Por Pedro Luiz Passos e Mario Mantovani*
O Brasil precisa abandonar o padrão de criar legislações que, na prática, “não pegam”. Quando não é assim, podemos apontar bons exemplos que beneficiam o desenvolvimento do país e melhoram a vida do cidadão brasileiro, como o Código de Defesa do Consumidor, a lei de Responsabilidade Fiscal e a lei Maria da Penha. Nesse sentido, estamos diante da oportunidade de fazer com que o novo Código Florestal passe a engrossar a lista das boas regulações.
Nascida em 1934 e atualizada há quatro anos, nossa legislação florestal disciplina a quantidade de Mata Atlântica e outras formações de vegetação nativa nas propriedades rurais e urbanas de todo o país. O cumprimento de tal legislação traz grandes benefícios a essas propriedades, como a preservação de fontes e cursos d´água, equilíbrio do clima, evitar erosões e até a redução de tragédias socioambientais. Os desastres nas serras fluminense, no início de 2011, e em Itajaí (SC), no fim de 2008, teriam sido menos severos se aquelas áreas estivessem desocupadas, como sempre determinou a lei.
Cumprir a legislação florestal é parte das metas consolidadas na carta “Nova História para a Mata Atlântica”, na qual os 17 Estados do bioma apertaram as mãos para buscar, conjuntamente, frear o desmatamento ilegal e ampliar a cobertura florestal no bioma até 2018.
Como alertam Juliano Assunção e Arminio Fraga, de forma clara, em artigo de 13 de setembro neste jornal, o Código Florestal, devidamente implementado, contribuirá, de forma estratégica, para a ampliação de mercados do agronegócio brasileiro, carregando na “Marca Brasil” duas vantagens competitivas inigualáveis por outros países – produtividade com sustentabilidade.
Contudo, a aplicação da lei florestal não segue como deveria. Ao mesmo tempo em que a grande maioria dos governos já exige o Cadastro Ambiental Rural (CAR) para liberar supressão de matas e regularização fundiária, são raros os que definiram modelos para a restauração florestal.
O descumprimento da legislação afeta também a credibilidade do país no cenário internacional, em especial no que se refere aos compromissos e metas que assume. É o caso do Acordo de Paris, no qual o país pactuou por meio da INDC (sigla em inglês para contribuição nacionalmente determinada pretendida) a restaurar, até 2030, 12 milhões de hectares de florestas, além de conter o desmatamento ilegal e recuperar outros 15 milhões de hectares de pastagens degradadas, dentre outras medidas.
A prorrogação do CAR por meio da Lei 13.295/2016, sancionada em 14 de junho deste ano, é exemplo de flexibilização que enfraquece diretamente o cumprimento da INDC brasileira. Pois para promover a restauração florestal muitos investimentos e programas estão diretamente vinculados ao CAR.
A prorrogação do prazo oficial para cadastramento de imóveis também não pode prejudicar a validação dos dados já inseridos no sistema federal do CAR. Quase todos os Estados já testam a ferramenta oferecida pelo Governo, mas seu uso prático precisa ganhar agilidade. Quanto maior qualidade e confiabilidade dos dados cadastrados, mais fiel será o retrato do uso do solo no país e da sustentabilidade da produção rural brasileira.
A implementação do Código Florestal, o avanço do CAR e a regularização das propriedades rurais se faz ainda mais urgente e relevante ao se observar a realidade específica da Mata Atlântica. Isto porque oito em cada 10 hectares do pouco que resta de vegetação nativa estão em propriedades privadas. Portanto, promover fortemente a recomposição de maciços florestais nessas propriedades é fundamental, ainda mais em regiões prioritárias para a manutenção de recursos hídricos e da biodiversidade.
Idas e vindas na legislação florestal e mudanças nos prazos para sua efetiva implementação criam insegurança jurídica prejudicando o ritmo dos investimentos. Números dos programas de restauração florestal da Fundação SOS Mata Atlântica evidenciam tal impacto.
O investimento de proprietários particulares na restauração florestal para regularização ambiental era crescente até 2009, quando o então deputado federal Aldo Rebelo foi designado relator do projeto de lei que alterou o Código Florestal. Com isto, houve naquele ano uma queda de 33% no número de projetos de restauração liderados pela organização. Somente a partir de 2014, apostando no CAR, os proprietários retomaram as iniciativas de regularização ambiental e o número de projetos executados voltou a crescer.
Análises de entidades como Esalq/USP, Sebrae e Rabobank mostraram que propriedades que respeitam o meio ambiente e os trabalhadores têm melhores resultados econômicos. Quando o cumprimento do Código Florestal for fator indutor da concessão de créditos e financiamentos, a sustentabilidade brotará com mais vigor no meio rural brasileiro.
Os resultados da efetiva aplicação do Código Florestal só serão alcançados com a mobilização contínua e orquestrada de governos, academia, sociedade civil e setor privado. Esperamos que esta ação coordenada supere as barreiras dos que legislam em causa própria e possamos avançar na regularização ambiental, base fundamental de um novo padrão de desenvolvimento socioambiental para o Brasil. Já passou da hora de cumprir a legislação.
Fonte: Fundação SOS Mata Atlântica
*Pedro Luiz Passos e Mario Mantovani são, respectivamente, presidente e diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, ONG brasileira que desenvolve projetos e campanhas em defesa das Florestas, do Mar e da qualidade de vida nas Cidades. Saiba como apoiar as ações da Fundação em www.sosma.org.br/apoie.
Artigo originalmente publicado no Valor
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