O governo imprimiu o marco legal da internet, e agora pretende rasgá-lo…
Por Danielle Denny
O mercado audiovisual brasileiro está passando por uma transformação drástica. Cada vez mais a audiência da TV aberta e à cabo migra para alternativas streaming que permitem mais opções e flexibilidade de programação. O raciocínio do telespectador passa mais ou menos pela seguinte escolha: porque esperar para assistir no horário marcado pela programação de um canal se o mesmo conteúdo pode ser assistido a qualquer hora com qualidade full HD. Assim, a tendência é ferramentas como o Netflix ser um dos principais concorrentes da Globo e da NET por exemplo.
Esse é o contexto por trás da implementação de limite de dados na banda fixa. Isso pode ajudar a explicar porque João Rezende, presidente da Anatel apoia a medida de limitar o acesso a Internet e fez declarações do tipo: “a era da Internet ilimitada ficou para a história”. Lembrando que ele é quem em 2011, ainda como conselheiro, foi flagrado muito próximo daqueles que a agência deveria fiscalizar, comemorando com operadoras e grandes empresas, a aprovação do projeto de lei que liberou a entrada das empresas de telefonia no setor de TV a cabo e acabou com restrições do uso de capital estrangeiro no setor.
Mais uma vez essa proximidade fica identificada quando a Anatel apoia a limitação ao invés de defender os usuários. O órgão deveria estar preocupado em manter a neutralidade da rede e as condições contratuais que foram ofertadas ao consumidor inclusive para cobrar que a velocidade da banda larga comprada seja efetivamente disponibilizada. Hoje, em momentos em que a rede esteja “boa” costuma-se chegar a apenas 10% do que está previsto no contrato, assim num contrato de 10 megas é raro o internauta conseguir usufruir 2. E a culpa não é dos gamers como alega Rezende, mas sim da falta de investimento em infraestrutura tanto das operadoras como do poder público.
Mas o que é a banda fixa limitada?
As operadoras do setor de banda larga fixa no Brasil estão tentando implementar mudanças no modelo de negócios. Elas querem cobrar dos usuários não apenas por velocidade disponível como é feito hoje, mas por quantidade de dados que movimentam na rede. Basicamente, a internet fixa funcionaria como a móvel, só que com limites maiores. Quanto menor a velocidade contratada, menor a franquia de dados e atingido o limite de dados, reduz-se a velocidade ou corta o acesso. As empresas alegam ser uma “tendência mundial” haja vista que quem usa mais deve pagar mais do que quem usa menos.
Porém, segundo dados do site de tecnologia TecMundo, 70% dos países adotam internet fixa ilimitada e nos EUA, onde há limite, a média de velocidade da internet é muito mais alta, “cerca de 11,9 Mbps contra 3,4 Mbps no Brasil, e os limites de uso de dados são muito maiores do que os planejados pelas nossas operadoras. Um plano básico com velocidade de 3 Mbps custa cerca de US$ 30 (R$ 106) e tem franquia de dados de 250 GB. Para efeito de comparação, a internet avulsa de 15 Mbps da Vivo/GVT que custa R$ 99 no Paraná tem apenas 120 GB de franquia. (…) A NET, por sua vez, oferece pacotes ainda mais magros, 15 Mbps por R$ 104 e 80 GB de franquia. Vale lembrar, entretanto, que NET e Oi raramente impõem esses limites a seus clientes, mas não se sabe por quanto tempo isso deve continuar assim. A Vivo, entretanto, pretende fazer isso a partir do primeiro dia de 2017.”
Mesmo que fosse tendência mundial, a Anatel teria de impedir esse novo modelo de negócio com base no princípio da neutralidade previsto no Marco Civil da Internet e estrategicamente por inviabilizar empresas da economia criativa. Com limite de dados o conteúdo mais “leve” será preferido em detrimento dos mais “pesados” que usem mais dados, assim o internauta terá de escolher um conteúdo de acordo com o pacote que possui, uma clara ameaça à neutralidade que prevê o mesmo acesso a qualquer conteúdo. Além disso, os negócios mais rentáveis atualmente são virtuais, que trabalham com dados, limitar o acesso é um desincentivo a justamente a parte da economia que pode oferecer a saída para a situação de crise atual.
Danielle Mendes Thame Denny é Jornalista e Advogada. Colaboradora do Portal Ambiente Legal
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