AUTONOMIA MUNICIPAL E A EXIGÊNCIA DE PLANO DIRETOR PARA PEQUENOS MUNICÍPIOS
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Desde a primeira constituição da independência, em 1824, os municípios brasileiros tiveram sua autonomia reconhecida, herdada do período colonial, que conferia às câmaras municipais jurisdição administrativa, sanitária e territorial e, até mesmo, atribuição judiciária.
As Câmaras Municipais palmilharam cada passo da exploração e interiorização do colonizador português e dos bandeirantes, expandindo nossa fronteira, desde o início do século 16.
Conquistada a independência, a Carta Imperial de 1824 concedia autonomia sem restrições aos municípios, estabelecendo, em seus dispositivos, as linhas mestras de sua organização.
A República, no entanto, pela necessidade de alinhar nossa conformação político-territorial com o modelo republicano norte-americano que inspirara o movimento, interviu fortemente na autonomia dos municípios brasileiros, retirando-lhes capacidade de gerir a justiça, o poder de polícia territorial, o controle sanitário, bem como limitando a ação das câmaras municipais na sua gestão.
As Constituições da República, de 1891 até o final do período da chamada ditadura militar, em 1985, asseguraram uma relativa autonomia aos municípios, conferindo-lhes competência “peculiar” (por exclusão) para legislar sobre o uso e ocupação do solo. Transferiu-se aos estados federados a iniciativa de legislar sobre a estrutura orgânica municipal.
Com a Nova República e o restabelecimento da democracia, no final dos anos 80 do século passado, os municípios brasileiros, em peso, buscaram o resgate histórico de sua autonomia, o que foi obtido, não sem muita luta e articulação, no ambiente da Assembleia Nacional Constituinte, com a Carta de 1988.
O advento da Constituição de 1988 pôs fim ao quase secular dilema dicotômico federativo. A Carta dispôs os municípios, expressamente, como unidades que compõem a República Federativa do Brasil, indissoluvelmente unidos aos estados e ao Distrito Federal, par e passo com esses entes, todos autônomos, o que jamais havia ocorrido nos diplomas anteriores.
A partir de então se renovou o princípio constitucional da autonomia municipal, determinando a nova Carta que o município será regido por lei orgânica própria, aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, a qual deverá observar os princípios estabelecidos na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, possuindo, outrossim, competência legislativa para assuntos de interesse local, além de suplementar a legislação federal e estadual no que couber, e gerir o regime de uso de seu solo, entre outras atribuições.
A autonomia dos municípios está, agora, na base do nosso regime republicano e comparece como um dos mais importantes e transcendentais princípios do nosso direito público, constituindo o cerne do Estado Democrático de Direito.
No entanto, de algum tempo para cá, em especial após o advento do Estatuto da Cidade, Lei Federal 10.257/2001, a autonomia municipal vem sendo posta em risco por setores mais precipitados do Ministério Público Brasileiro, os quais, a pretexto de contribuir com um melhor ordenamento territorial em cidades pequenas, vem exigindo, por meio de recomendações ou no bojo de Termos de Ajuste de Conduta, a feitura de Planos Diretores Participativos, em municípios que sequer contam com habitantes em número equivalente ás laudas do marco legal pretendido…
O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal é obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, É o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana, conforme estabelece o artigo 182 da Constituição Federal.
Embora não haja obrigatoriedade para um município com menos de vinte mil habitantes estabelecer um Plano Diretor, não há proibição para que venha a ter um, desde que assim se entenda necessário no âmbito da organização política e social local.
Por outro lado, isso não autoriza órgão responsável pela fiscalização da lei e tutela dos interesses difusos e coletivos, “obrigar” uma municipalidade a se submeter a um Plano Diretor, pois perfeitamente factível que se proceda ao ordenamento do solo por meio de outros instrumentos legais mais adequados ao tamanho e condição socioeconômica aferidos pela autoridade local.
Assim, se por um lado há a conquista da autonomia municipal, há que se evitar que esta autonomia possa ser engessada por força de exigências apostas num marco legal cujo peso é absolutamente desproporcional à demanda do território ao qual se aplica.
Essa autonomia, por outro lado, também não poderá ser maculada por um entendimento “politicamente correto” ainda que fruto de entendimento mútuo entre governo local e Ministério Público, acordado em termo de ajustamento de conduta ou tenha seu cumprimento “justificado” por mera obediência a uma “recomendação” ministerial. Nesse caso, é perfeitamente legitimada a impugnação de todo o processo, incluso o legislativo, por qualquer cidadão – por meio de Ação Popular, ou mesmo por organização da sociedade civil legitimada a propor Ação Civil Pública.