Por Karina Mekhitarian*
Diante da recente aprovação da nova Lei dos Portos, um ponto fulcral que precisa ser analisado pelo setor de logística portuária trata das restrições ambientais envolvendo a criação de espaços territoriais especialmente protegidos no litoral brasileiro, ou seja, as conhecidas Unidades de Conservação (UCs).
Isto porque, com fundamento na Constituição Federal Brasileira (art. 225, §1°, II, CF/88), qualquer ente da federação (União, Estado e Município) possui competência para instituir UCs mediante simples edição de Decreto, não havendo necessidade de ser criada por Lei (instrumento legal mais restritivo e formal).
Se para criar existe uma facilidade, após sua efetiva criação, para o Poder Público realizar qualquer alteração ou supressão de limites na UC o procedimento é bem diferente…
O fato é que se uma UC tiver sido instituída com falha técnica na delimitação da sua zona núcleo, pois introduziu divisas e limites que acabaram expandindo a área originalmente estudada, interferindo indevidamente em área marítima de jurisdição federal e afetando a expansão portuária de uma região, o texto da norma está eivado de vício material.
No entanto, para que o equívoco seja corrigido e haja redução dos limites da Unidade de Conservação, com base na CF/88 e na Lei Federal nº 9.985/00 (instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC), “só pode ser feita mediante lei específica”, ou seja, por meio de um procedimento demorado que exigirá análise e aprovação do Poder Legislativo.
Neste cenário, o que se observa ao longo das últimas décadas é a criação de centenas de UCs ao longo do país, muitas delas situadas em locais estratégicos do litoral brasileiro, espaços importantíssimos para implantação de empreendimentos logísticos ligados ao setor portuário (Ex.: portos, retroporto, terminais portuários privados para armazenamento e escoamento de produtos, estaleiros, estações de transbordo, etc.).
Não resta dúvida que existe um total descompasso da própria Administração Pública envolvendo posicionamentos distintos entre duas correntes ideológicas dos que atuam na área ambiental, de um lado ambientalistas (corrente biocêntrica) que consideram o meio ambiente como o centro das preocupações do universo e, de outro lado, operadores do direito, juristas, técnicos e cientistas (corrente antropocêntrica) que colocam o homem no ponto central do desenvolvimento sustentável, como dita o Princípio nº 1 da Carta de Princípios da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (“ECO-92”).
Referido Princípio, que foi ratificado pela Conferência Internacional de 2012, no Rio de Janeiro, reza que “Os seres humanos são o centro das preocupações do desenvolvimento sustentável e têm direito à vida saudável e produtiva em equilíbrio com a natureza”.
Em função da celeuma que gira em torno do assunto na prática, importante a análise da legislação ambiental aplicável à matéria para alertar dos conflitos de normas e interesses públicos que possam surgir em face das restrições ambientais oriundas da criação de UCs e do desenvolvimento e incremento da logística portuária brasileira nos mesmos espaços territoriais.
A partir dos dispositivos constitucionais sobre o meio ambiente, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, e, para assegurar esse direito, incumbe ao Poder Público definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção (inciso III, §1º, do artigo 225).
A Lei Federal nº 9.985/2000, regulamentou mencionado dispositivo constitucional e instituiu o SNUC, estabelecendo critérios e normas para criação, implantação e gestão das Unidades de Conservação (UCs).
A Lei do SNUC, em seu art. 2°, define Unidade de Conservação como “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”.
As Unidades de Conservação integrantes do SNUC dividem-se em dois grupos, com características específicas: as Unidades de Proteção Integral (Ex.: Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre) e as Unidades de Uso Sustentável (Ex.: Área de Proteção Ambiental, Floresta Nacional, Reserva Extrativista e Reserva Particular do Patrimônio Natural).
O objetivo das Unidades de Proteção Integral é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, ao passo que o objetivo das Unidades de Uso Sustentável é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais.
O SNUC é constituído pelo conjunto das UCs federais, estaduais e municipais e tem, entre diversos objetivos, o de contribuir para a preservação e a restauração da diversidade de ecossistemas naturais.
Consideradas as restrições impostas nas normas Legais mencionadas e na legislação ambiental em vigor, entende-se, portanto, que pela característica da atividade, porte e impacto ao meio ambiente causado por empreendimento portuário, haverá conflito direto e restrição à implantação de projeto existente caso esteja localizado nas proximidades ou no interior de uma UC, ainda mais se for de uso integral.
Além dos objetivos próprios de cada tipo de UC previstos na Lei do SNUC, quem vai estabelecer as regras de uso e restrições da zona núcleo da unidade é o plano de manejo.
A esse respeito, ressalta-se que a grande maioria das UCs criadas, existem apenas no papel, pois, apesar da Lei do SNUC determinar que o plano de manejo deva ser elaborado pelo Poder Público no prazo de 5 anos, a partir da data de sua criação, na prática, isso ocorre com menos de 10% das unidades instituídas.
O fato é que o litoral brasileiro é um dos poucos setores viáveis para aposição de atividades de logística de abastecimento e escoamento, essenciais para a economia nacional, ao passo que as restrições inerentes as UCs obstruem a possibilidade de desenvolvimento socioeconômico da região afetada e a disposição de infraestrutura essencial à qualidade de vida da população.
Não se pode esquecer da necessidade estratégica do País quanto à adequação e ampliação das instalações de apoio à produção, exploração e escoamento de petróleo nas bacias petrolíferas offshore brasileiras, especialmente as destinadas ao atendimento das demandas decorrentes das novas descobertas de petróleo da bacia de Santos e das áreas do chamado “pré-sal”.
Sendo assim, a criação de UCs sem estudo técnico adequado quanto à sua funcionalidade ambiental e demais interesses públicos estratégicos envolvidos, acabam prejudicando a expansão socioeconômica do Município e a possibilidade de implantação de projetos de interesse público relevante, restringindo, assim, o próprio desenvolvimento sustentável.
*Karina Mekhitarian é advogada formada pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió. Especialista em Direito Processual pelo Centro Universitário de Ciências Jurídicas de Maceió e com mestrado em Direitos Difusos e Coletivos, com foco em Direito Ambiental, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É professora de Direito Ambiental, no curso de graduação da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP), e de Direito e Gestão do Meio Ambiente, no curso de pós-graduação lato sensu do (SENAC-SP). Coordena a área de Meio Ambiente.
Moro no litoral paulista, onde as UCs destruiram nosa cultura ao mesmo passo e em mesma porcentagem em que os ambientalóides, ecochatos e pessoas biodesagrádaveis preservaram a natureza. Lembro-me que antes desta desta UC restritiva aos povos tradicionais meus pais já nos ensinavam que eramos parte dela, dependíamos dela e será dela o legado a nossa sobrevivência. Agora somos algo a parte, um povo desassociado da natureza e que não tem valor nenhum. Quanto ao congelamento de nossas vidas, terras, espaços culturais e geográficos vejo que tem que existir uma brecha ao desenvolvimento, o grande investimento pode nos ver, sentir e descobrir que tem outros investimentos a serem realizados, pois existe uma população que sabe cuidar da floresta. Os portos e etc… terão uma visão internacional e quem sabe possamos ir de carona, onde se desenvolve sustentavelmente a economia, a vida e interatividade com a natureza, no caso nosso povo.