Líbero Badaró, o poder da caneta os direitos do cidadão e a postura da imprensa
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Sete de abril é o dia do jornalista, data da abdicação do Imperador Dom Pedro I, do trono do Brasil, em 1831, após intensa campanha originada no assassinato do jornalista Lìbero Badaró, em São Paulo.
“Morre um liberal mas não morre a liberdade”
(útima frase de Líbero Badaró)
Líbero Badaró morreu em razão do seu ofício de jornalista. Foi a primeira vítima de um crime contra a imprensa na história do país. Médico italiano e editor do jornal Observador Constitucional, Líbero Badaró faleceu no dia 21 de novembro de 1830, em consequência dos ferimentos causados por tiro de pistola disparado à queima-roupa pelo imigrante alemão Henrique Stock, a mando do desembargador ouvidor Cândido Ladislau Japi-Assú.
A morte de Badaró deixou a cidade de São Paulo, então com 9 mil habitantes, à beira da insurreição. Gerou, também, protestos em vários pontos do Brasil. Japi-Assú foi julgado e absolvido por seus pares no Rio de Janeiro, convenientemente longe da cena do crime e da pressão popular. A mesma instância judicial reviu a condenação do pistoleiro, absolvendo-o. No entanto, o Imperador Pedro I não saiu ileso do imbróglio produzido pelos seus burocratas bajuladores. Foi obrigado a abdicar para preservar a monarquia.
Essa foi a razão da Associação Brasileira de Imprensa, em 1931, ter escolhido a data como dia do jornalista.
A importância política do jornalismo
Jornalistas são agentes políticos, profissionais dedicados a fazer a sociedade pensar. Exercem o poder da caneta não para firmar autoridade mas para informar, denunciar, retratar e analisar os fatos, dar voz a quem não tem, investigar as causas, criticar e apontar as injustiças.
Não é à toa que onde houver um jornalista, ali estará presente a liberdade. Esse mote incomoda poderosos e encoraja os que não possuem outro canal de expressão que não seja o grito do desespero…
A informação e a qualidade da informação, mais que direitos, constituem prerrogativas do cidadão. Envolvem enorme responsabilidade do jornalista. Sua defesa torna-se mais necessária quando a crise de Segurança Pública ameaça o jornalismo e fragiliza a liberdade de imprensa. Liberdade que custou o sangue de Líbero Badaró e de outros milhares de jornalistas.
Há, portanto, um compromisso político do jornalismo com a informação isenta e a liberdade de opinião. Trata-se de uma necessidade. Afinal, a imprensa é a única fonte confiável de informação – mesmo na era das postagens digitais vulgarizadas.
Pensando nisso, a Associação Paulista de Imprensa, que completa 84 anos de existência, resolveu marcar o dia do jornalista com um evento visando alertar a sociedade para a crise da (in)segurança pública. Pretende firmar posição propugnando uma mudança de postura no jornalismo paulista.
A API agiu com muita razão. Se nada for feito para tirar o Brasil do estado de “quase guerra civil” em que se encontra mergulhado, não sobrará espaço para a liberdade de imprensa na sociedade paulista e brasileira.
A mídia na crise da Segurança Pública
O avanço da criminalidade sobre o território nacional é fato notório, e um fato jornalístico lotado de nuances complexas.
O cancro criminológico possui um largo espectro: se estende dos crimes de corrupção, uma epidemia corrosiva na estrutura do Estado brasileiro, aos furtos, roubos, extorsões, homicídios, latrocínios, tráfico de drogas e outras violências que infestam o cotidiano dos cidadãos. Nesse universo, parasitas e marginais matam e mutilam em escala similar à guerra civil na Síria.
O criminoso, hoje, não teme o cidadão (tem a certeza que sempre o encontrará desarmado e desamparado), não teme a polícia (se não estiver burocraticamente amarrada, estará “no bolso”) e não teme qualquer reação ou reprovação à sua crescente covardia (esse tipo de manifestação é da “bancada da bala”, de puritanos ou “fascistas”…).
Entre os celerados a onda agora é atirar na cabeça de homens, velhos, mulheres e crianças – executar indefesos com requintes de covardia, decapitar colegas de cela em prisões desumanas, queimar pessoas e seus animais de estimação ou estuprar. Os marginais, hoje, estão cientes da sua impunidade.
A mídia, face ao fenômeno, comporta-se não como um meio firme de transmissão dos fatos mas, sim, como uma grande coadjuvante do show representado pela insegurança. Com isso estimula a violência que devia combater, vitimiza a marginalidade, criminaliza a conduta policial e inibe o exercício da defesa pelos cidadãos.
Há um temor ideológico de confundir cumprimento do dever com “entulho autoritário”. Assim, quem não age é qualificado como precavido enquanto o que enfrenta o problema passa a ser tido por “politicamente incorreto”. A omissão é hipocritamente camuflada com dúzias de dados estatísticos, sem qualquer serventia, a não ser a de revelar o sugestivo e esconder o essencial, como um biquíni proselitista.
Há mídias polarizadas à direita e á esquerda, comprometidas com o totalitarismo e com o esgarçamento do tecido social. Isso não é jornalismo e sim, proselitismo. Porém, não será pelo abuso praticado pelos proselitistas que a liberdade de imprensa deverá padecer. A melhor forma de lidar com o fenômeno da boçalidade é direcionar a luz sobre os boçais.
O que fazer
Chega! Não há nação que sobreviva afogada na criminalidade. Não há democracia que resista à violência impune e não há liberdade em uma sociedade assediada pelo crime.
O compromisso do jornalismo com a verdade dos fatos passa pelo resgate dos valores morais e éticos que sustentam o Estado Democrático de Direito. Essa relação traduz a própria liberdade de imprensa.
Resgatar o civismo, a moral, o respeito e a ética na imprensa nacional, é condição para resgatar o jornalismo.
Esse resgate passa pela rejeição aos ideologismos que viciam o relato dos fatos, aos interesses que corrompem a opinião e às paixões que cegam, invertem papéis e conferem à vilania ares de justiça.
Elemento orgânico da democracia, deve o jornalista diferenciar indivíduos de instituições, saber que a repressão policial ao crime não se dá por meio de flores, compreender que a vitimização é arma da marginalidade e que escolas, parques e comunidades carentes, constituem escudos humanos para a marginalidade.
Criminosos não são “vítimas” da ação policial e a autoridade do Estado exerce sua função sob o manto do dever legal.
Tratar como “suspeito” facínora apanhado em flagrante ou detido após intenso tiroteio com a polícia, e referir-se aos policiais vítimas de bandidos como “situação a apurar” ou “segundo a versão apresentada pela polícia”… não é jornalismo ético. Porém, é a prática nas principais redes de rádio e televisão, jornais e revistas brasileiros.
“Politicamente correto” e engajamento ideológico são monumentos hipócritas, erguidos em prejuízo da verdade dos fatos e da censura.
Resgatar a verdade, portanto, é atribuir à criminalidade e ao Estado, e não à “sociedade injusta”, o saldo trágico de mais de sessenta mil vidas perdidas em função de homicídios no Brasil.
A Lei e a Ordem existem não em benefício do Estado mas, sim, do cidadão. E isso muda tudo.
O compromisso do jornalista é orgânico. Preserva a liberdade de imprensa e de opinião. Para o bom profissional de imprensa, pouco importará se o personagem em tela na matéria jornalística for um cidadão exemplar ou um canalha. O foco é o fato, o objetivo é a verdade, a prerrogativa é a opinião.
Como disse Líbero Badaró, abusos precisam ser combatidos, mas não justifica a supressão da liberdade de imprensa.
Anexo:
O texto de Líbero Badaró, publicado no jornal Observatório Constitucional:
“(…) Terrível liberdade de imprensa, que clama a uns não matarás, a outros não prenderás, não substituirás o teu interesse ao dos mais; não te servirás de autoridade pública para satisfazer as tuas vinganças, não sacrificarás o teu dever ao poder!
Incapazes de resistir à evidência dos argumentos positivos sobre que se apoia a necessidade de imprensa, os amigos das trevas se vestem da capa da moral e do sossego público, apontam os abusos desta liberdade, a calúnia, a difamação, as provocações diárias, os achincalhes continuados, que tornam a vida um suplício.
É, meu Deus! Os abusos? E do que se não abusa neste mundo? Forte raciocínio!
E porque se abusa de uma qualquer cousa, já, já suprima-se? E aonde iríamos com estas supressões?
Um mau juiz abusa do seu ministério: suprima-se a magistratura; um mau sacerdote abusa da religião: suprima-se a religião; um mau marido abusa do matrimônio: suprima-se o matrimônio!
Forte raciocínio, dizemos outra vez! Suprimam-se os abusos que será melhor.
A lei contra os abusos existe; sirvam-se dela; e se não é boa, faça-se outra; e liberdade a todos de esclarecerem os legisladores, pela imprensa livre (…)”
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Política Criminal e Infraestrutura da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É Vice-Presidente da Associação Paulista de imprensa – API, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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