Na COP26, juventude brasileira faz pressão para a inclusão da educação climática no currículo das escolas de ensino básico
Por Liana Melo
“Se as estruturas sobre as quais a gente se sustenta não estão funcionando, precisamos mudar. Só que eu não vejo essa mudança acontecendo na forma e na velocidade que deveria”. A crítica de Paloma Costa, única integrante brasileira do Grupo Juvenil de Aconselhamento sobre Mudança Climática do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, não é uma opinião isolada sobre o resultado da Conferência do Clima, a COP26. O desejo de mudança se espalhou entre jovens líderes climáticos, que, como Paloma, disseram um basta à destruição do planeta. Pelo Twitter, Guterres impregnou de otimismo sua resposta à avaliação sobre o encontro em Glasgow, na Escócia: “Nunca desista. Nunca recue. Continue avançando. Eu estou contigo”.
Defensora da inclusão no currículo escolar da educação climática, Paloma usou a COP26 para engrossar o coro em prol do manifesto “Por uma Educação Climática no Ensino Básico Brasileiro”. Assinado por 12 estudantes de oito estados brasileiros, o documento foi fruto de uma parceria entre os movimentos Fridays for Future Brasil, liderado pela jovem ativista sueca Greta Thunberg, e Climate Reality Project Brasil, principal rede internacional de líderes climáticos, comandada por Al Gore, vencedor do Prêmio Nobel da Paz.
Para os signatários do manifesto, os estudantes brasileiros não devem ser preparados apenas para o vestibular e o mercado de trabalho. Eles estão conscientes e defendem que “no mundo atual, todo profissional tem relação com o clima, a diferença é se ele está trabalhando contra ou a favor”.
Mikaelle Farias, Marina Guião, Adriana Maffioletti, Luan Werneck e Gabriel Adami são jovens da Geração Z, ou Geração Greta, como a Unesco passou a se referir à juventude que aderiu ao movimento pelo clima. Os cinco estão entre os 12 signatários do manifesto que circulou em Glasgow e eles chegaram na Escócia com recursos arrecadados numa vaquinha feita na plataforma Welight. Imberbes e com algumas espinhas no rosto, sinais típicos da puberdade, o quinteto dividiu o mesmo quarto em um albergue, circulou pela COP26, entregou o manifesto na mão de políticos brasileiros, entre eles o governador João Doria (PSDB-SP) e, de volta ao Brasil, está de olho em Brasília.
“Estamos finalizando um projeto de lei para apresentar no Congresso, onde defendemos os princípios do nosso manifesto”, contou Mika, como Mikaelle é conhecida, acrescentando que, o próximo passo, será marcar uma audiência pública em Brasília. Aos 20 anos e cursando Administração. ela despertou para ativismo climático em resposta a inação do governo, quando, em 2019, um vazamento de petróleo impregnou o litoral brasileiro, numa extensão de 2 mil quilômetros, do Nordeste ao Sudeste do país. “As praias de João Pessoa ficaram inundadas de óleo”, lembra Mika, comentando que o derramamento atingiu sete praias da Paraíba. Ela esteve entre os voluntários que ajudaram na limpeza das praias.
“Estudei a vida inteira em um colégio onde fui ensinada sobre as organelas de uma célula, trigonometria, e todos os outros assuntos necessários para o vestibular. Porém, nunca ouvi sobre mudanças climáticas. Não é justo que jovens saiam da escola alheios à crise climática, não é junto com os alunos e também com a sociedade”, defendeu a jovem ativista Clara Barros Bueno, que, assim como Mika, também assinou o manifesto.
Para o ativista em educação, negritude e mudanças climáticas, Marcelo Rocha, que é um dos articuladores da versão brasileira do Friday for Future Brasil, é fundamental que a educação climática venha a fazer parte do currículo do ensino básico no país. E completa: “No Brasil não dá para se preocupar só com a questão da sustentabilidade. A carência social é muito forte”.
Paloma, por sua vez, defende não só mais ambição dos líderes globais, como “maior representatividade, para que seja possível dividir melhor a estrutura de governança” nas COPs. “Precisamos de espaços formais em que possamos segurar a caneta e tomar decisões, junto dos tomadores de decisão”, acrescenta Paloma, comentando a importância cada vez maior da juventude nesse movimento pelo clima.
Ainda que no Brasil a educação climática não faça parte do currículo oficial da educação básica, alguns projetos vêm sendo desenvolvidos por organizações não governamentais. O movimento Escolas pelo Clima, por exemplo, conecta educadores e disponibiliza conteúdos de educação climática, e é coordenada pela Reconectta, um negócio social que auxilia escolas na discussão sobre sustentabilidade. O projeto começou sem pretensão em plena pandemia e, ao final de um ano, conta com a participação de 250 escolas espalhadas pelo país, entre instituições públicas e privadas.
“A educação climática não pode ser empacotada e virar uma disciplina, como tantas outras. É um tema transversal”, defende Douglas Giglioti, coordenador nacional do movimento Escolas pelo Clima. Cerca de 100 escolas já estão na fila para aderir ao movimento em 2022, que exige das instituições o compromisso de desenvolver atividades escolares para engajar os alunos no tema. Os professores recebem mensalmente materiais. “Temos um modelo de engajamento empático com as diferentes realidades de escolas no país”, diz ele.
*Liana Melo – Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.
Fonte: Projeto Colabora
Publicação Ambiente Legal, 09/12/2021
Edição: Ana Alves Alencar
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