Há anos que o geofísico e professor Heitor Evangelista pesquisa os corais do Parque Nacional dos Abrolhos, na Bahia. Com as informações químicas contidas no esqueleto das espécies lá existentes, ajuda a recontar a história do ecossistema marinho local, como a temperatura da água ao longo do tempo.
“Os corais são organismos que à medida que vão crescendo, formam um esqueleto, que vai sendo empilhado. O tecido que forma o coral é milimétrico, tudo que tem dentro é esqueleto. Se você cortá-lo, vai ver as camadas. Cada uma dessas representa um ano de crescimento”, explica Evangelista.
“À medida que vai crescendo, vai guardando informações da coluna d’água. Tudo que acontece na água, deixa um registro nos esqueletos. O coral é um monitor, um bioindicador, das coisas que acontecem, com a vantagem de que vai guardando ano a ano essas informações, e nós podemos, através de analises químicas, resgatar essa informação do passado.”
Até que, em novembro de 2015, a barragem do Fundão se rompeu em Mariana (MG), os rejeitos de minério ocuparam o Rio Doce por 500 km, até a foz, na cidade de Regência, no Espírito Santo, quando invadiu o mar em forma de uma pluma marrom. Ela se estendeu por quilômetros Atlântico adentro e a grande dúvida era se iria chegar a Abrolhos, a arquipélago no litoral sul da Bahia, a 250 km de distância da foz.
“Quando ocorreu esse desastre, vi que a técnica que utilizavam era perfeita para responder a pergunta”, conta o geofísico, que é criador do projeto Abrolhos Sky Watch. “Quando olha uma imagem de satélite, ele te dá uma informação visual de onde está o limite da pluma de rejeitos. Mas nem tudo é o que você vê.”
Alguns desses elementos contidos na lama que chegou à foz são formados por partículas muito pequenas, que solubilizam na água, e se espalham pelo mar, sendo carregados pelas correntes. Se, em algum momento, alguma dessas pequenas partículas chegar até os corais, isso vai ficar registrado nas linhas de crescimento de seus esqueletos.
“E não deu outra. Cerca de três meses após a chegada dos rejeitos da Samarco na foz, observamos um aumento correspondente de metais pesados que essa lama carregou”, lembra Evangelista. “É uma prova de que parte daquele material, invisível, chegou. A água em Abrolhos continua transparente, mas tem materiais mais finos, solúveis que chegam até lá e, ao chegar, foram incorporados pelos organismos.”
Os pesquisadores mediram a concentração de 46 elementos químicos nos corais, sendo que alguns, como zinco, cobre, lantânio e cério, tiveram um pico pouco após a chegada da lama. “Esses materiais provavelmente estavam na calha do Rio Doce, e, quando veio a lama, arrastou tudo. Foi como se fosse uma de onda de choque, que levou esse material rapidamente até Abrolhos”, diz o cientista. “Já outros elementos aumentaram constantemente após a chegada da pluma, como o arsênio.”
E agora?
A ciência, no entanto, não sabe precisar exatamente quais são as consequências do aumento desses elementos químicos na vida dos corais. Existem trabalhos na literatura sobre desastres com cobre e lantânio em outros lugares, como Indonésia, mas são outros organismos, outras espécies de corais, que vivem em condições diferentes. Só mesmo o trabalho sistemático de monitoramento pode revelar que acontece.
“É possível dizer que houve um impacto, alguns elementos ainda estão aumentando sistematicamente. As quantidades não são grandes, para poder dizer que é um desastre. Mas, mesmo essas quantidades pequenas, a gente não sabe exatamente que efeitos pode ter”, explica.
O risco é que o frágil equilíbrio ecológico que favorece a formação de corais seja afetada, como, por exemplo, com a proliferação de um outro organismo nocivo. “Não só em Abrolhos, mas no mundo inteiro, todos os corais estão sob grande pressão em virtude do aquecimento da água dos oceanos”, lembra Evangelista. “Quando introduz um novo poluente, você coloca um outro elemento que pode deixar o coral mais sensível ainda.”
O relatório foi encaminhado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO), órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, e vai integrar os autos da multa ambiental aplicada à Samarco.
Fonte: Revista Galileu via Ambiente Brasil