Alfredo Attié Jr.
O Brasil debate o que seria verdadeiro e o que seria falso no patrimônio da empresa que já foi orgulho nacional. “Petro” ou “Bras”?
O petróleo, dizia a velha campanha, é nosso. Ponto para o “Petro”. Mas o que teria sido feito da empresa criada para explorá-lo? O que ou quem estaria sendo explorado, sob o nome da empresa?
E o Brasil? Seria realmente nosso? Seria de verdade? “Bras” de quê, de quem?
Não estaria dizendo nada de realmente novo se me limitasse a afirmar que no Brasil há muito de fictício, muito embora uma ficção seja muito lucrativa para alguns.
Petróleo é, na realidade, combustível fóssil. Isto é, fonte de energia, cuja exploração envolve riscos e altos recursos. O Brasil quer o petróleo, muito embora saiba que há outras fontes de energia possíveis, que comprometem menos a sobrevivência de um planeta, cujos recursos naturais vão-se esgotando em velocidade crescente. Esse planeta é o mesmo que habitamos. As opções de exploração de seus recursos comprometem nossa casa, nossas sociedades, o modo como nos comunicamos e relacionamos global e localmente.
Mesmo quem acredita que tudo é política não pode deixar de dar o braço a torcer para as ciências da natureza. Uma disputa de ideias e ideais políticos não pode envolver as certezas da ciência e suas previsões (mesmo que certezas e previsões estejam sujeitas a mudanças, advindas do desenvolvimento e dos debates científicos – quer dizer, da própria ciência, de suas leis e do espírito científico).
Daí que a crise ambiental de nosso habitat, a Terra, causada ou não, em grande ou pequena medida, por intervenções antrópicas, é um ponto de partida, um limite para qualquer discussão política. O que a ciência diz vale e se sobrepõe às opiniões, típicas dos debates políticos, moldados por interesses, por paixões e até, às vezes, alguma racionalidade – mesmo que transmudada em mera razoabilidade (o que é um atributo de argumentos e não de juízos científicos).
Se queremos discutir, a ciência deve prevalecer. Dou um exemplo. O físico Richard Feynman – tido, entre seus pares, como superior a Einstein -, que gostava do Brasil e chegou a ensinar por aqui, além de sambar um bocado, certa feita foi convidado a participar da comissão encarregada de investigar o desastre da nave Challenger, que explodira em pleno ar, causando a morte de vários astronautas. A comissão chegou a várias conclusões de ordem política, imputando ou deixando de imputar responsabilidades por tal ou qual motivo. Feynman, porém, simplesmente imputou o desastre a um falha nos anéis de borracha que serviam para a vedação das partes do tanque de combustíveis, que apresentariam anomalias de expansão ao serem submetidos a determinada temperatura. Assim, em primeiro lugar, o acidente fora causado por um problema de ordem técnica ou científico. E isso se sobrepõe a qualquer reflexão de ordem política. Não importa tanto imputar uma responsabilidade, mas resolver uma equação e permitir o desenvolvimento da técnica, assim resolvendo um problema de modo definitivo (até que novo progresso científico advenha e permita novo salto). Resolvido o problema científico, aí sim se buscam as responsabilidades. Vindo antes aquelas relativas ao desenvolvimento da solução e, por último, o de afastamento de responsáveis por não terem compreendido corretamente a ciência aplicada a uma dada situação, a um dado processo.
É uma lição importante para o nosso Brasil, tão acostumado aos debates estéreis a respeito das responsabilidades que, em geral, findam não imputadas a ninguém (ou, pelo menos, a alguém realmente relevante, na velha toada da preservação cordial dos barões, chefes, coronéis, autoridades).
Disso decorre vivermos, no Brasil, uma crise que não é de ordem moral, nem política, como se diz, mas da ordem do conhecimento.
Acostumamo-nos a conceder cargos a pessoas que estão destituídas de conhecimento para ocupá-los convenientemente. Essas pessoas, de sua feita, premiam os apadrinhados daqueles que lhes concederam os cargos, nomeando-os assessores. As pessoas que, efetivamente, podem deter algum conhecimento científico estão no nível mais baixo da pirâmide hierárquica e somente vêm a ser chamadas, quiçá ouvidas (respeitadas menos ainda) quando as crises e os acidentes já se instalaram. Na ordem de prioridades, tudo vem antes da ciência, do conhecimento, da pesquisa sérias e descomprometida, em nosso Brasil.
Como falta seriedade, descremos dos problemas (sempre imputando-os a uma disputa de poder, no ápice da pirâmide) e não acreditamos que haja soluções. Até porque, como no caso presente, a solução (falsa, mas imposta) está sempre em imputar custos ao povo, para a manutenção das mesmas estruturas políticas e dos mesmos interesses econômicos, sempre dos grupos que se sucedem na apropriação privada dos espaços (que deveriam ser) públicos.
Quem é o culpado? – é a pergunta das novelas e das crônicas dos jornais. E a atenção toda se volta à pesquisa (privada de meios científicos) desses culpados (que jamais serão encontrados ou, se achados, sua responsabilização será sempre taxada de duvidosa, enganosa. Para nós, erroneamente, as evidências ou provas estariam nos discursos – e descremos tanto das palavras…
A prova, porém, segue outros passos. Um caso interessante é o do assassinato de uma menina pelo pai e madrasta. Havia muitos discursos, muitas teorias pseudo jurídicas. Mas a verdade foi resgatada por meio não de palavras, mas de sinais materiais. Ao contrário da toada de nossas investigações criminais, em que a confissão é buscada a qualquer custo. Outro caso, é o que refere as técnicas contemporâneas das colaborações de criminosos para a elucidação dos crimes cometidos por quadrilhas, para a obtenção de nomes e a recuperação dos objetos subtraídos por meio do crime. Aí vale a palavra eficiente, isto é, aquela que se coaduna com os fatos e leva efetivamente ao entendimento da prática criminosa e à recuperação do que foi desviado pela quadrilha. O discurso, em si, não vale, mas sua correspondência com os fatos.
Vivemos a era da sintática e do referente. Os sinais não podem mais ser verdadeiros pelo fato de se misturarem e se comunicarem entre si. Há necessidade de correspondência dos sinais com as realidades que lhes dão suporte material. Não adianta dizer que o sofá é verde, se a análise do espectro de luz apontar que ele é azul. Não adianta dizer que se é honesto, se a conta bancária e os bens apontam para uma riqueza superior aos ganhos.
Precisamos aprender a lidar da mesma forma com as realidades da vida, do ambiente, da energia, dos recursos naturais, do desenvolvimento.
A sustentação e a sustentabilidade de nossas teorias e práticas dependem de a ordem dos discursos submeter-se àquilo que a ciência não autoriza mais esconder.
Voltando ao início de nosso percurso. O Brasil não precisa de reforma política, mas de uma revolução científica. Resta saber se seus cidadãos e cidadãs seremos capazes de empreendê-la, retirando os recursos dos discursos e debates políticos estéreis para a sociedade que precisa aprender a dizer “não”.
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Alfredo Attié Jr. é Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), Juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo e membro da Escola Paulista da Magistratura.
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Muito certo e propício esta analise; apenas penso que para acontecer uma revolução científica, antes precisa haver uma revolução educacional da população que ai sim aprenderia a dizer “não”
Não conhecia o Alfredo Attié Jr (vou chamá-lo assim mesmo,sem rótulos)até, digamos, nossos caminhos se cruzarem por conta da leitura, nesta data.
Tenho uma causa na justiça do estado de São Paulo e acompanho todo o desenrolar dela pelo portal de serviços e-saj. Mas, o que teria isso com esse artigo?
Bom, não sei, e não tenho a mínima ideia de quantas pessoas leram ou conhecem quem escreveu o artigo. Mas, pelo que li nesse artigo e em reportagens na internet, o Alfredo Attié Jr além de Doutor em Filosofia e Juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo, é um ser humano de autenticidade ímpar.
Precisamos muito de pessoas assim.