Deputado identifica interesses públicos e privados, diluídos nos poluentes acumulados na Lagoa
Por Sandra Porto Martins
especial para o Portal Ambiente Legal
Pressão popular para o fim do descaso ambiental em Carapicuíba
Após anos de indefinições, o grave caso envolvendo a poluição da Lagoa de Carapicuída, na Região Metropolitana de São Paulo, poderá tomar um novo rumo, no sentido de apurar responsabilidades e paralisar as atividades poluidoras que ali se processam. A Assembléia Legislativa de São Paulo terá oportunidade de cumprir com seu papel fiscalizador das atividades do executivo e adotar as providências devidas.
O relatório do deputado Isac Reis, PT, está pronto e será discutido na Comissão de Fiscalização e Finanças da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
O material tem como base a representação encaminhada à Casa, em 2013, pelo Departamento de Meio Ambiente do PTB/SP. A denúncia é que ao invés de proteger os interesses sociais, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), de 2010, firmado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, DAEE, CETESB, mineradoras e proprietários das terras, é quase um aval para a contínua e progressiva contaminação da Lagoa de Carapicuíba e de todo o seu entorno. O grupo de deputados deve emitir juízo mediante voto, podendo concordar com a manifestação do relator, opor-lhe restrições ou rejeitá-la.
Nessa história que vem acontecendo há 24 anos, a pressão da sociedade civil até hoje dispersa, pode ser decisiva.
No plano da Justiça, nada conseguiu impedir de forma definitiva a disposição na Lagoa, da lama resultante da obra de alargamento e aprofundamento da calha dos rios Tietê e Pinheiros, iniciada na década de 1990. Nenhum instrumento legal barrou o plano de ‘Recuperação Ambiental e Inserção Urbana da Região da Cava de Carapicuíba’, de março de 2011, determinado pelo TAC e com gestão da autarquia paulista DAEE. Nessas duas décadas, o processo Lagoa de Carapicuíba já incluiu: Inquérito Civil Público Federal de 2001, a Ação Civil Pública de responsabilidade por dano ambiental interposta pelo Ministério Público Federal, em 2003, Ação Civil Ordinária, de 2010, no Supremo Tribunal Federal, instauração de novo procedimento investigatório no âmbito da Procuradoria da República de São Paulo, em 2011, além da representação apresentada ao Procurador Geral da República e a petição de providências encaminhada ao Ministro Gilmar Mendes, de 2013.
Por fora bela viola, por dentro, pão bolorento
O fato é que há quase dois anos funciona na porção já aterrada da Lagoa de Carapicuíba o Parque Gabriel Chucre, inaugurado pelo governador Geraldo Alckmin e seu secretário de Meio Ambiente, Bruno Covas. Trata-se de uma área de 164 mil metros quadrados, projetada para atender a população da zona Oeste da região Metropolitana de São Paulo.
Algo em torno de 52 mil usuários sentam na grama, fazem suas refeições, brincam com suas crianças, tudo em cima de um terreno ‘selado por argila’, aparentemente inerte na superfície, porém, por baixo, formado por uma ‘mistura de terra com esgotos domésticos e industriais de origem orgânica, um conjunto de compostos não inertes, acumulados sem as devidas precauções, que podem contaminar áreas adjacentes pela lixiviação dos metais solubilizados, dizimar a vegetação de áreas circunvizinhas, intoxicar árvores, arbustos e plantas rasteiras’ e, por óbvio, expor a risco a incolumidade humana.
Diferente do que diz a CETESB, esta foi a constatação do Instituto Ambiental 21, de Santa Catarina, após análise do solo, efetuada a pedido do Ministério Público Federal, em 2002. Não bastasse essa situação, e porque outro ponto do TAC ainda não foi implementado, hoje o corpo d´água da Lagoa é alimentado por vários afluentes contaminados, graças à falta de obras de canalização e limpeza de córregos e do controle da poluição difusa, que deveria ser executada pela Sabesp.
Agora vale o exercício de colocar-se no lugar do outro. Vamos pensar como a população residente em Carapicuíba convive com esta enorme obra de engenharia, que deverá se estender até o ano 2021, de acordo com a proposta do DAEE de ‘recuperação ambiental’?
Imagine o fluxo diário de caminhões, verdadeiro cortejo de rabecões, pois transportam partes de rios mortos. A poluição sonora. A poluição atmosférica pela queima de combustível fóssil. A nuvem de poeira proveniente do material contaminado derramado nas ruas e a consequente inalação destes contaminantes.
Às margens da Lagoa, praticamente dentro do parque, vivem 272 famílias remanescentes do lixão desativado que funcionava ali. Estas pessoas habitam moradias improvisadas e lançam o esgoto de seus lares diretamente na Lagoa. A criançada brinca em chão de terra, junto com galinhas que ciscam por todos os lados, principalmente próximo da montanha de sacolinhas com lixo, onde os moradores depositam o material a ser coletado pela Prefeitura. Todos aguardam o cumprimento de outro ponto do TAC: a transferência para conjuntos habitacionais construídos pelo Governo paulista.
Há anos os moradores da cidade de Carapicuíba convivem com este cenário e estão expostos a compostos persistentes no ambiente, de caráter bioacumulativo e responsáveis por sérios riscos à saúde.
No entanto, de acordo com a assessoria de imprensa da CETESB: ‘A disposição do material na Lagoa ocorre sem ônus para o Poder Público, o que representa uma economia de aproximadamente R$ 150 milhões ao longo da utilização da área’. O ‘ônus’ da operação não atinge só aos moradores da cidade de Carapicuíba, uma partícula de poeira não fica restrita na área onde é gerada. Ela avança sobre todos nós ao sabor dos ventos!
O que pede o relator da Comissão de Fiscalização e Controle
Conheça as 10 providências sugeridas à Comissão pelo Relatório do Deputado Isac Reis:
1. Encaminhar o Relatório ao Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, para que o Ministério Público Federal apure a conduta das autarquias paulistas DAEE e CETESB, das mineradoras que operaram na área e dos proprietários da terra, para a efetiva reparação do dano ambiental, imediata paralização da atividade de descarte de resíduos no local e responsabilização dos poluidores.
2. Solicitar que o Procurador Geral de Justiça de São Paulo, Márcio Elias Rosa, esclareça à Comissão se o TAC foi analisado pelo Conselho Superior do Ministério Público paulista, se foi ratificado nos termos das normas de regência aplicáveis e se houve apuração da conduta do Promotor Público Marcos Mendes Lyra, responsável pela assinatura do instrumento, já que o acordo admite como ‘recuperação’, a disposição de material com risco contaminante na área, além de promover verdadeiro negócio lucrativo justamente para os responsáveis pela recuperação da lagoa, isentando o Governo do Estado de São Paulo de qualquer pagamento pelo descarte de material comprovadamente não inerte e contaminado, na Lagoa.
3. Convidar os técnicos da CETESB para prestar os devidos esclarecimentos à Comissão sobre a ‘alteração/adequação’ dos critérios de contaminantes, manobra que permitiu o descarte de material não inerte no local.
4. Convidar o representante do grupo de mineradores e proprietários da área a fim de cobrar providências quanto a recuperação da área degradada na forma proposta pela Ação Civil Pública: ‘plano de recuperação da Lagoa de Carapicuíba e adjacências atingidas a fim de depurar e limpar as águas da Lagoa e recompor as condições primitivas do solo atingido, bem como dos corpos d’água superficiais e subterrâneos, remoção do lixo e recomposição dos ecossistemas interdependentes que existiam no local’.
5. Representar o Conselho Nacional do Ministério Público para que analise os fatos e, se entender necessário, apure a conduta dos promotores de Justiça envolvidos, bem como determine a anulação imediata do TAC e do contrato de administração da operação com a empresa Fral Consultoria, firmado antes de procedimento licitatório.
Os próximos cinco tópicos têm caráter de urgência:
6. Enviar cópia do relatório e solicitar: a paralisação da operação de descarte indiscriminado de material e uma audiência com o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, para que a Comissão fique a par das providências já tomadas por ele.
7. Em atendimento ao Princípio da preservação, comunicar o Presidente da CETESB, Otavio Okano, para que determine o embargo imediato da atividade de disposição irregular dos resíduos, dada a ausência de controle ambiental sobre o material depositado na área da Lagoa.
8. Comunicar o Presidente do IBAMA, Volney Zanardi Júnior, também motivado pelo Princípio da preservação, para que determine o embargo imediato da atividade de disposição irregular dos resíduos.
9. Oficiar o Superintendente da Polícia Federal no Estado de São Paulo, Roberto Ciciliati Troncon Filho, para que determine diligência da Polícia Federal até a área da Lagoa a fim de investigar o teor das atividades que ali se realizam, não só por conta dos aspectos ambientais, mas também pela manifesta distorção de finalidade que se refere às concessões de lavra emitidas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral. Hoje as mineradoras negociam a disposição dos resíduos na área de mineração, sem controle ambiental efetivo.
10. Comunicar oficialmente o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e o Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema), ambos ligados ao Ministério Público de São Paulo, para que investiguem as relações desenvolvidas por conta da disposição dos resíduos na área da Lagoa de Carapicuíba, não só no que se refere ao comércio irregular de aterro, como também, o patente descontrole territorial que ocorre no entorno da Lagoa, permitindo que ali se desenvolvam atividades ilícitas de toda ordem – desde prostituição infantil a tráfico de drogas. Importante que o Gaeco examine o teor do processo entre as mineradoras e o DAEE na Câmara de Arbitragem da Fiesp – pois há clara confusão entre os interesses público e privado de ordem comercial.
Quem compõe a comissão da Assembleia
A Comissão de Fiscalização e Controle da Assembleia Legislativa tem atribuição constitucional de fiscalizar os atos da administração direta e indireta do Estado e das empresas concessionárias de serviços públicos, nos termos da legislação pertinente, em especial para verificar a regularidade, eficiência e eficácia de seus órgãos no cumprimento dos objetivos institucionais, assim como opinar sobre proposições relativas à tomada de contas do Governador.
A Comissão já procedeu à inclusão na pauta da próxima reunião, dia 21 de maio, a discussão sobre o Relatório da Lagoa de Carapicuíba, preparado pelo Deputado Isac Reis.
São membros da Comissão os seguintes deputados: Célia Leão – cleao@al.sp.gov.br, Roberto Engler – rengler@al.sp.gov.br, Roberto Massafera – rmassafera@al.sp.gov.br (PSDB); Isac Reis – isacreis@al.sp.gov.br e Luiz Moura – luizmoura@al.sp.gov.br (PT); Milton Leite Filho – mleite@al.sp.gov.br (DEM); Edson Ferrarini – eferrarini@al.sp.gov.br (PTB); Roberto Morais – rmorais@al.sp.gov.br (PPS); Ed Thomas – edthomas@al.sp.gov.br (PSB); Jorge Caruso – jcaruso@al.sp.gov.br (PMDB); Rodrigo Moraes – deputadorodrigomoraes@al.sp.gov.br (PSC).
Para saber mais sobre o caso:
Revista Ambiente Legal: Edição de 13/3/2013
Lagoa de Carapicuíba – Interesses públicos e privados produzem ficção jurídica e agravam desastre ambiental…
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Temos que tomar pé da situação, mesmo a força.