O alimento da inteligência é a curiosidade, a busca constante pela diferença de focos, visões, posturas e opiniões
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
A ascensão da inteligência artificial (IA) altera profundamente o rumo dos humanos na governança e na economia, quanto à sua funcionalidade e presença no mercado de trabalho. No entanto, a mente humana é a condutora de todo esse processo.
Esse fator humano, muitas vezes, passa despercebido, até por conta do posicionamento entusiasmado de vários grandes protagonistas dessa mudança. Em recente entrevista a Jimmy Fallon, no “The Tonight Show, o criador da Microsoft, Bill Gates, afirmou que a transformação do quadro atual ocorre com velocidade maior do que muitos imaginam.
Gates afirmou que, dentro de uma década, a IA será capaz de realizar grande parte das atividades hoje executadas por pessoas. “Com a IA, em dez anos, os humanos não serão mais necessários para a maioria das coisas”, declarou.
O novo paradigma tecnológico
Durante conversa recente em Harvard, com o professor Arthur Brooks, Gates já havia utilizado a expressão “inteligência gratuita”, para descrever o que considera a maior mudança desde a criação do computador pessoal. Para ele, o avanço da computação focou na ampliação da capacidade humana operar suas funcionalidades. Porém, a Inteligência Artificial é disruptiva, pois seu foco não é apenas ampliar essas funcionalidades mas, sim, substituir humanos em funções complexas, incluso no campo intelectual, no diagnóstico médico e no ensino personalizado.
“É algo muito profundo e até um pouco assustador, porque está acontecendo muito rapidamente e sem um limite definido”, afirmou Bill Gates, que ainda apontou para a assunção pela IA no campo da mecânica, assumindo tarefas como o cultivo de alimentos e a operação de máquinas – que serão progressivamente automatizadas até se tornarem “problemas resolvidos”, vale dizer: capazes de procederem a consertos e reparos.
Gates enxerga nas áreas da saúde e da educação os maiores impactos iniciais da IA. Ele prevê um cenário no qual ferramentas inteligentes poderão fornecer diagnósticos médicos mais precisos do que os de profissionais humanos — especialmente em regiões com escassez de médicos. “A máquina provavelmente será superior aos humanos”, afirmou, ao apontar a capacidade dos sistemas de IA em processar dados médicos em escala massiva.
Na educação, o bilionário visualiza tutores baseados em IA que entendem tanto o conteúdo pedagógico quanto a motivação dos alunos. Esses sistemas poderão oferecer apoio individualizado, detectar dificuldades em tempo real e adaptar o conteúdo às necessidades de cada estudante.
Um futuro sem humanos?
O discurso de Gates parece otimista, porém aponta para graves conflitos. Ao falar com Jimmy Fallon, no “Tonight Show”, ele afirmou que atividades humanas, como esportes e “interações sociais”, remanescerão. No entanto, a maioria dos trabalhos manuais, técnicos e até intelectuais, poderão ser substituídos por sistemas autônomos.
Mustafa Suleyman, CEO de IA da Microsoft, concorda com Bill Gates. Ele entende que o impacto será “profundamente desestabilizador” para o mercado de trabalho. Em seu livro “The Coming Wave”, Suleyman argumenta que essas tecnologias, se por um lado ampliam a inteligência humana, substituem a própria mão de obra.
Inovação, risco e regulação
Gates declarou recentemente que, se tivesse que começar um novo negócio hoje, apostaria em uma startup centrada em IA. No entanto, alerta para o óbvio: sistemas avançados de IA ainda cometem erros e podem desinformar. Aliás, essa questão tornou-se um dos grandes desafios de risco de governança atual.
“Às vezes, ao empoderar humanos com tecnologia, isso não segue o caminho certo”, previne o criador da Microsoft. O desafio será equilibrar benefícios da automação com políticas públicas que garantam inclusão, requalificação profissional e bem-estar social, num cenário de transformações rápidas.
É certo que a inteligência artificial (IA) assumirá papel essencial nas funções básicas e cotidianas dos humanos. Funções repetitivas e processos de automação já estão sendo quase totalmente assumidos por sistemas de IA. A análise de dados, hoje, já sofre enorme impacto de transformação e a IA começa a oferecer insights poderosos.
Seria redundante, ante o já dito por Bill Gates, apontar para as transformações no campo da medicina e da educação. No entanto, ouso aqui discordar do grande empreendedor da cibereconomia com relação à “preservação” das interações sociais.
Interação social
Hoje, a IA encontra-se em franca interação com a comunicação. No dia a dia das relações sociais em redes, a IA já oferece sugestões em tempo real, até para a redação de convites, apresentações, descrições e respostas. Tornou-se uma assistente pessoal inteligente e prestativa em diversas situações.
Administrada corretamente, a IA ganha com a interação humana, e vice-versa. Administrada sem inteligência, a IA “robotiza” o comportamento do operador.
No campo da comunicação, a IA conduz à personalização, adapta diálogos e dirige mensagens para diferentes equipes ou indivíduos e amplia engajamentos.
No setor da administração de comunicações internas, a IA permite melhor compreensão das estratégias organizacionais. Não por outro motivo, modelos de IA com boa interação auxiliam na geração de ideias e solução de problemas, abrindo caminho para inovações mais eficientes. Porém, o segredo está no treinamento humano inteligente, implementado à IA.
Assim, nesse aspecto, mais uma vez, o requisito da boa interação e treinamento é prerrogativa humana, pois é a inteligência do interlocutor que induz a performance da máquina.
A relação dos humanos com a IA tende a evoluir para um modelo de cooperação e complementação. Isso irá nos conduzir ao enfrentamento diário de dilemas éticos – ao uso inteligente e preservação da privacidade e manutenção da sociabilidade humana nas relações interpessoais, empregatícias e contratuais, dentro e fora dos locais de trabalho.
Esse é o grande desafio que diferencia hoje e irá nos diferenciar cada vez mais nas relações com suporte da Inteligência Artificial em nossas vidas: evoluir a capacidade intelectual humana para a compreensão das nossas diferenças e atributos, e focar nas tarefas criativas e estratégicas.
Estratégia e criatividade humanas
A produção cultural, artística e filosófica, do desenho à pintura, da música à dança, da poesia ao romance – são e serão impactados pela IA, mas não perderão humanidade, pois a IA pode reunir todo o conhecimento acadêmico gerado e gerar dados a partir dessa base, incluso nas artes – no entanto a criatividade e a sensibilidade humana, em especial a atitude crítica, o vanguardismo e a emoção, não parecem ainda ter lugar no avanço comportamental cibernético. Personalidade, moral e caráter, são características orgânicas e químico-biológicas – quiçá também astrológicas.
Por isso mesmo, a gestão estratégica, em cooperação com a IA, será cada vez mais surpreendentemente humana.
De fato, a cooperação entre inteligência artificial e gestão estratégica, aponta para um processo analítico, preditivo e decisório mais informado, ágil e inovador.
A IA, pode processar grandes volumes de dados para identificar tendências e prever cenários futuros – e isso é um ganho estratégico de tempo que permitirá que gestores tomem decisões mais embasadas, antecipando desafios e oportunidades. ESTE processo de deliberação é prerrogativa humana.
O planejamento dinâmico com a IA, ajusta estratégias em tempo real, acompanhando alterações geopolíticas, climáticas, ou mudanças no mercado. Alterações no campo político, no comportamento do consumidor, impactos, ambientais, geográficos ou outras variáveis, ganham uma dinâmica de detecção e avaliação, conduzindo a uma sistemática e adaptável estrutura de planejamento.
Como a automação de tarefas operacionais permite à IA assumir funções rotineiras, gestores, consultores estratégicos, implementadores táticos e atores operacionais ganham tempo e podem focar sua energia na tomada de decisões. O ganho amplia o impacto decisório, admite inovações e otimiza o comportamento organizacional.
Não há inteligência sem democracia
A identificação de riscos por meio de algoritmos municia a IA na previsão e identificação automática de ameaças; orienta a adoção de medidas preventivas, evita e reduz danos e impactos.
Nesse campo, a IA se ajusta perfeitamente às incertezas do mercado financeiro, avaliação de impactos ambientais, resolução objetiva de conflitos, superação de impasses operacionais, auxílio na gestão de crises e até na gestão de problemas de reputação.
No entanto, é exatamente nesse aspecto que a operacionalidade da IA torna-se alvo de críticas assombradas de sistemas “globalistas” ou manipuladores de posturas “politicamente corretas”.
O comportamento controlador, tão bem descrito no romance 1984, de George Orwell – tem raízes fincadas na realidade humana e não na ficção.
Hoje, testemunhamos uma interessante prática de “sequestro terminológico” para justificar comportamentos que justamente contradizem o termo sequestrado. É o caso da “ditadura” do “politicamente correto”, o “despertar da diversidade” para favorecer intolerantes e a ditadura dos que “defendem” a “democracia”.
Por óbvio, o uso da IA nesse tipo de labirinto comportamental é um paradoxo. Resulta na perda generalizada da razão.
Isso porque o alimento da inteligência humana é a curiosidade, a busca constante pela diferença de focos, visões, posturas e opiniões. E a inteligência fruto do artifício humano, uma vez instalada, reproduz geometricamente o mesmo comportamento plural e sinérgico.
Assim, um sistema algorítmico programado para “censurar”, perde, de fato, sua inteligência. Um órgão “censor” cibernético, torna-se um repetidor de contrainformações que, ao fim e ao cabo, desinforma.
Não por outro motivo, o advento da IA, na gestão das redes de informação, quando se busca o “controle ideológico” do seu conteúdo, torna-se ferramenta de exclusão, censura e desinformação. Bom para psicopatas e militantes. Péssimo para quem possui alguma inteligência.
Com efeito, a IA é incompatível com sistemas centralizados, avessos a pluralidades ou regimes autoritários – seja no campo da gestão administrativa, seja na política. Aliás, os conflitos até agora produzidos – e que se produzirão nos próximos anos e décadas, não se tenha dúvida, girarão em torno da apropriação da inteligência artificial pela inteligência humana em um ambiente plural e democrático.
Por tudo isso, é fundamental que a cooperação entre o ser humano e a máquina esteja alinhada a uma governança ética e transparente. Garantir a transparência no uso de dados, evitar vieses algorítmicos e equilibrar a automação com o julgamento humano são e serão, sempre, aspectos cruciais na gestão colaborativa com a Inteligência Artificial.
Vale a lição bem-humorada de Woody Allen: “A vantagem do inteligente é poder parecer um imbecil, já para o imbecil, isso é impossível”.
Assim, em face da IA, temos que a imbecilidade é a morte.
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor. Foi Secretário do Verde e do Meio Ambiente da Cidade de São Paulo (2000) e exerceu o cargo pioneiro de Secretário Executivo de Mudanças Climáticas do Município de São Paulo, de junho de 2021 a julho de 2023. Sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados, é diretor da AICA – Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. Foi o 1o. presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB/SP, presidente da Câmara Técnica de Legislação do CEBDS, presidente do Comitê de Meio Ambiente da AMCHAM – Câmara Americana de Comércio. Consultor do governo brasileiro, do Banco Mundial, da ONU e vários outros organismos encarregados de aperfeiçoar o arcabouço legal e institucional do Estado no Brasil. É Conselheiro do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da FIESP, Presidente da Associação Universidade da Água – UNIÁGUA, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 07/04/2025
Edição: Ana Alves Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião dessa revista, mas servem para informação e reflexão.