O verdadeiro jornalismo é o engajamento com a verdade
Leia o artigo, e assista ao vídeo “Qual é o verdadeiro papel do jornalista?” , no final do texto**.
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
A Zona de Conforto das Unanimidades Óbvias
Uma sensação de déjà-vu me ocorre quando assisto ao noticiário na TV, leio revistas ou folheio os jornalões diários.
Observo a mesmice tomar conta da imprensa escrita e falada, virtual ou impressa, a cabo ou em ondas.
Quando não se deixa contaminar pelo “efeito manada” (quando todos dizem a mesma coisa, reproduzindo a mesma fonte), nossa imprensa elege “ícones” cuja glória costuma ser mais efêmera que a de uma passista anônima num desfile de escola de samba…
Nossa gente de imprensa foi vencida pela mediocridade. Buscou refugio na zona de conforto das unanimidades óbvias.
A mídia tupiniquim enviesou, submetida a rígida condução ideológica. Consulta os mesmos e sempre repetitivos especialistas em generalidades, adula personalidades sem qualquer personalidade, agride aqueles que aponta como inimigos da linha editorial abraçada de ocasião, analisa fatos com superficialidade e deslumbra-se com “endinheirados” circunstanciais. Vive hoje de colecionar factoides.
Mesmo o lado B da mídia tradicional, criado para com ela divergir por encomenda, também não difere da própria mesmice crítica. Na dissidência dos áulicos sem conteúdo, segue os iconoclastas sistemáticos.
Comentaristas apadrinhados alternam-se com arrogantes e dissimulados. Há uma leva biodiversa de gente especializada em desmoralizar os outros – geralmente vítimas inteligentes que ousam deles discordar. A moda afeta comentaristas “independentes” da grande mídia e ameaça contaminar blogueiros das redes sociais – um risco para a disruptiva mídia digital.
Presos na “4a camada” da evolução intelectual, profissionais da mídia desmoralizam discordantes sem, no entanto, debater a discordância. Fácil ver o problema nas entrevistas atuais. Seja no lado a ou no b, o entrevistado é adulado ou espancado numa avalanche de vieses. O resultado é muito ruim para o espectador destinatário da informação; a pessoa, o que ela pensa, o que ela faz e seu contraste com a realidade dos fatos, desaparecem do foco da matéria.
Os diálogos são substituídos por bajulação ou pugilato. Há ainda os que se precipitam no debate, destruindo o objetivo da reportagem para defender a tapa seus padrinhos. O crítico eventual – foco da matéria, é confrontado por exercer sua liberdade de se manifestar.
A chamada “visão alternativa”, ou “jornalismo crítico”, reduziu-se a mero complemento daquilo que deveria criticar. Forma lado do mesmo disco. Áulicos e iconoclastas bailam uma coreografia óbvia, em que opostos se encaixam perfeitamente.
Aprumados nos modos, vestimentas, expressões verbais, diagramação e closes, mauricinhos de redação transformam sua performance nas telas e no estúdio em triste standup comedy...
Penso que a ficção tomou de assalto a realidade e, numa fratura dimensional qualquer, o Ministério da Verdade orwelliano passou a editar a mídia.
Leviandade e conduções emocionais
Em 1994, o caso da Escola Base, em São Paulo levou à criminosa destruição da vida de inocentes, por conta da precipitação da mídia e da leviandade das autoridades envolvidas. O holofote costuma inverter papéis e conferir a vilões ares de justiceiros.
O caso me abriu os olhos. Me fez apurar as vistas e olhar com mais cuidado as conduções emocionais, levadas a cabo por coberturas jornalísticas e autoridades justiceiras.
Nosso país não mais dispõe de valores cívicos. Está contaminado por multidões de celerados morais em busca de algum bode expiatório para descarregar o ódio de suas misérias cotidianas. Hipócritas em busca de conforto para seus pecados mesquinhos. A imprensa, hoje, infelizmente firma-se como meio para extravazar esse viés do ódio.
Tomados pela amnésia, profissionais que nada aprenderam com o passado sofisticaram a deformidade moral. Produzem mentiras e pós verdades, cometem injustiças com orgulho, “lacram” com a leviandade e endeusam hipócritas de toda ordem.
O “politicamente correto”, excrescência de nossos dias, ao invés de evitar discriminações, amplia o segregacionismo moral. Reduz ao rés do chão a liberdade de expressão e manifestação.
A tendência dos âncoras transmitirem fatos com viés emocional e carga pessoal, chega a dar nos nervos de qualquer um que tenha um QI maior que 12…
Inteligência em falta, censura em alta
Tenho preocupação com a tentativa reiterada dos governos imporem amarras regulatórias ao setor de comunicação. Temos todos que temer, justificadamente, pela perda da liberdade de imprensa.
Porém, no varejo, considerando todo o já dito acima, concluo que a regulação oficial nem é necessária, pois a inteligência parece ter sido abolida da mídia. A censura efetuada nas editorias e chefias de redação é hoje antecipada pelo viés dos profissionais formados nas “madrassas” ideológicas inoculadas nas faculdades de comunicação.
De fato, há hoje um somatório de jornalistas que clamam pelo controle das redes sociais, aplaudem a judicialização da notícia e vibram com a repressão aos colegas…
Entidades perdidas e o leviatã da mídia tradicionalOutra grande obstrução no organismo da mídia, está situada nas associações de imprensa, sindicatos de jornalistas e federações de jornais. Todos se reduziram a uma forma assemelhada de mulheres carpideiras, choramingonas e pouco aparelhadas para lidar com governos tão ignorantes quanto ousados.
Os setores associativos e organizados da imprensa parecem não mais saber lidar com conflitos de interesses inconfessáveis e, sobretudo, com a própria falta de definição dos rumos da economia da informação ante a revolução cibernética profundamente transformadora e em pleno curso em nosso meio.
O “big data” é tratado como o leviatã do jornalismo atual.
Só um choque de gestão pode salvar nossa imprensa
Sempre há uma saída. Nem tudo está, portanto, perdido.
É preciso um choque de gestão em nossos meios de informação. Uma revolução capitaneada pelo que ainda resta de vida inteligente no jornalismo, visando eliminar a mediocridade instalada no seio da imprensa nacional.
O desafio é Rodriguiano. A mediocridade é solidária e os “idiotas da objetividade” há muito transbordaram do jornalismo esportivo para a política. Será necessário, portanto, devolvê-los ao canto da redação, para tratar de assuntos menores – limpar a área, como se diz no futebol.
Precisamos – todos aqueles que amam a liberdade de imprensa, efetuar o resgate do velho jornalismo investigativo, opinativo, analítico.
Por sua vez, é preciso definir os inimigos da liberdade de imprensa, incrustrados no establishment. São eles: i.A censura econômica produzida pelos conglomerados rentistas, e facilitado pela falta de interesse da iniciativa privada, que teme patrocinar uma mídia mais crítica e inteligente; e ii. O judiciário “ativista”, que tem se esforçado no trabalho de inverter valores em prol dos interesses corporativos.
Não é raro, de fato, vermos magistrados aqui e alhures, conferindo autoridade à própria ignorância ou arrogando virtudes inexistentes aos burocratas oficiais. Uma justiça estatólatra e não raro subserviente para com os poderosos, destrói a capacidade crítica da sociedade e amordaça a imprensa.
O ativismo judicial, como protagonista da censura, está em crise e não tarda a se ver face a face com o opróbrio. Talvez seja essa uma das razões para que, até lá, esteja se esforçando para judicializar o fato jornalístico – para que não mais exista imprensa para noticiar o opróbrio, quando ele ocorrer… e ele ocorrerá.
Nossa democracia não vingará, se não retomar a capacidade crítica, plural e diversa.
Conclusão:
Sem liberdade de imprensa não há democracia. O jornalismo engajado só se justifica se estiver inserido num contexto plural de ideias e engajamentos diversos – caso contrário será um mero porta-voz do poder em ocasião.
Sem uma imprensa forte, inteligente e crítica, com densidade e atuante, dificilmente a democracia sobreviverá.
Fica o alerta.
VÍDEO:
**Qual é a verdadeira intenção da mídia tradicional? Construir narrativas? Isso fere os princípios do jornalismo? Qual é o verdadeiro papel do jornalista?
Essas questões são abordadas e respondidas na entrevista que concedi à Mídia Digital Brazil Talking News, cujo inteiro teor pode ser assistido no vídeo abaixo:
Fonte: The Eagle View e Brazil Talking News
Publicação Ambiente Legal, 24/02/2024
Edição: Ana Alves Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião dessa revista, mas servem para informação e reflexão.