Em plena temporada de pesca de salmão no rio Klamath, quase não se vê barco do povo yurok em busca do peixe. Nativos dos Estados Unidos, eles são a maior etnia indígena da Califórnia, com 6 mil membros, e que, por séculos, habitam as margens do rio e pescam salmão.
“Vivemos uma crise. Pelo terceiro ano, a pesca comercial está suspensa. Só é permitida a de subsistência”, explica Amy Cordalis, advogada.
Para os cerca de mil yurok que vivem na reserva indígena, a expectativa de melhora está na remoção de quatro barragens rio acima, inauguradas a partir de 1918 para gerar eletricidade.
“A retirada das barragens é vital, é tão importante que mal dá pra expressar em palavras. É a solução-chave para a sobrevivência do salmão”, afirma Michael Belchik, pesquisador no Departamento de Pesca da Tribo Yurok.
“Impossível”, diz Dinamam Tuxá, liderança indígena da Bahia, sobre a possibilidade de retirada de uma barragem no Brasil para a restauração de um rio.
Na década de 1980, os tuxás foram removidos de suas terras para a construção da hidrelétrica de Itaparica, no rio São Francisco. As ilhas férteis onde plantavam e coletavam foram alagadas. Levados para uma vila, nunca mais tiveram o território demarcado.
“Nosso modo de vida morreu junto com o barramento do São Francisco”, diz os impactos da remoção das aldeias tuxá do território tradicional.
Às vésperas da Global Climate Action, conferência organizada pelo governo da Califórnia para impulsionar medidas contra mudanças climáticas, entre os dias 12 e 14 de setembro, indígenas de todo o mundo se reuniram no território independente yurok para unificar suas demandas.
“Não importa que falemos línguas diferentes. Nós monitoramos os recursos naturais e vemos como a Terra está reagindo às mudanças climáticas. Acreditamos que o conhecimento tradicional dos povos indígenas é parte da solução”, afirma Javier Kinney, diretor do governo yurok.
A retirada das barragens no Klamath está marcada para janeiro de 2021. Yurok, fazendeiros e empresa iniciaram a negociação há mais de dez anos, depois da morte de mais de 34 mil peixes, em 2002.
“Foi um chamado que nos mostrou que, se não fizéssemos nada, o salmão desapareceria para sempre”, narra Cordalis, que decidiu estudar Direito e defender os yurok depois do episódio.
Em menor vazão e mais quente, o Klamath deixou de ser um refúgio para o salmão, que precisa de águas frias para se reproduzir. “Com o derretimento das geleiras, a temperatura da água subiu e o peixe está sumindo”, diz Belchik.
As milhares de páginas de estudos produzidas pelos yurok deram base o acordo. “A ciência mostrou que, se removêssemos as represas e limitássemos a quantidade de água para as fazendas rio acima, a qualidade da água melhoraria, e o peixe ganharia passagem para se reproduzir”, resume Belchik.
O argumento econômico ajudou a convencer a empresa PacifiCorp. “Os custos de modernizar as represas e providenciar passagens de peixes seriam mais altos que tirar as barragens”, diz o pesquisador.
Para Tuntiak Katan, da Coica (Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica), o exemplo é surpreendente. “Somos massacrados e mortos por aqueles que roubam nossa madeira e poluem nossos rios”, comenta, sobre a violência contra lideranças na América Latina. “Os yurok são um modelo de que é possível construir uma relação de respeito, como fez o governo da Califórnia”.
A Reserva Yurok foi criada em 1855 ao longo do rio Klamath, área habitada tradicionalmente pelos indígenas. A região é formada por montanhas cobertas por florestas, onde a árvore símbolo da etnia, a gigante sequoia sempervirens, ocupa atualmente pequenas porções.
Pressionada pela corrida do ouro na bacia do Klamath, no fim do século 19, parte da reserva foi ocupada e, décadas depois, madeireiras se instalaram no local. Brigas na Justiça garantiram aos yurok o direito de manter a reserva – o foco dos líderes é readquirir territórios perdidos e frear a degradação ambiental.
“Há pelos menos 20 anos, nós assistimos aos impactos das mudanças nos padrões do clima: nas águas no Klamath, no aumento da temperatura da água, nos riachos secos, nos incêndios florestais”, pontua Javier Kinney.
Em 2011, os yurok se tornaram os primeiros indígenas a fazer parte de um programa do governo da Califórnia criado para diminuir as emissões de CO2, principal causador das mudanças climáticas.
O programa estabeleceu um mercado de venda e compra de carbono: as indústrias que emitem mais CO2 que o permitido poderiam “abater” o excesso comprando de quem tem carbono guardado. Um desses estoques está nas florestas dos yurok, que se transformaram em crédito.
Jim Woods, deputado estadual e membro da Associação de Cientistas Profissionais (CAPS), destaca ainda o ganho ambiental. “As sequoias em algumas das áreas dos yurok capturam mais carbono do que qualquer outra árvores no planeta”, comenta resultados de estudos científicos. Desde então, as florestas conservadas dos yurok renderam, em créditos de carbono, dinheiro suficiente para comprar 200 km2 das antigas terras.
Os dias com os yurok mostraram a Valéria Paye, da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), as dificuldades comuns. “Tantos eles como nós temos a preocupação de manter nossas florestas, demarcar nossos territórios. Estamos unidos para mostrar para o mundo que, ao fazer isso, ajudamos a combater as mudanças climáticas”.
Fonte: Deutsche Welle via Ambiente Brasil