Por Bruno Teixeira Peixoto e Talden Farias*
No Brasil e no mundo, a agenda ESG (Environmental, Social and Governance) está em ascensão em segmentos privados e públicos. É um movimento que vem gerando novas e melhores maneiras de regular o padrão de desenvolvimento dos negócios e, em especial, da responsabilidade corporativa por riscos e impactos ambientais, sociais e de governança no desempenho de atividades econômicas, projetos e investimentos [1].
Dentre as três dimensões da pauta ESG, há temas que por sua relevância e impacto exigem avanços tanto do aparato regulatório como da gestão e governança de empresas e organizações privadas, tendo em vista as sistêmicas estruturas, políticas e programas para a prevenção, o controle e a mitigação de irregularidades, danos e demais ilícitos em matéria socioambiental, climática e de direitos humanos. Uma destas dimensões de relevância é a “E”, de environmental (ambiental), a qual remete a todo um complexo conjunto de normas, padrões, regulamentos e, também, boas práticas de proteção e gestão corporativa em matéria de riscos ambientais e climáticos.
Nesse contexto, os avanços da agenda ESG atualmente têm se concentrado na sua regulamentação e padronização em ambientes regulatórios relevantes, devendo tais mudanças trazerem influências e novas perspectivas à ordem jurídica e econômica afeta ao tema.
Necessidade de normatização do ESG
Há inovações em ambientes como mercado de capitais, setor bancário e de seguros que sinalizam uma possível superação da fase inicial do ESG, cujas diretrizes se mostravam, em sua maioria, padrões voluntários, privados e autorregulatórios, inclusive, de cunho “soft law”, sem qualquer vinculatividade, compulsoriedade ou sanções reguladoras.
Nesta nova fase da agenda, discute-se a necessidade de normatização dos padrões e deveres ESG, pois seria indispensável a regulação estatal e a previsão normativa expressa, tendo em vista a necessidade de empresas e setores econômicos dotados de grandes riscos e impactos socioambientais e climáticos atenderem e efetivamente cumprirem os padrões e compromissos diferenciados de ESG. Dito de outro modo, verifica-se uma fase dos deveres ESG inseridos em parâmetros capazes de promover “enforcement” concreto aos sujeitos regulados, com fins de gerar segurança jurídica e previsibilidade, assim como com o objetivo de amadurecimento dos agentes reguladores e regulados integrantes do ambiente regulatório em questão.
E um dos ramos jurídicos que está e certamente continuará a sofrer influências da agenda ESG e de sua regulamentação é o do Direito Ambiental e das Mudanças Climáticas [2]. Isso porque diversos de seus institutos, instrumentos e padrões regulatórios passam a interagir e a sofrer efeitos ou novas leituras, sobretudo acerca da responsabilidade corporativa em termos de compromissos e deveres da pauta ESG.
Regulamentações do BC
Cita-se, por exemplo, o efeito sobre o Direito Ambiental brasileiro das normas ESG no setor financeiro e bancário nacional. Trata-se de segmento notadamente impactado com o advento das Resoluções 4.945/2021 (Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática – PRSAC) e 4.943/2021 (Estrutura de Gerenciamento de Riscos Sociais, Ambientais e Climáticos), entre outras regulamentações do Banco Central que inseriram, nas atividades-fim e meio das instituições financeiras no país, exigências de estruturas, governança e gestão de riscos ESG, tanto para as suas operações como em face de seus produtos e financiamentos oferecidos a clientes e beneficiários, corroborando e realçando a previsão expressa do artigo 3º, IV e do artigo 12 da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) — Lei nº 6.938/1981.
Com efeito, financiadores – públicos ou privados – de atividades econômicas, obras ou empreendimentos com significativos riscos ou impactos socioambientais e climáticos são atores para o Direito Ambiental brasileiro que se enquadram como potenciais poluidores indiretos, sujeitos à responsabilização jurídica nos termos do artigo 14, § 1º da PNMA, que replica previsão constitucional do artigo 225, § 3º Constituição Federal de 1988.
Dessa forma, a influência ou efeito concreto causado pela normatização da agenda ESG nos deveres dos financiadores na ordem jurídica ambiental nacional está justamente no detalhamento da regulação quanto aos padrões de deveres de diligência, prevenção e controle socioambiental e climático dos bancos e instituições financeiras sobre suas operações e sobre seus financiamentos e produtos a clientes.
ESG nos mercados de seguros e capitais
Em igual sentido, tem-se o exemplo da agenda ESG no setor de seguros. Com a publicação da Circular nº 666/2022, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) instituiu em nível nacional os requisitos de sustentabilidade a serem observados pelas sociedades seguradoras, entidades abertas de previdência complementar, sociedades de capitalização e resseguradores locais. Realmente, uma inovação deveras relevante sobre riscos ESG no país.
Por intermédio de referida circular, a Susep instituiu no mercado de seguros brasileiro a obrigatoriedade da gestão de riscos climáticos (físicos, de transição e de litígio), além dos riscos ambientais, sociais e de interesse comum, obrigando a que as entidades seguradoras no país desenvolvam estruturas para prevenir, controlar e mitigar riscos socioambientais e de matiz ESG em suas operações contratuais e em face de seus segurados. Cuida-se, uma vez mais, do dever jurídico fiduciário ambiental de todos os financiadores ou mantenedores econômicos de atividades, obras ou empreendimentos que impactem ou degradem o meio ambiente e o clima.
No âmbito do mercado de capitais, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por meio da Resolução nº 59/2021, passou a exigir das companhias de capital aberto o atendimento ao reporte da aplicação de métricas ESG em suas operações, assim como a publicação de informações, nos formulários de referência, sobre temas e fatores ESG, como a materialidade de temas ESG, os indicadores-chave de desempenho e também a consideração aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.
Mais recentemente, a CVM publicou a Resolução nº 193/2023, com a qual fixou a obrigatoriedade, a partir de 2026, da publicação dos Relatórios de Informações Financeiras relacionadas à Sustentabilidade, exigindo das companhias a implementação periódica da divulgação de políticas e procedimentos de enfrentamento e mitigação dos impactos das mudanças climáticas, dos riscos sociais e ambientais.
Trata-se, novamente, de outra regulamentação setorial ligada à agenda ESG cujos efeitos práticos realçam institutos fundamentais do Direito Ambiental brasileiro, com destaque para o dever de divulgação de dados e informações ambientais, previsto pela PNMA, em seu artigo 4º, V, artigo 9º, VII, XI, e pela Lei nº 10.650/2003, que são orientados pelos comandos constitucionais dos artigos 225, V, e 170, VI, da Carta de 1988.
Reafirmação do Direito Ambiental no país
Em eventuais casos concretos de responsabilização jurídica por infrações e/ou danos ambientais, de pessoas físicas e/ou jurídicas, de algum modo a (in)efetividade do atendimento às obrigações ESG deverá cada vez ser mais decisiva e conferir efeitos sobre o exame de culpabilidade dos agentes, como no caso das esferas administrativa e criminal.
A influência dos avanços sobre a agenda ESG mostra-se relevante para a exata regulação e controle dos deveres socioambientais e climáticos de entes privados e setores econômicos de forma geral. Não se pode olvidar que a proteção ao meio ambiente equilibrado e ao clima estável no Brasil é direito e dever fundamental, transgeracional, do Estado e da coletividade, nesta incluídos os agentes privados (pessoas físicas ou jurídicas) que exploram atividades, obras ou empreendimentos que causem ou possam causar impactos ambientais e climáticos socialmente relevantes.
Diante das inovações de padrões regulatórios, a atual fase da agenda ESG, em especial por sua dimensão ambiental e climática, demonstra o potencial de servir como instrumento de reafirmação e articulação de institutos, regimes e instrumentos elementares do Direito Ambiental no país, realçando o importante compromisso com os deveres jurídicos socioambientais e climáticos de empresas e setores econômicos relevantes para o desenvolvimento nacional sustentável.
[1] Sobre o tema, nós gostaríamos de recomendar as seguintes obras: Compliance no Direito Ambiental: Licenciamento, ESG e Regulação (Fórum, 2023), de Bruno Teixeira Peixoto; ESG e Compliance: Interfaces, Desafios e Oportunidades (Saraiva, 2023), organizado por Terence Trennepohl e Natascha Trennepohl; ESG: Aspectos Jurídicos (Educatoris, 2022), organizado por Cristiane Monteiro e Frederico J. G. Aburachid; Ensaios sobre ESG (Synergia, 2022), organizado por Alexandre Sion; Um Olhar Jurídico sobre o ESG (sem editora, 2022), de Luciana Vianna Pereira; Manual de Compliance (Um Livro, 2023), de José Roberto Covac e Daniel Cavalcante Silva.
[2] No livro Direito Ambiental e Direito Climático: Intersecções entre Meio Ambiente e Sistema Climático no Ordenamento Jurídico Brasileiro, publicado pela Editora Lumen Juris em 2023, Marcelo Bedoni procurou verificar se o Direito Ambiental seria suficiente para a proteção do clima, ou se se faria necessário criar um ramo jurídico específico para tratar da questão climática. É que há na doutrina quem defenda a autonomia do Direito do Clima ou das Mudanças Climáticas, sendo essa a discussão central do livro. O autor concluiu que Direito Climático é um ramo do Direito Ambiental, uma vez que fazem uso dos mesmos princípios, objetivos e institutos, não obstante as questões climáticas por vezes exijam instrumentos e soluções próprias. Neste artigo, o nosso intuito foi destacar a importância que o clima vem tomando cada vez na agenda ESG, e não apontá-lo como uma valor autônomo em relação ao meio ambiente.
*Bruno Teixeira Peixoto é advogado do escritório ‘Mosimann, Horn Advogados Associados’, mestrando na área de Direito Internacional e Sustentabilidade na Universidade Federal de Santa Catarina–UFSC (2020), especialista em Direito Ambiental e Urbanístico – CESUSC/SC (2019), formação Executiva em Compliance e Governança no Setor Público–INSPER (2019) e em Compliance Ambiental, Social, de Governança e de Proteção de Dados (ESG&D)-PUC-RJ (2020).
Talden Farias é advogado e professor de Direito Ambiental da UFPB e da UFPE. Pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj com doutorado sanduíche junto à Universidade de Paris 1 — Pantheón-Sorbonne. Membro do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros) e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.
Fonte: ConJur
Publicação Ambiente Legal, 18/02/2024
Edição: Ana Alves Alencar
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