípios, pois o art. 225 da Lei Fundamental diz respeito a todo o Estado brasileiro. Além de serem membros do Pacto Federativo, os entes locais possuem competência administrativa e legislativa própria em matéria ambiental, sendo inconstitucional qualquer interpretação que exclua as áreas protegidas municipais desse benefício tributário.
Uma outra discussão importante dentro da temática diz respeito à perda do benefício em razão de um eventual descumprimento de obrigações acessórias, como é o caso da exigência de apresentação de Ato Declaratório Ambiental – ADA. De acordo com a Instrução Normativa n. 5/2009 do IBAMA, cuida-se de documento de cadastro do imóvel rural a ser apresentado anualmente junto à essa autarquia para fins de registro e consequente isenção do ITR.
É possível afirmar que a única contrapartida do Estado para estimular os proprietários rurais a proteger o meio ambiente é a isenção do ITR, que inclusive é um tributo real pouco oneroso, uma vez que o pagamento por serviços ambientais previsto no art. 41 do Código Florestal ainda não deslanchou. Logo, seria incongruente determinar a perda da isenção em razão da não observação de uma obrigação acessória, cujo descumprimento deveria estar sujeito unicamente à advertência ou multa.
De mais a mais, as informações solicitadas já constam no Cadastro Ambiental Rural – CAR, que, segundo o art. 29 do Código Florestal, é o “registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento”. Com isso, fica patente que a exigência é desnecessária, pois o Estado já possui um canal específico e mais eficiente para a obtenção desse tipo de informação (de qualquer forma, a discussão sobre a pertinência ou não exigência do ADA será feita no próximo artigo da coluna).
1 O art. 2º da Convenção Internacional da Diversidade Biológica classifica área protegida como a “área definida geograficamente, que é destinada, ou regulamentada, e administrada para alcançar objetivos específicos de conservação.
2 Art. 2º A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propicia à vida, visando assegurar, no país, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e a proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: I – ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; (…) IV – proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas; (…) IX – proteção de áreas ameaçadas de degradação;
Art. 4º A Política Nacional do Meio Ambiente visará: (…) II – À definição de áreas prioritárias de ação governamental relativa à qualidade e a equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da união, dos estados, do distrito federal, dos territórios e dos municípios;
Art. 9º São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: (…) VI – a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo poder público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas;
*Talden Farias é advogado e professor da UFPB e da UFPE, doutor e pós-doutorando em Direito da Cidade pela Uerj, autor de publicações nas áreas de Direito Ambiental e Urbanístico e líder do Grupo de Pesquisa em Direito Ambiental e Cidades.
Fonte: ConJur
Publicação Ambiente Legal, 31/05/22
Edição: Ana Alves Alencar
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