Por Talden Farias
Informatização
A primeira tendência do licenciamento ambiental é a informatização ou a virtualização. A exemplo do que vem ocorrendo com o processo judicial no Brasil, é provável que em alguns anos essa modalidade física de processo administrativo passe pouco a pouco a deixar de existir. Vale dizer que vários órgãos ambientais estaduais e locais já começaram a implementar essa sistemática, seja de forma experimental ou mesmo efetiva.
O processo eletrônico deverá permitir uma maior organização do órgão ambiental, que poderá imprimir maior velocidade às suas ações. O fato de os requerimentos e documentos serem protocolados online gerará mais comodidade para os empreendedores e os consultores ambientais e maior transparência para a sociedade civil e os órgãos de controle interno e externo.
Com efeito, as vantagens são inúmeras: desnecessidade de deslocamento pessoal, dispensa do papel, maior rapidez na comunicação com a parte interessada, mais eficiência na interação com os órgãos intervenientes, melhor gerenciamento de arquivo, melhor utilização do espaço físico, possibilidade de protocolo a qualquer horário, redução do risco de perda de processos e documentos etc.
Municipalização
A segunda tendência do licenciamento ambiental é a municipalização. Embora inicialmente apenas os Municípios de maior porte tenham abraçado o instrumento, agora os de médio porte passaram a fazê-lo, e em alguns casos os de menor porte também. Esse processo tende a se aprofundar em razão do entendimento de que o licenciamento descentralizado é estratégico, mormente nos lugares mais distantes dos grandes centros, para o estímulo das atividades econômicas e o desenvolvimento local.
Duas razões em particular apontam para esse caminho: i) a maioria das atividades efetiva ou potencialmente poluidoras é de repercussão meramente local e ii) há um número enorme dessas atividades não licenciadas em razão da falta de capilaridade dos órgãos estaduais e da inexistência ou falta de estrutura dos órgãos municipais. Isso implica dizer que a municipalização é indispensável para a consolidação do Sisnama. Vale dizer que ao dispor sobre a competência licenciatória das municipalidades no inciso XIV do artigo 9º, a Lei Complementar 140/2011 derrubou de vez as dúvidas sobre tal possibilidade (sobre isso ver meu artigo).
Consórcios públicos intermunicipais
A terceira tendência do licenciamento ambiental é a sua efetivação por meio de consórcios públicos intermunicipais. É que a implementação desse mecanismo requer um corpo técnico capacitado e condições de trabalho adequadas, o que requer investimento em recursos humanos e materiais e planejamento.
Como infelizmente grande parte dos Municípios brasileiros não dispõe de condições econômicas e técnicas para tanto, o inciso I do artigo 4º da Lei Complementar 140/2011 facultou a possibilidade de tais entes se agruparem por meio de consórcios público, o qual passará a ser a pessoa jurídica intermunicipal responsável pela execução dessa política no âmbito dos entes integrantes.
O intuito é arregimentar forças e gerar economia de escala, de maneira a viabilizar a implementação e o funcionamento de um órgão ambiental com atribuições locais (sobre isso ver meu artigo).
Integração com o licenciamento urbanístico
A quarta tendência do licenciamento ambiental é a integração com o licenciamento urbanístico. É sabido que a licença ambiental não substitui a licença urbanística, nem outros atos administrativos que podem ser solicitados a depender da situação, a exemplo da outorga de uso de recursos hídricos ou do título minerário.
Isso implica dizer que para as questões urbanísticas se exige o alvará de construção, de reforma, de demolição e de localização ou funcionamento, que são os formatos dados a esse tipo de licença cuja competência é municipal por força do artigo 182 da Constituição Federal. Ocorre que por vezes os órgãos ambientais têm exigido o licenciamento de atividades cujos impactos poderiam ser adequadamente tratados pelo licenciamento urbanístico e pelo plano de gerenciamento de resíduos, a exemplo da construção de casas em áreas com infraestrutura ou da edificação ou reforma de pequenas praças ou monumentos públicos.
Há outras situações em que fica complicado analisar os impactos ambientais em separado dos urbanísticos, a exemplo de um condomínio fechado ou de um loteamento, sendo essa uma segunda situação em que os dois tipos de licenciamento poderiam se dar de maneira integrada. Seria possível aproveitar documentos e procedimentos, como o pagamento de uma taxa única. Cumpre observar que essa tendência está atrelada ao processo de municipalização, uma vez que a licença urbanística é atribuição exclusivamente local.
Criação de ato administrativo específico para empreendimentos com problemas de regularização fundiária
A quinta tendência do licenciamento ambiental é a criação de ato administrativo específico para empreendimentos com problemas de regularização fundiária. É notório que, dentre outras exigências, os órgãos ambientais costumam condicionar a concessão da licença ambiental à comprovação da regularidade fundiária da área, o que como regra geral está correto.
No entanto, há casos de empreendimentos poluidores, normalmente de pequeno ou médio porte, situados em lugar objeto de conflitos fundiários, que pretendem iniciar ou se regularizar e não conseguem. É o caso de pequenas fábricas e de oficinas que não podem funcionar unicamente por conta da inexistência da licença ambiental. O órgão ambiental precisa estabelecer critérios para a concessão de uma modalidade de licença ambiental que contemple essa realidade, no intuito de não inviabilizar tais negócios, sem deixar de considerar a precariedade fundiária. Impende dizer que essa irregularidade pode ser anterior ou posterior ao início do funcionamento, sendo o primeiro um caso de licenciamento de regularização e o segundo um caso de renovação.
Compartilhamento de informações de estudos ambientais
A sexta tendência do licenciamento ambiental é o compartilhamento de informações de estudos ambientais já apreciados por aquele ou por outro órgão ambiental. Não há sentido em obrigar o empreendedor a fazer o levantamento da fauna e da flora de uma área inteiramente conhecida se aquelas informações já constam em outro estudo ambiental, o que somente aumentaria a demora na tramitação e o custo do empreendedor sem trazer um benefício para o meio ambiente. É importante destacar que tais estudos são públicos e que por isso podem ser citados e ter seus dados aproveitados sem qualquer problema desde que citada a fonte. Essa tendência está relacionada ao processo de informatização do licenciamento, que deverá democratizar o acesso aos estudos e demais documentos ambientais.
Uso de consultas públicas virtuais
A sétima tendência do licenciamento ambiental é o uso de consultas públicas virtuais, que ocorreriam em paralelo ou independentemente das audiências públicas convencionais. O órgão ambiental responsável por licenciar abriria espaço para o recebimento de críticas e sugestões em uma plataforma digital que poderia ser acessada por qualquer pessoa, e em qualquer lugar e horário dentro da janela temporal aberta.
Isso decerto facilitaria e até elevaria o nível da participação, pois permitiria a contribuição daqueles que não pudessem se fazer presentes em razão da distância ou do trabalho, aperfeiçoando o controle social. Em relação à audiência pública tradicional a vantagem seria também a impossibilidade de impedir ou de inibir certas manifestações e a não influência da atmosfera de tensão que às vezes toma conta do ambiente, sem falar no custo menor. É evidente que essa tendência está relacionada ao processo de informatização do licenciamento, que deve buscar formas de democracia digital também.
Abolição da licença prévia
A oitava tendência do licenciamento ambiental é a abolição da licença prévia, cujo objeto seria abarcado pela licença de instalação. O modelo trifásico é a regra no licenciamento ambiental brasileiro, segundo o artigo 19 do Decreto 99.274/90 e o artigo 8º da Resolução 237/97 do Conama, estando o mesmo dividido nas etapas de licença prévia, licença de instalação e licença de operação.
É na primeira fase que se aprova a localização e a concepção da atividade, atestando assim a sua viabilidade ambiental, sendo por isso considerada a mais importante de todas. A despeito disso, o fato é que se cuida de uma licença de concepção, pois a princípio não há qualquer alteração no mundo dos fatos, nada impedindo a sua incorporação em uma fase preliminar da licença de instalação, como acontecia em alguns Estados antes da edição do Decreto 88.351/83 (o primeiro a regulamentar a Lei n. 6.938/81).
Com isso, ocorreria diminuição da burocracia desnecessária sem prejuízo à qualidade do controle ambiental. Impor recordar que no início da implementação do licenciamento ambiental no país o modelo predominante não previa a licença prévia, pois se espelhava no modelo estadunidense, o qual abarcava apenas o correspondente à licença de instalação e à licença de operação.
Observação: este artigo terá uma continuação.
Talden Farias é advogado e professor da UFPB, mestre em Ciências Jurídicas (UFPB), doutor em Recursos Naturais (UFCG) e em Direito da Cidade (Uerj). Autor de publicações nas áreas de Direito Ambiental e Minerário.