Diversos casos estranhos de aprovação de valores astronômicos para projetos pífios ou de repasses que acabam sendo uma forma de bancar patrocínio privado com dinheiro público.
Por Nadir Tarabori
Entenda o que é a Lei Rouanet
A Lei Federal de Incentivo à Cultura Nº 8.313, conhecida como Lei Rouanet, foi assim batizada por causa do então ministro da Cultura Sérgio Paulo.
Criada durante o governo Collor, desde 1991, é o principal mecanismo de financiamento e incentivo à cultura do país.
Foi o instrumento encontrado pelo governo para ampliar os investimentos na área cultural no país, cujo objetivo é promover, proteger e valorizar as expressões culturais nacionais por meio de incentivos fiscais.
A ideia da lei é de assegurar e conservar o patrimônio histórico e artístico no país por meio do estímulo à difusão da cultura brasileira e da diversidade regional e etnocultural.
Na prática, assegura benefícios às empresas e pessoas que aplicarem uma parte do Imposto de Renda (IR) em ações culturais.
Através de renúncia fiscal, empresas públicas e privadas e pessoas físicas podem patrocinar projetos culturais e receberem o valor em forma de desconto no imposto de renda. Ou seja, os cofres públicos deixam de receber parte daquele dinheiro em troca de um patrocínio.
Para que uma pessoa ou empresa possa doar, no entanto, o projeto visado precisa antes ser aprovado pelo Ministério da Cultura (MinC).
O incentivo deveria englobar toda a produção, a distribuição e o acesso aos produtos culturais, incluindo a produção de CDs e DVDs, espetáculos musicais, teatrais, de dança, filmes e obras de audiovisual, exposições e livros nas áreas de ciências humanas, artes, imprensa, revistas, cursos e oficinas culturais.
E é nesse ponto que as coisas se perdem entre diversos casos estranhos de aprovação de valores astronômicos para projetos pífios ou de repasses que acabam sendo uma forma de bancar patrocínio privado com dinheiro público.
Distribuição política das verbas.
Uma lei que nasceu bem intencionada, com o passar do tempo foi sendo desvirtuada em sua finalidade, concentrando a distribuição de verbas de forma política e destinando-a a “artistas” que interessam ao governo por atuarem como “garotos (as) propaganda camuflados”.
O incentivo a cultura cuja proposta inicial era de financiar projetos de novos artistas e novas manifestações culturais, passou a ser destinado apenas a “pseudo” artistas que levam milhões de reais e outros artistas já consagrados, que não precisariam da Lei mas que estão recebendo grandes fortunas.
Para apoiar o partido do governo e outros de esquerda, artistas consagradíssimos e até políticos estão mamando nas tetas do Estado através da lei Rouanet, com projetos sem relevância artística e cultural.
Por motivos políticos: em 2014, o MinC recusou um projeto de um documentário sobre o ex-governador paulista tucano Mário Covas, por conta do ano eleitoral. Mesmo assim, em 2006, outro ano eleitoral, dois projetos sobre Leonel Brizola foram aprovados. E o pior: ambos receberam uma verba milionária de estatais.
Muitos diriam que se Aécio, Marina, Pr. Everaldo, ou quem quer que seja ganhasse a eleição, Chico Buarque continuaria recebendo dinheiro da Lei Rouanet (enquanto ela estiver em vigor), se seus shows atraíssem visibilidade às marcas que aceitassem patrociná-lo.
MENTIRA. As marcas e empresas patrocinam a “cultura” pelo incentivo fiscal na forma dos descontos integrais com que são agraciados e não por que terão alguma visibilidade no mercado.
Artistas e projetos de apelo popular não precisam desse incentivo legal pois a notoriedade lhes confere forte apelo popular viabilizando o retorno pela bilheteria.
Inversamente ao objetivo da lei, são poucos os projetos de artistas desconhecidos, mas que possuem contribuição efetiva à cultura.
Dentre as destinações políticas a artistas consagrados, há outras que segundo o sitio spotnick.com são, no mínimo, bizarras:
1) O VILÃO DA REPÚBLICA – R$ 1,5 MILHÃO
Produção: Tangerina Entretenimento Ltda.
Valor aprovado: R$ 1.526.536,35
Tipo: Filme
Ano: 2013
“O Vilão da República” é um documentário que contará a história e a vida de José Dirceu, desde sua participação em movimento guerrilheiros, passando por sua história pela via partidária até a sua condenação a 10 anos e 10 meses de cadeia por corrupção, em 2012.
2) DVD DE MC GUIMÊ – R$ 516 MIL
Produção: Maximo Produtora Editora e Gravadora Ltda
Valor aprovado: R$ 516.550,00
Tipo: DVD musical
Ano: 2015
O funkeiro MC Guimê, apesar de faturar, segundo estimativas, R$ 300 mil por mês, foi autorizado a captar R$ 516 mil para a produção de um DVD, que será gravado durante um show na cidade de São Paulo. A filmagem será distribuída em 3 mil discos, dos quais 80% serão vendidos pelo preço de R$ 29. Da apresentação musical, 40% dos ingressos serão distribuídos gratuitamente, 40% serão vendido pelo preço de R$ 50 e o restante será divido entre os patrocinadores e a população de baixa renda.
3) O MUNDO PRECISA DE POESIA – R$ 1,3 MILHÃO
Lei Rouanet – Um meio legalizado de desvio de verbas pblicas
Produção: Maria Bethânia
Valor aprovado 1.356.858,00
Tipo: Blog
Ano: 2011
Possivelmente um dos blogs mais caros do mundo, “O Mundo Precisa de Poesia” tinha a intenção de levar diariamente uma nova poesia, lida em vídeo, por Maria Bethânia durante um ano. Para a execução desse projeto, o Ministério da Cultura aprovou a captação de até R$ 1,35 milhão em verbas através da Lei Rouanet, mas após as críticas, a cantora desistiu da produção.
4) TURNÊ LUAN SANTANA: NOSSO TEMPO É HOJE PARTE II – R$ 4,1 MILHÕES
Produção: L S Music Produções Artísticas Ltda (Luan Santana)
Valor aprovado: R$ 4.143.325,00
Tipo: Shows ao vivo
Ano: 2014
Apesar da Lei Rouanet ter sido criada com o intuito de auxiliar artista menores com pouca visibilidade, na prática as coisas funcionam um pouco diferente.
Em 2014, o Ministério da Cultura aprovou um incentivo de 4,1 Os 12 projetos mais bizarros aprovados pela Lei Rouanet – milhões para a realização de uma turnê de Luan Santana em diversas cidades do país, dos 4,6 milhões solicitados pela equipe do cantor. Entre as justificativas para aprovação, o Ministério alegou “democratizar a cultura” e “difundir raiz sertaneja pela música romântica”.
5) TURNÊ DETONAUTAS – R$ 1 MILHÃO
Lei Rouanet – Um meio legalizado de desvio de verbas pblicas
Produção: Detonautas Roque Clube
Valor aprovado: R$ 1.086.214,40
Tipo: Shows ao vivo
Ano: 2013
Assim como Luan Santana, o grupo Detonautas Roque Clube, liderado por Tico Santa Cruz, é outro artista famoso na lista. A aprovação do Ministério da Cultura foi para a captação de 1 milhão de reais em recursos, para a realização de uma turnê em 25 cidade do país. Em meio a polêmicas por conta do valor destinado a uma banda reconhecida nacionalmente, o projeto não chegou a captar nenhum valor de fato.
6) SHOWS CLÁUDIA LEITTE – R$ 5,8 MILHÕES
Produção: Produtora Ciel LTDA
Valor aprovado: R$ 5.883.100,00
Tipo: Shows ao vivo
Ano: 2013
Outro famoso autorizado a captar recursos pelo Mecenato do Ministério da Cultura, Cláudia Leitte foi aprovada para captar quase R$ 6 milhões pelo programa para a realização de 12 shows em cidades das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste em 2013. Em meio a críticas, a cantora acabou recebendo “somente” 1,2 milhão de reais em apoio. E os escândalos em torno desse projeto não assustam só pelo valores: segundo o jornal O Dia relatou na época, a produtora Ciel possuía diversas dívidas, assim como outras empresas da cantora, que teria montado um esquema com diversos CNPJs para conseguir a aprovação do MinC para a captação de verbas.
7) FILME BRIZOLA, TEMPOS DE LUTA E EXPOSIÇÃO UM BRASILEIRO CHAMADO BRIZOLA – R$ 1,9 MILHÃO
Produção: Extensão Comunicação e Marketing Ltda
Valor aprovado: R$ 1.886.800,38
Tipo: Exposição e Filme
Ano: 2006
Ao mesmo tempo que negou o patrocínio ao filme sobre Mário Covas, citado no início do texto, por motivos de proximidade das eleições, o Ministério da Cultura aprovou, em 2006, ano de eleição, dois projeto sobre a vida de Leonel Brizola, histórico militante do PTB, conduzido pela Extensão Comunicação e Marketing, que somam 1,88 milhão de reais. Desse valor, “somente” R$ 1.052.100 foram efetivamente captados. Entre as empresas que apoiaram financeiramente o projeto estão a estatais Petrobras (R$ 592 mil), Eletrobras (R$ 300 mil) e CEEE (R$ 50 mil).
8) PEPPA PIG – R$ 1,7 MILHÃO
Produção: Exim Character Licenciamento e Marketing Ltda
Valor aprovado: R$ 1.772.320,00
Tipo: Teatro infantil
Ano: 2014
Até mesmo a porquinha britânica está na lista dos aprovados para captar recursos da lei. Mesmo sendo personagem de um do desenhos mais famosos da TV por assinatura, o espetáculo “Peppa Pig” foi autorizado pelo Ministério da Cultura a captar quase 1,8 milhão de reais em recursos. E não pense que é uma obra de caridade: segundo a ficha apresentada pelos produtores, apenas 10% dos ingressos serão distribuídos gratuitamente.
9) CONCERTOS APROVADOS SEM O CONHECIMENTO DO MAESTRO JOÃO CARLOS MARTINS: R$ 25 MILHÕES
Produção: Rannavi Projeto e Marketing Cultural
Valor aprovado: R$ 25.319.712,98
Tipo: Concerto musical
Ano: 2013
Já pensou ser aprovado para receber mais de 25 milhões de reais sem precisar mover um dedo para isso? Foi o que aconteceu com o maestro João Carlos Martins, em 2013.
Em novembro daquele ano, dois projetos envolvendo o músico foram aprovados para captarem um valor total de R$ 25,3 milhões pelo Ministério da Cultura. A Folha de São Paulo percebeu a aprovação e entrou em contato com o músico para saber maiores detalhes da apresentações. Foi só então que maestro descobriu que tinha sido aprovado para uma captação de recursos através da Lei Rouanet, a qual ele não havia solicitado. Diante da situação embaraçosa, o maestro solicitou o cancelamento da captação de recursos junto ao órgão. Mais tarde, investigações mostraram que a empresa solicitante, Rannavi Projeto e Marketing Cultural, havia feito o pedido sem o consentimento do maestro. A empresa também possuía dados duvidosos e não havia repassado documentos que comprovassem a sua relação com os projetos do maestro e com outros dois projetos solicitados ao MinC.
10) PAINEL ARTÍSTICO CLUB A SÃO PAULO – R$ 5,7 MILHÕES
Produção: ZKT Restaurante, Bar, Teatro, Buffet e Eventos Ltda
(Club A)
Valor aprovado: R$ 5.714.399,96
Tipo: Música “Popular”
Ano: 2013
Outra bizarrice aprovada em 2013 pelo Ministério da Cultura, conforme noticia a Veja SP: 5,7 milhões de reais para a realização de “um painel artístico de difusão cultural nos segmentos da música, dança e artes cênicas” no Club A, em São Paulo. O clube da elite paulistana, que tem como ex-sócio Amaury Jr., faria uma lista com pessoas selecionadas para participar do evento. Quem não tivesse o nome na lista precisaria pagar R$ 160 para entrar. Ironicamente, o projeto caríssimo e requintado da casa foi aprovado no segmento “Música Popular” para captar até 5,7 milhões de reais para a realização do painel, mas nenhum valor foi de fato captado pelos organizadores.
11) SHREK, O MUSICAL E TURNÊ – R$ 17,8 MILHÕES
Produção: Kabuki Produções Artísticas Ltda
Valor aprovado: R$ 17.878.740,00
Tipo: Teatro
Ano: 2011 e 2012
A produção acima custou R$ 11,3 milhões – a captação de recurso não atingiu o limite aprovado. Se a foto já deixa algumas dúvida sobre a recepção da peça pelo público, a crítica especializada confirma algumas expectativas: o espetáculo recebeu a nota mínima, 1 de 5, na Veja SP. E, apesar do aporte multimilionário, os ingressos para a peça do ogro não saíram de graça, chegando a custar R$ 180 por pessoa.
12) CIRQUE DU SOLEIL – R$ 9,4 MILHÕES
Produção: T4F Entretenimento S. A
Valor aprovado: R$ 9.400.450,00
Tipo: Teatro
Ano: 2005
Durante sua passagem pelo Brasil em 2005, o canadense Cirque Du Soleil, maior produtor teatral do mundo, foi aprovado para captar até R$ 9,4 milhões em recursos através da Rouanet. O valor foi quase totalmente captado e recebeu aporte de empresas como Bradesco e Gol, que depois puderam solicitar o valor como desconto no pagamento de impostos, segundo o funcionamento da Lei. O problema: estas empresas também fizeram marketing e colocaram sua marca nos kits de divulgação do evento e em algumas partes do espetáculo. O valor aprovado pelo MinC também é questionável quando levado em conta o preço dos ingressos, que chegavam a custar mais que o salário-mínimo da época. No final, o seu dinheiro foi indiretamente utilizado para financiar um patrocínio privado e um dos espetáculos circenses mais caros do mundo. Que você também teria que pagar, caso quisesse assistir.
ENFIM, deixe seu comentário. A Lei Rouanet é ou não é um meio legalizado de desvio de verbas públicas?
Fonte: JusBrasil
Nadir Tarabori – Consultor Legal – Direito Estratégico. Formado pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie – Membro Efetivo da Comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo – Mestrado em Ciências Penais pela Université Paris – Panthéon – Sorbone.