Com a Inteligência Artificial, podemos avançar na direção de um sistema mais eficiente. Mas ele precisa ser, também, mais justo, célere e humano
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
“Não perverta o direito dos pobres do seu povo em seus processos. Não se envolva em falsas acusações nem prejudique o inocente e o justo, porque o desumano é imperdoável. “Não tolere a corrupção, pois o suborno cega os que veem e distorce as palavras dos justos.”
(Êxodo 23:6-8)
A pior judicatura do mundo, hoje, com certeza é a do Brasil. Cara, lenta, apática, ineficiente, ineficaz, prolixa e a cada dia mais desumanizada.
Um Judiciário desumano
Há, de fato, uma evidente repulsa da jusburocracia brasileira, hoje, pelo contato humano com partes, testemunhas e mesmo advogados nas causas que, por dever funcional, deveria julgar.
A título de “agilizar” os procedimentos de tutela judicial, a juristocracia tupiniquim usa a tecnologia como pretexto para distanciar-se, cada vez mais, do contato humano.
O exemplo, por óbvio, vem de cima, do Supremo Tribunal – hoje dominado pela pior judicatura de sua história. Judicatura que hesita entrar em embates entre pares em sessões públicas, por motivos óbvios e históricos lastimáveis e, por isso mesmo, substitui o que seria um julgamento plenário por uma dissimulação denominada “julgamento virtual”.
Com efeito, as audiências virtuais e o “plenário virtual” já configuram uma moderna e ágil forma de “distanciamento” digitalizado de partes, representantes e julgadores. Com o advento, em instância superior, do “julgamento virtual”, o mecanismo tem, agora, o condão de “suprimir” o debate do próprio colegiado – pois permite que cada um julgue de onde estiver, depositando o voto friamente, após o relator, conforme manual cartorial estabelecido pelo sodalício.
Claro que há possibilidade de se protestar pelo julgamento presencial ou solicitar sustentação, até em sessão virtual. No entanto, o distanciamento tem, de fato, promovido momentos enfadonhos, episódios tediosos e clamores cuja paixão toma distância quilométrica, sem contagiar sequer o interessado que assista à sessão na respectiva tela.
Não há mais, convenhamos, um debate em plenário e o exercício devido da “colegialidade” nas decisões dos tribunais.
O “cinturão sanitário” providenciado pela tela do computador ou celular, não bastasse o já acima dito, tem permitido, não raro, que até audiências convocadas para o Forum, ocorram em sala de audiência, com o promotor numa tela e o magistrado em outra, ambos postados na sala ao lado daquela em que as partes e o escrevente se encontram…
As sustentações orais dos advogados – no caso dos julgamentos virtuais, podem agora ser “enviadas” em vídeo – sem que haja qualquer garantia de que tenham alguma visualização pelo julgador ou mesmo algum impacto no debate.
O mais impressionante disso tudo é que toda essa digitalização procedimental, até agora implementada, por si só, não resolveu o enguiço da massa de 83 milhões de processos em curso no Brasil, com um volume médio de 33 milhões de novos processos recebidos por ano, 99% deles admitidos já pela via eletrônica por aproximadamente 19 mil magistrados, dispostos em 91 tribunais, com quase trezentos mil funcionários à disposição, ao custo de quase 2% do PIB do País.
A média de produtividade do Judiciário segundo dados do próprio CNJ, aumentou pouco mais que 6% nos últimos anos, mantendo-se uma histórica duração de quatro a cinco anos, em média, para o término de cada processo (sem contar a efetividade das execuções das sentenças).
Temos assim, que o resultado de toda a transformação resume-se numa justiça mais distante, desumana e burocraticamente digitalizada.
O “risco” da Inteligência Artificial num judiciário desumano
Posto isso, se somarmos essa absoluta “impessoalidade” da magistratura digitalizada… ao preocupante e provável uso abusivo da Inteligência Artificial – poderemos, em breve, substituir o próprio julgador desumano e sua burocracia ineficiente, pela própria máquina.
É claro que a implementação de inteligência artificial no judiciário pode trazer vantagens, e é certo que a inteligência artificial possui mesmo uma disruptiva capacidade de substituição – assunto que já tratei em artigo anterior (*). A AI traz avanços estratégicos, como maior rapidez e eficiência na análise de processos e introdução de dados analíticos. Porém, precisamos nos despir de veleidades e sentimentos corporativistas para abordar pontos extremamente relevantes, que merecem e devem ser discutidos com profundidade.
Esta análise crítica, com toda a venia da abordagem inicial, pretende repensar como a tecnologia deve ser usada a serviço da justiça, não em detrimento dela. E o primeiro passo é pensar numa reforma administrativa profunda, que reduza a nossa impressionante e ineficaz burocracia (a qual consegue a proeza de tornar morosos até os despachos digitais), uma atividade-meio, e resgate a empatia e a humanidade na atividade judiciária, a atividade-fim.
Dados estatísticos, repetidos com tom arrogante e professoral em sessões do CNJ, só repetem o dilema dos biquinis: revelam o sugestivo e escondem o essencial.
A agilização dos processos pode e deve ocorrer com o resgate da audiência presencial e pública. E isso não impede o uso e aplicação racional da Inteligência Artificial.
O caminho da humanização da Justiça no Brasil
A facilidade de digitalização não pode nem deve autorizar que os três elementos essenciais à Administração da Justiça abusem do “corta e cola”, e transformem peças processuais em quilométricas “defesas de tese” ou “artigos para publicação em revistas científicas”.
Há de haver redução da prolixidade nas peças processuais, que devem expor, sobretudo os fatos da causa. Da mihi factum, dabo tibi ius – “dê-me os fatos e lhe darei o direito”, como brocardo, expressa uma verdade consolidada do direito – que parece ter-se perdido numa biblioteca qualquer.
Infelizmente, mais uma vez, o péssimo exemplo vem de cima, com togados supremos gastando centenas de laudos em votos redundantes, lidos como se o leitor não fosse o autor… inócuos, quando não, confusos.
Uma possível fungibilidade procedimental e processual, que poderia ser decidida na admissibilidade, no saneamento do processo ou mesmo na admissão do recurso, evitaria que uma monstruosa massa de questões processuais consumissem tempo, energia e dinheiro do contribuinte. Evitaria longas pelejas, que tomam décadas de debates, sem que o teor da causa sequer seja conhecido ou abordado.
Com efeito, decisões tomadas pessoalmente, pelos juízes em primeira instância, com justificativa baseada nos fatos e no direito, de forma suscinta, procedendo-se da mesma forma com debates e colegialidade nas instâncias superiores, reduziriam recursos substitutivos e protelatórios – sem qualquer prejuízo ao necessário retorno da pessoalidade na tutela das causas judiciais.
O resgate da audiência presencial e pública, como mencionado, não apenas reaproxima o judiciário das partes envolvidas, mas também reforça a transparência e a percepção de justiça, essenciais para a legitimidade das decisões.
A redução da prolixidade nas peças processuais é de lei. Uma grande arma contra a litigância predatória, litigiosidade excessiva e obscuridade decisória. O foco em fatos claros e objetivos torna o sistema judiciário ágil e acessível, reduz a complexidade desnecessária e cumpre com o dever do Poder Público tornar seus atos compreensíveis aos cidadãos – principalmente leigos e interessados sobre seus próprios processos.
O retorno às decisões pessoais e sucintas, baseadas nos fatos e no direito, nas diversas instâncias, valoriza o papel humano do magistrado e garante a conexão real da tutela às pessoas envolvidas no litígio, estreitando o seu vínculo de responsabilidade. Esse fator humano, desestimula recursos abusivos, protelatórios, e fomenta uma justiça dinâmica e comprometida.
Esses elementos de humanidade expressa, constituem peças-chave em qualquer reforma que busque sinceramente o equilíbrio saudável entre tecnologia e humanidade no sistema jurídico. É preciso oferecer soluções concretas e inspirar uma profunda reflexão num sistema que hoje é alvo e, ao mesmo tempo, destinatário de grande insatisfação.
Os exemplos que vêm de fora
Alguns modelos internacionais já buscam combater os efeitos da impessoalidade e da morosidade, não apenas reforçando o papel humano e a objetividade procedimental, como também investindo na mediação prévia dos conflitos.
Na Europa, países como a Alemanha e a França, têm investido em meios alternativos de resolução de conflitos, conferindo efetividade à mediação e arbitragem para reduzir a judicialização excessiva, diminuir a carga de litígios nos tribunais e permitir que juízes se concentrem em casos mais complexos.
O Canadá é um exemplo de adoção em larga escala de tecnologias para agilizar processos. No entanto, também é referência na busca de manter, com cuidado especial, a interação humana. Lá, audiências virtuais são realizadas com a presença de todas as partes, garantindo e preservando os debates.
A Nova Zelândia mantém sua abordagem centrada na comunidade. Os tribunais locais promovem maior proximidade entre juízes e cidadãos, reforçando a pessoalidade nas decisões. Importante notar que a Nova Zelândia é referência na área da tecnologia em todo o mundo.
Os Estados Unidos é de fato um sistema a ser sempre observado de muito perto. Ali, o sistema de “small claims courts” (tribunais de pequenas causas) é um exemplo de como simplificar processos e promover decisões rápidas e acessíveis, inocorrendo a “duplicidade de papéis enfrentada (muito mal, por sinal) no Brasil.
O foco norte americano está nas audiências presenciais e públicas, garantindo maior transparência e interação humana, lembrando que ainda há a publicidade na sala de audiências e, no caso americano, o pequeno e grande júri para decidir causas civis e penais.
O bom exemplo Norte Americano
O sistema judicial norte-americano possui características interessantes, especialmente no que diz respeito à fase antecipatória, em especial a conhecida como discovery. Essa fase é projetada para determinar se há ou não um caso sólido para ser levado a julgamento, promovendo eficiência e reduzindo litígios desnecessários. Durante essa etapa, as partes envolvidas compartilham documentos, evidências e depoimentos relevantes obviamente acompanhadas pelos advogados e no recinto privado destes. É o momento em que a lealdade profissional e a habilidade negocial permite que ambas as partes avaliem a força de seus argumentos antes de prosseguir com o caso. O discovery, além de se constituir em grande meio de seleção profissional pelo próprio mercado e reconhecimento da advocacia como instituição primeira no processo jurídico, por sua vez, permite que a litigiosidade predatória seja severamente punida, bem como preserva a igualdade de armas no prosseguimento do litígio.
A mediação e a negociação, por sua vez, constituem elementos ativamente incentivados pelo próprio judiciário americano, antes de um julgamento. É comum que as partes sejam incentivadas a buscar acordos por meio de mediação ou negociação – ou chamadas a fazê-lo pelo próprio magistrado em reunião com os advogados e ou persecutores. O expediente é funcional, reduz tensões, despolitiza o conflito e, principalmente, reduz a carga sobre o sistema judicial, promovendo celeridade, efetividade e rapidez.
Afora os procedimentos acima, o judiciário norte americano permite o conhecimento e a decisão antecipada em face da causa apresentada. Os juízes, com base nas evidências apresentadas, podem decidir se o caso deve ou não prosseguir – ou mesmo se há, de fato, um caso que mereça tutela judicial. O expediente, precioso, evita que casos sem mérito avancem, destrói, literalmente, o contencioso predatório e economiza tempo e recursos do contribuinte e das próprias partes.
Esse sistema norte americano prestigia, outrossim, o direito e transfere aos profissionais da causa, em especial aos advogados o desempenho de um papel crucial na análise responsável de evidências, jurisprudências e costumes, valorizando sobremaneira o aconselhamento dos clientes sobre a viabilidade do caso ou, no caso da persecução penal, o próprio Estado sobre o interesse público em causa. Isso reforça a responsabilidade e a ética na prática jurídica.
A resolução alternativa de disputas (ADR), é prática habitual nos EUA – em especial quando a matéria é de ordem comercial ou intercorporativa – envolve conhecimento especializado, mercado e técnicas de engenharia. Nesse caso, as próprias empresas não se arriscam a levar questões dessa natureza ao conhecimento de um tribunal – usam a mediação e a arbitragem especializada como meio efetivo e eficaz para a solução do conflito – e nos EUA o instituto é reconhecido como meio de tutela eficaz.
De toda forma, a publicidade nas salas de audiências é, de fato, um pilar essencial para garantir a transparência e a confiança no sistema de justiça. Este aspecto, associado ao conceito de participação cidadã, como ocorre no pequeno e grande júri americano, oferece um nível de engajamento e legitimidade que é difícil de replicar em processos monocráticos ou conduzidos de forma impessoal ou puramente virtual.
Como visto, todos esses modelos, em especial o norte-americano, mostram que é possível equilibrar eficiência tecnológica com humanidade e transparência.
Hora de mudar o rumo das coisas
Dizia o grande estadista e militar Otto Von Bismark: “Só os idiotas aprendem com a própria experiência. Eu aprendo com a experiência alheia. Já os ineptos, não aprendem nunca.”
O Brasil devia se inspirar em algumas dessas práticas para reformar seu sistema judiciário, adaptando-as de forma a retirar o contexto brasileiro do ciclo dos idiotas, que só aprendem errando por si próprios.
No Brasil, o fortalecimento de práticas expeditas e públicas, como as acima apresentadas, não apenas poderia fomentar a confiança no judiciário, mas também ampliar a percepção de justiça por parte de uma sociedade a cada dia mais cética com a instituição do judiciário. Até mesmo o júri, cível e criminal, por exemplo, além de ser uma expressão democrática e reconhecida como a “justiça dos homens” desde o concílio de Latrão (que aboliu o “juízo de Deus” pelo “Conselho de Jurados”) e a Magna Carta (que proclamou o direito ao julgamento pelos pares) – elementos históricos que consolidam osenso de responsabilidade coletiva que humaniza o sistema jurídico.
Ao incorporar elementos como audiências públicas presenciais e práticas inspiradas nos júris, o sistema eletrônico e digitalizado poderia avançar, desde que mantidos os procedimentos prévios e procedibilidade, a mediação, a publicidade dos atos, a oralidade essencial ao sistema e o abandono da prolixidade. Combinadas às decisões mais pessoais e focadas nos fatos, e a redução do formalismo nos processos – o Brasil poderia se aproximar de um sistema mais equilibrado, eficiente, humano e justo.
Há muito que podemos aprender observando modelos internacionais… e, infelizmente, pouco temos a ganhar insistindo num sistema que responde pelo maior volume de processos do planeta e é igualmente o mais dispendioso, sem qualquer identidade com nossa realidade local.
O uso lógico da Inteligência Artificial
Posto toda essa questão relacionada à humanização de um estado de coisas absolutamente desumano – que o atual judiciário brasileiro, por óbvio que me preocupa o uso do sistema de inteligência artificial – IA, na análise de casos e decisões no âmbito da Justiça e nos processos administrativos de interesse dos nossos sobrecarregados cidadãos.
Como garantir humanidade e justiça com o uso da lógica da IA?
A introdução da inteligência artificial na Justiça e nos processos administrativos, exige equilíbrio cuidadoso entre eficiência tecnológica e princípios éticos fundamentais.
Como antes dito, de todo modo, deve haver garantia de humanidade. Mesmo com a tecnologia ajudando na eficiência, é essencial manter o julgamento humano em todos os níveis, assegurando que decisões sejam baseadas no contexto e nas nuances específicas de cada caso.
O desafio de garantir humanidade e justiça nesse contexto, no entanto, pode, assim, ser alcançado desde que observadas as questões seguintes:
1. Transparência nos algoritmos
Ao contrário da “caixa preta” mantida pelos togados nativos, é essencial que os sistemas de IA usados na Justiça sejam desenvolvidos com total transparência. A prática da transparência permite que os processos de decisão sejam auditados e compreendidos por especialistas humanos e pela própria IA.
O “efeito caixa-preta”, torna resultados expressos via IA impossíveis de explicar. Ademais, seguindo a máxima do Direito Público, “a melhor blindagem jurídica de qualquer processo decisório… é a sua transparência”.
A saída está na obrigatoriedade da presença do julgador nos atos judiciais – seja nas audiências, seja também na hora do proferimento da decisão – que deve obrigatoriamente ser clara, objetiva e justificada, de forma simples e acessível ao cidadão comum. A IA, nesse caso, poderia servir para conduzir o extrato dos atos presenciais e resumí-los.
Mas, é lógico, para tanto, o sistema processual brasileiro deve ser modificado.
2. Interação humana
É certo que a IA fornece análises e insights poderosos. Nesse sentido recomendo, mais uma vez, a leitura de um artigo meu, referido ao final deste texto.
Porém, nos conflitos humanos, as decisões finais devem ser tomadas por humanos, capazes de aplicar julgamentos baseados em valores, contextualização, circunstâncias, motivações e nuances que a tecnologia artificial pode até processar… mas não pode humanamente captar.
Há, nesse contexto, uma clara sutileza, cuja natureza altera completamente a disrupção prometida pela IA. E que a própria IA não ousa, ainda, invadir.
Repito, a obrigatoriedade da presença do julgador nos atos judiciais reforça a confiança na decisão, assegura uma análise contextual que vai além da lógica fria da IA e mantém o valor dos princípios humanos em sistemas jurídicos.
Foco na simplicidade e acessibilidade, para garantir que o resumo automatizado produzido em interação com a IA seja formatado e adaptado para uma linguagem acessível ao cidadão comum, respeitando a clareza e a objetividade que você mencionou.
3. Eliminação de vieses algorítmicos
A IA é fruto do constante e progressivo treinamento humano, articulado com o somatório plural de democrático de dados, conhecimentos, conceitos, fatos e conhecimentos.
Assim, os dados usados para treinar os modelos de IA devem ser cuidadosamente revisados para evitar preconceitos ou distorções que possam influenciar negativamente as decisões. Isso inclui assegurar representatividade nos dados e monitorar continuamente os resultados.
Um grande exemplo é o uso de mecanismos algoritmicos censores, cuja finalidade censória nega a própria inteligência do sistema de busca – constatação que hoje está no centro do debate sobre a tecnologia de IA em todo o mundo livre.
Usar a IA como uma ferramenta complementar faz todo sentido. Ela pode atuar como assistente na organização e resumo de informações, tornando mais eficiente o processo sem comprometer o papel humano crucial. No entanto, por ser disruptiva, o controle algoritmico da IA irá exigir alterações no sistema processual brasileiro, como reformulação das leis processuais, delimitações de uso da ferramenta exclusivamente como suporte e nunca como substituta do julgamento humano.
4. Criação de políticas e regras
Estabelecer regulamentações claras que definam como a IA pode ser usada no âmbito do sistema judiciário, garantindo que os direitos dos cidadãos sejam protegidos, envolve a absorção no sistema judiciário, de todo um sistema de controle procedimental redundante, que analise a interação homem-máquina – sem intervir no juízo de valor formulado pelo julgador.
Formar, assim, conselhos ou comitês técnicos e éticos, para supervisionar as fórmulas de uso da IA, seria essencial.
Por óbvio, a característica disruptiva da IA poderá reduzir significativamente o trabalho cartorário, permitindo que o processo ocorra de forma rápida – incluso no campo presencial.
O mesmo deve ocorrer no campo da investigação criminal, com a abolição da burocracia redundante e a escrivania nos inquéritos – perfeitamente substituível pela confecção de atas resumidas das diligências e buscas pessoais, restando à autoridade policial o trabalho de relatar objetivamente os fatos, enumerar evidências, relacionar as provas materiais – como laudos e entregar o caso ao Ministério Público.
Essa proposta tem o potencial de trazer eficiência ao sistema judicial e criminal enquanto mantém os princípios da clareza e objetividade, essenciais para garantir justiça. A redução do trabalho cartorário e o foco em processos presenciais rápidos são passos poderosos para eliminar a burocracia excessiva, que atrasa e complica casos.
A transformação digital com utilização de sistemas de IA para resumir diligências e buscas pessoais pode agilizar a produção das atas e relatórios, tornando-os padronizados e acessíveis, sem perder a supervisão humana para validar os relatórios.
O foco na objetividade para que a autoridade policial relate os fatos de forma objetiva, utilizando listas de evidências e provas materiais bem organizadas, garantindo simplicidade e eficácia.
Integração tecnológica: Plataformas digitais poderiam ser usadas para organizar e compartilhar informações entre polícia, Ministério Público e judiciário, reduzindo atrasos na comunicação e garantindo maior transparência.
5. Proteção da privacidade
Publicidade e transparência, abrange também a garantia da privacidade e sigilo de dados igualmente processados, de acordo com leis de controle da informação que protejam os cidadãos.
O desvio ético do uso de dados privados é preocupação constante nos meios cibernéticos e mais ainda, quando a ferramenta em causa é uma IA.
Investimento em tecnologia jurídica é essencial e permanente. Desenvolver sistemas de IA especializados, mas sempre com supervisão humana no uso e treinamento dos dados.
6. Educação e capacitação
Promover a capacitação e educação de advogados, promotores, autoridades policiais e, principalmente, magistrados, para compreender o papel disruptivo, acessório e articulado da IA, com o pessoal de suporte da Administração da Justiça, é essencial para todo o contexto de mudanças que fatalmente ocorrerão com a introdução da ferramenta no sistema.
A capacitação contínua de profissionais jurídicos para interagir com ferramentas de IA, e garantir que saibam integrar essas tecnologias sem comprometer sua autonomia ou ética exigirá, sobretudo, diálogo, planejamento e muito cuidado com os aspectos morais e legais.
Conclusão
A inteligência artificial não é apenas um suporte digital, é uma ferramenta disruptiva, com capacidade de substituir funcionalidades e aprender com o exercício delas. Assim, é necessário interagir com reflexão, responsabilidade, transparência e ética.
Por fim, é crucial que a sociedade participe desse processo, debatendo e ajudando a definir os limites da utilização da tecnologia. Assim, podemos avançar na direção de um sistema mais eficiente, mas também mais justo e humano.
Nota:
* PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “Inteligência Artificial e o Fator Humano”, in Blog “The Eagle View”, in https://www.theeagleview.com.br/2025/04/inteligencia-artificial-e-o-fator-humano.html
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor. Foi Secretário do Verde e do Meio Ambiente da Cidade de São Paulo (2000) e exerceu o cargo pioneiro de Secretário Executivo de Mudanças Climáticas do Município de São Paulo, de junho de 2021 a julho de 2023. Sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados, é diretor da AICA – Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. Foi o 1o. presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB/SP, presidente da Câmara Técnica de Legislação do CEBDS, presidente do Comitê de Meio Ambiente da AMCHAM – Câmara Americana de Comércio. Consultor do governo brasileiro, do Banco Mundial, da ONU e vários outros organismos encarregados de aperfeiçoar o arcabouço legal e institucional do Estado no Brasil. É Conselheiro do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da FIESP, Presidente da Associação Universidade da Água – UNIÁGUA, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 10/04/2025
Edição: Ana Alves Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião dessa revista, mas servem para informação e reflexão.