Na primeira parte deste artigo, os autores fazem um apanhado da Política Nacional Energética e das responsabilidades decorrentes da nova legislação sobre recursos hídricos e os impactos ambientais do setor.
1ª Parte
Por Marcelo Drügg Barreto Vianna e Jorge Thierry Calasans
Historicamente, até 1975, os investimentos no setor energético brasileiro representaram cerca de 8 a 10% dos investimentos totais feitos no País. A política de redução da dependência externa e o aumento da intensidade energética passaram a exigir maiores investimentos em energia. O ápice ocorreu em 1984, com os investimentos em energia representando 24% do total dos investimentos. Nos últimos anos, os investimentos em energia voltaram a representar cerca de 8% a 9% dos investimentos totais.
Em 1997 foi criado o Conselho Nacional de Política Energética/CNPE, órgão de assessoramento do Presidente da República na formulação de políticas e diretrizes de energia.
Essas políticas e diretrizes de energia são destinadas a: (1) promover o aproveitamento racional dos recursos energéticos do país; (2) assegurar o suprimento de insumos energéticos nas áreas mais remotas ou de difícil acesso do País; (3) rever periodicamente as matrizes energéticas aplicadas às diversas regiões do País; (4) estabelecer diretrizes para programas específicos (uso do gás natural, do álcool, do carvão ou da energia nuclear); (5) estabelecer diretrizes para a importação e exportação de maneira a atender às necessidades de consumo interno de petróleo e seus derivados, gás natural e condensado.
Um dos objetivos da Política Energética Nacional (PEN), também adotada em 1997 pela Lei n° 9.478, de 6/8/97, é, justamente, incrementar a utilização do gás natural.
O caso específico do setor de energia
Em novembro de 1986, a ELETROBRÁS elaborou o Plano Diretor de Meio Ambiente (PDMA). Este Plano propôs uma política socioambiental para o setor elétrico, com base em 4 dire-trizes: a viabilidade ambiental, a inserção regional, a articulação interinstitucional e com a sociedade e finalmente, a eficácia gerencial.
O PDMA, anterior ao PEN, tem como objetivo principal definir princípios básicos e diretrizes que configurem a postura geral do setor elétrico no trato das questões socioambientais nas etapas de planejamento, implementação e operação dos seus empreendimentos, compatível com as diretrizes e os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, suas reformulações e legislação complementar.
O PDMA visa, também, ao aperfeiçoamento gradual das técnicas e dos procedimentos adotados pelo setor, pela definição de estudos e projetos a serem desenvolvidos, dentre os quais: (1) a consolidação, sistematização e aperfeiçoamento do conhecimento do setor no tratamento das questões socioambientais; (2) o acompanhamento das ações socioambientais mais relevantes, relacionadas aos empreendimentos em planejamento, implementação e operação; (3) a caracterização dos custos e dos benefícios socio-ambientais resultantes da atuação no setor; (4) a alocação adequada de recursos financeiros, em função do aproveitamento múltiplo por outros setores de atividade, das obras e serviços executados sob liderança ou com a participação do setor elétrico; (5) o esclarecimento e o envolvimento da opinião pública, necessários à definição de projetos e programas que melhor respondam aos interesses da sociedade.
O papel do COMASE
O Comitê Coordenador das Atividades de Meio Ambiente do Setor Elétrico/COMASE, criado pelo Ministério de Minas e Energia em abril de 1988, é uma entidade deliberativa integrada pelas concessionárias do setor elétrico, pela ELETROBRÁS e pelo DNAEE. Nesse fórum, são debatidas as principais questões sociais e ambientais que afetam o setor e estabelecidas as grandes linhas de sua política nestes campos.
Por meio dos seus quatro Comitês Técnicos e dos nove Grupos de Trabalho a eles subordinados, o COMASE examina com maior profundidade os assuntos que considera prioritários, estabelecendo estratégias, recomendações e diretrizes que incorporam o consenso do setor. Assim, o PDMA e as diretrizes para o equacionamento de questões ambientais e sociais específicas passam por esse fórum de discussão e pela aprovação indispensável no âmbito do próprio setor.
I – Empreendimentos no setor industrial e de energia e os impactos ambientais
Nas últimas décadas, tem-se notado maior conscientização no que se refere à utilização integrada dos recursos naturais renováveis, procurando-se preservá-los.
O rápido aumento populacional, a necessidade de se produzir energia, alimentos, e de promover o desenvolvimento industrial têm exigido um enfoque interdisciplinar no exame dos problemas e do planejamento das ações ambientais, econômicas e sociais, considerando todos os efeitos diretos e indiretos, quantificados e intangíveis, da intervenção do homem no meio ambiente, com o objetivo de realizar um manejo racional e integrado dos recursos naturais renováveis.
Tendo em vista que, na maioria das bacias hidrográficas, a disponibilidade de água e a exis-tência de locais adequados para a implementação de projetos hidráulicos são fatores limitantes do desenvolvimento dos recursos hídricos, torna-se necessário estabelecer planos cuidadosos para o aproveitamento e proteção dos mananciais.
O manejo de uma bacia hidrográfica exige estudos e elaboração de planos que possibilitem o desenvolvimento integral de uma região, graças à utilização ótima dos recursos naturais, compatíveis com os princípios de engenharia, sociais, econômicos e de preservação do meio ambiente.
A implementação de obras hidráulicas que visam ao uso múltiplo dos reservatórios de acumulação é baseada em diversos levantamentos, estudos e investigações inter-relacionados. Assim, o represamento de rios para fins de geração de energia, regularização ou irrigação envolve um planejamento bastante complexo, onde não se pode omitir os impactos ambientais decorrentes da construção daquelas obras.
A construção de barragens, em diversas partes do mundo, apresenta uma série de problemas e desequilíbrios ecológicos resultantes da formação de reservatórios.
As mudanças ecológicas, bem como os problemas decorrentes das relocações e reassentamentos humanos, apresentam-se como os aspectos menos satisfatórios na implementação de reservatórios.
Responsabilidades decorrentes da nova legislação sobre recursos hídricos
A Lei n° 9.433, de 1997, institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. O seu principal objetivo é responsabilizar todos – usuários, poder público e sociedade civil – pelo uso e gerenciamento dos recursos hídricos no país. Responsabilidades, portanto, comuns, mas por serem importantes usuárias, as empresas – ou melhor, setores específicos da indústria – estão dentre as primeiras a terem que se adequar às novas regras previstas na nova legislação sobre recursos hídricos.
Em termos concretos, quais seriam estas responsabilidades? Em nosso entender, as responsabilidades legais que cabem às empresas referem-se, strictu sensu, à (1) obtenção de outorga pelo direito de uso dos recursos hídricos – tanto para captação de água como para lançamento de efluentes – e (2) ao conseqüente pagamento por estes usos (captação e/ou lançamento de efluentes).
Em termos mais genéricos, podemos mencionar não somente a necessidade de requerer outorga e pagar pelo valor da água nos termos da outorga, como também se cadastrar, cumprir normas ambientais com relação ao gerenciamento da água, assim como aquelas editadas pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos/CNRH, principal órgão normativo e colegiado que reúne representantes dos diversos segmentos do Poder Público, usuários e sociedade civil, de caráter técnico, competente para legislar no âmbito de recursos hídricos; participar da elaboração das normas e decisões do CNRH como também dos Comitês de Bacia, de fundamental importância na definição das políticas a serem implementadas com relação ao uso e gerenciamento dos recursos hídricos no âmbito de cada bacia hidrográfica.
O regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos tem como objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água. Visa também assegurar o uso múltiplo do recurso, pois quis o legislador que a água não fosse destinada a um único fim – como, por exemplo, a geração de energia elétrica – mas que sua gestão pudesse assegurar um conjunto de usos em um mesmo curso d’água.
No entanto, este princípio herda uma situação de fato, implementada desde a promulgação do Código de Águas: a preeminência do setor hidrelétrico. Como assegurar os usos múltiplos – dentre eles a navegação – em um rio ou uma bacia onde já existam, de fato, barragens instaladas?
Por outro lado, como assegurá-los em bacias onde não existe comitê instalado, nas quais as prioridades de uso não foram definidas e a regra, de fato, é a do premier arrivé, premier servi ?
Quanto à cobrança pelo uso de recursos hídricos, esta visa dar ao usuário a indicação do valor da água como bem econômico, assim como incentivar a racionalização de seu uso.
Ambos os instrumentos, se aplicados de forma conjugada como prevê a Lei n° 9.433, de 1997, guardam, em sua concepção, estreita relação com os princípios do desenvolvimento sustentável, dentre eles o princípio poluidor-pagador, já inscrito em nossa legislação e empregado como método para imputar custos ocasionados por medidas de luta contra a poluição. Seu objetivo consiste em internalizar os custos sociais externos que acompanham o processo produtivo (custos resultantes dos danos ambientais). O princípio poluidor-pagador imputa ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada, isto é :
– exige que os responsáveis pela poluição arquem com os custos das medidas adotadas para assegurar um estado aceitável do meio ambiente, e ;
– evita distorções no comércio internacional ou na concessão de vantagens injustamente acordadas à industria de um país, criando, assim, uma concorrência desleal.
1 – Este artigo foi apresentado no 5° Congresso Internacional de Direito Ambiental, ocorrido em junho de 2001, que versou sobre O Futuro do Controle da Poluição e da Implementação Ambiental, e publicado em seus Anais. A presente versão contém algumas alterações/atualizações com relação ao texto original.
Marcelo Drügg Barreto Vianna é engenheiro civil , M.Sc e Ph.D pela University of Birmingham, Inglaterra. Vice-Presidente da Câmara de Comércio Internacional/CCI (Comitê Brasileiro). Sócio-diretor da MBV Consultores Associados (Consultoria e auditorias na área ambiental)
Jorge Thierry Calasans é advogado, doutor em direito pela Universidade de Paris 1 Panthéon/Sorbonne