Um corredor conectaria 156 parques e outras unidades de conservação no estado. Seu traçado já ajuda na restauração
Por Aldem Bourscheit*
Primeira a topar com machados e serras de colonizadores d’além mar, a Mata Atlântica é hoje o bioma mais devastado do Brasil. Cerca de 90% de sua vegetação original já foi para as cucuias e a fragmentação do que resta é acelerada. Contudo, ainda é possível melhorar as chances da vida selvagem.
Cientistas vinculados a instituições no Brasil, Argentina, Noruega, Nova Zelândia e Inglaterra constataram que o desmate da Mata Atlântica desacelerou de 1986 e 2020. Ao mesmo tempo, o estudo do time mostra um bioma despedaçado, com 97% do que resta em frações com menos de 50 ha.
Essa fragmentação ambiental é um dos motores globais da extinção de espécies animais e vegetais, junto do corte de florestas, avanço da agropecuária, incêndios, poluição, caça e crise climática. Isso tudo pode implodir sistemas naturais e prejudicar as sociedades humanas.
Pois, ao menos no Rio de Janeiro é possível amenizar esse quadro ameaçador e facilitar a conservação da biodiversidade implantando um mega corredor ecológico entre 156 parques e outro tipos de unidades de conservação, ao longo do estado todo.
Os passos para a façanha foram demonstrados pelo engenheiro florestal Caio Alves da Costa Silva em seu mestrado junto ao Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, do ano passado.
Com largura de 30 m a 200 m, o corredor liga unidades de conservação com ao menos 50 ha, excetuando Áreas de Proteção Ambiental (APAs). O traçado pesou rodovias e ferrovias, lavouras e pastagens e porções que a lei exige em fazendas, as Áreas de Preservação Permanente e as Reservas Legais.
“Essas variáveis foram utilizadas na execução da modelagem computacional que gera os traçados de corredores com a menor ‘resistência’”, diz Caio Alves. Isso privilegiou o desenho do corredor, por exemplo, com áreas já preservadas e de baixo risco à fauna.
Ponto positivo para conectar a Mata Atlântica fluminense, “todas as larguras de corredores propostos contam com percentuais de áreas verdes que superam os 50%, chegando a atingir 64,1% no corredor de 30 m”, destaca o trabalho. O restante pode ser alvo de recuperação ambiental.
“A projeção de corredores já foi utilizada para projetos de restauração florestal de entidades civis, mas ainda não por órgãos públicos”, destaca Caio Alves.
Trilhos da restauração
A legislação, a ciência e a prática dizem que corredores ecológicos facilitam a movimentação de animais, sobretudo dos menores, a recuperação de áreas degradadas e a dispersão de sementes que renovam as matas. Funções não desprezíveis para manter a biodiversidade.
Nessa rota, a restauração de 530 ha em imóveis privados no interior do Rio de Janeiro conectará áreas como Reserva Biológica do Tinguá, Parque Nacional da Serra dos Órgãos, parques estaduais do Desengano e dos Três Picos e Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Refúgio do Bugio.
Parte do esforço é bancado por entidades civis como WWF-Brasil. Outros mais de 600 ha aguardam patrocínio para recuperação.
A vegetação nativa em recomposição nesses pontos também reforça a implantação do Caminho da Mata Atlântica, um trilhão de 4 mil km serpenteando pela Mata Atlântica das regiões Sudeste e Sul, do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Sul.
“A dissertação do Caio Alves é um dos principais estudos utilizados nas modelagens de áreas prioritárias de restauração florestal”, explica Chico Schnoor, geógrafo, educador ambiental e coordenador-geral do Caminho da Mata Atlântica.
Para restaurar mais áreas degradadas na Mata Atlântica, a iniciativa usa a “nucleação”, técnica que reduz pela metade a quantidade de mudas por hectare plantado-as em “ilhas”, com resultados em prazo similar.
Outro diferencial do trabalho é restaurar a vegetação de olho especialmente no retorno dos animais nativos e vendo as florestas e matas como grandes fontes de água, clima regulado, espaços de lazer e turismo e outros benefícios.
“Restaurações sem olhar para a fauna podem gerar ‘florestas vazias’”, lembra André Lanna, doutor em Ecologia e pesquisador no Instituto Caminho da Mata Atlântica.
Para evitar esses ambientes quase desprovidos de animais silvestres, são selecionadas espécies variadas de plantas, incluindo as que oferecem de alimentos a abrigos para a bicharada.
“Florestas com fauna acumulam mais carbono por ter maior densidade de madeira”, agrega Lanna. “Ao mesmo tempo, os grandes corredores ajudarão animais a fugir do calor excessivo provocado pela crise do clima”, destaca.
Comparando com áreas íntegras, até dentro de parques e outras unidades de conservação, as áreas em recomposição já abrigam e dão passagem a espécies como a cutia (Dasyprocta) e felinos como o jaguarundi (Puma yagouaroundi) e onça-parda (Puma concolor).
“É uma riqueza grande, até com espécies que já não apareciam”, constata Lanna.
Os corredores são valiosos igualmente conectando florestas do muito ameaçado muriqui-do-sul. As fêmeas migram com 6 anos para reproduzir e, sem rotas seguras, podem ficar isoladas, à mercê da caça e outros crimes. Assim crescem os riscos de extinção do maior primata americano.
O pacote da restauração florestal do Caminhos da Mata Atlântica usa, ainda, a educação ambiental para melhorar a convivência de moradores com os ambientes naturais, tenta reduzir ataques de cachorros domésticos a animais silvestres e incentiva o turismo e a agroecologia.
“Assim, a mata estará no coração das pessoas e, as pessoas, no coração da mata”, projeta Lanna.
*Aldem Bourscheit – Jornalista brasilo-luxemburguês cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agronegócio, Clima, Comunidades Indígenas e Tradicionais.
Fonte: O Eco
Publicação Ambiente Legal, 12/08/2024
Edição: Ana Alves Alencar
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