Porque o Ministro do Meio Ambiente capitulou quixotescamente na batalha contra os moinhos de vento do agronegócio….
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
A entourage ambientalista bem que tentou… mas o governo capitulou.
Como Don Quixote rodeado de Sanchos-Pança, o Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, idealizou nos moinhos de vento – na verdade turbinas de energia eólica que vira no litoral do nordeste – o grande dragão do agronegócio. Supôs que o dragão pretendia devorar o instituto do licenciamento ambiental (extirpando-o da legislação brasileira). Investiu contra o monstro imaginário e… perdeu a batalha.
Incensado pela platéia de figurinhas públicas e privadas (algumas bastante carimbadas), do mundinho ecologista, o Ministro, primeiro, acenou com mudanças no processo de licenciamento ambiental, anunciando que iria apresentar nova proposta de marco legal em nome do Governo; depois, entendeu de formular um documento propondo alterações radicais no substitutivo – elaborado pelo Deputado Mauro Pereira (PMDB-RS), na Comissão de Finanças e Tributação, ao antigo PL 3729/2004, já em curso na Câmara Federal. Em seguida, o ministro tratou de articular junto ao Ministério Público Federal e ambientalistas obcecados pela burocracia, um ofício “redentor”, dirigido ao Presidente da República, onde solicitava que o governo orientasse sua base para paralisar a votação do Substitutivo do referido PL.
Observando que suas ações não resultaram, pelo contrário, estavam periclitando a própria manutenção do cargo de ministro, Sarney Filho desistiu de atacar frontalmente o substitutivo do Deputado Mauro Pereira na Câmara Federal, parecendo aderir à forte “onda em favor da agricultura” no Brasil.
O Ministério do Meio Ambiente, agora, anuncia que está “chegando a um acordo” para um texto que agrade a todos os lados, na Câmara Federal.
Declarou Sarney Filho ao Canal Rural: “acredito que a gente vai encontrar uma fórmula consensual e, se conseguirmos isso, vai ser um grande avanço. O deputado Mauro Pereira é autor do substitutivo. Portanto tem toda a autonomia para mexer nele”…
Vamos traduzir: “O projeto ruralista nos venceu e, portanto, antes que sejamos exterminados, vamos negociar uma capitulação”…
Não há argumentos contra os fatos
Sarney, na verdade, entregou os pontos. Percebeu que seu próprio cargo estava por um fio e recuou ante o substitutivo apresentado pelo deputado Mauro Ferreira.
Embora ainda ensaie alguma resistência, e conte com um apoio retórico da bancada ambientalista na Câmara Federal, o fato é que Sarney e os ongueiros que o cercam perderam argumentos ante a dura realidade dos fatos históricos, econômicos e sociais, que formam o quadro hermenêutico das legislações e moldam o seu escopo exegético.
Primeiro, não é possível negar a funcionalidade econômica do licenciamento ambiental. Se por um lado ele não pode se traduzir em uma autorização gratuita para destruir, de outro lado, ele diz a que vem quando confere suporte à atividade econômica e segurança jurídica aos investimentos. Sem isso, ele não se justifica como instituto.
Dois elementos essenciais – empreendedor e licenciador; um ator importante – o stakeholder; três questões a serem respondidas – o que, onde e como; três pressupostos territoriais – mapeamento, planejamento e ordenamento; e quatro exercícios embutidos na resposta- previsão, prevenção, mitigação e compensação. Disso se compõe a licença ambiental.
Nessa composição, o problema é que o governo leva nota ZERO. Não define o licenciador, não respeita o empreendedor, não compreende ou teme o stakeholder, ignora o que, não sabe onde e muto menos como, não cumpre com sua lição de casa essencial, que é mapear, planejar e ordenar, e se perde escalafobeticamente nos critérios quando o assunto é prever, prevenir, mitigar e compensar…
Por outro lado, a economia (e como dizia Bill Clinton, “é a economia, idiota”…), não há proselitismo natureba que impeça a ação determinante do fator econômico.
Por isso mesmo, chega a ser ridículo o debate biocentrista desenvolvido contra a iniciativa de dinamização do instituto do licenciamento ambiental, no momento em que a participação da indústria no PIB brasileiro atingiu 11%, o índice mais baixo desde 1947, a agricultura tornou-se a única tábua de salvação da economia brasileira e a soberania do país encontra-se sob risco, por não haver infraestrutura que a suporte ou superestruturas que saibam administrar o Estado.
Por tudo isso, pode-se dizer que o périplo de Sarney Filho contra “o agronegócio” e os “empreendedores”, já havia passado de todos os limites.
Batalhas perdidas em uma guerra injusta
Este articulista tem mesmo tentado acompanhar o debate sobre a lei geral de licenciamento ambiental como faria o grande Raymond Aron, filósofo, sociólogo e comentarista político francês: no papel de um expectador engajado.
Mas é preciso confessar que tem sido muito difícil suportar o ostracismo, tamanho o volume de bobagens produzidas na mídia, nos debates em torno do processo legislativo e na formulação governamental de uma proposta alternativa à que tramita no Congresso Nacional.
De fato, o debate produzido no cenário nacional é pobre, medíocre e imbecilizado. Envolve entidades que padecem de autismo – a ponto de usarem o termo verde no direito que pretendem para o planeta, justamente por não conseguirem de forma alguma amadurecer… instituições públicas acometidas pela síndrome de Pollyanna, empenhadas em gerir um mundo cor de rosa e desprovido de humanos, jusburocratas deslumbrados com o próprio protagonismo, agentes-melancia – tão verdes por fora quanto vermelhinhos por dentro, radicais em busca de um pretexto para exercer seu radicalismo, gigolôs engravatados – especializados em prostituir a legislação, xucros de toda ordem e parasitas da economia sem mérito.
Nesse lamaçal de vaidades, de taras burocráticas e cognições viciadas é mesmo difícil extrair um texto hígido…
A propósito, o Relator do PL, Deputado Mauro Pereira, declarou que “as críticas que certas ONGs andam espalhando por aí de que as propostas para um novo sistema de licenciamento ambiental colocam em risco a atual legislação, não passa de falácia daqueles que desejam apenas deturpar o trabalho dos parlamentares, das entidades e dos técnicos que se dedicam no momento a estudar o assunto. A discussão sobre o novo sistema de licenciamento ambiental teve início há doze anos e desde então sendo protelado por pressão de ambientalistas financiados pelos concorrentes do Brasil no agronegócio.”
Sarney e sua entourage de verdinhos parecem ter ingressado em uma guerra injusta, acreditando ser uma jihad.
Os atritos vêm de longe. A atual presidente do IBAMA, Suely Araújo, quando ainda estava na Câmara representando Sarney Filho, já havia protagonizado um embate duro, do qual saíu em pedacinhos. Chamada p fazer um texto consensuado, ela não aceitou nada do que os demais representantes, incluso o Deputado proponente do substitutivo, estavam propondo. Foi quando um dos porta-vozes do grupo sentenciou: “Suely, se você nao quiser dialogar conosco, ok… Temos apoio da maioria do Congresso. Nosso texto vai passar e você vai ficar a ver navios.”
A técnica – aliás extremamente competente, engoliu seco e passou a negociar os termos do projeto, até ser nomeada para o Ibama. Ali, insuflada pelo Ministro, retomou o ar arrogante de antes…
Não poderia dar outra. Choque inevitável e derrota fragorosa.
Um projeto sólido
O deputado Mauro Pereira não é parlamentar que se subestime. Relator da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados e membro da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), nega que o substitutivo “trate sobre a dispensa de licenciamento ambiental” – como alardeiam as entidades ambientalistas e sustentava Sarney Filho.
“O relatório preserva o meio ambiente. Nossa intenção é dar transparência, celeridade, para desburocratizar este vicioso processo”, sentencia o autor do substitutivo.
De fato, o relatório, discorde-se dele ou não, foi elaborado após várias reuniões com técnicos de entidades ambientais de diversas áreas e representantes técnicos de entidades de peso, como a própria Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a Confederação Nacional da Indústria (CNI), Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), técnicos e consultores da assessoria parlamentar da Câmara, ONGs e parlamentares de todos os partidos. “Tudo o que foi preciso fazer para dar transparência e promover amplas discussões democráticas nós fizemos, dando voz a todos os segmentos e assim foi feito”, enfatizou Mauro Pereira.
Há um processo lógico com referência histórica que confere firme base para o projeto substitutivo em curso. Esse é o segredo da solidez da proposta legislativa, algo que a arrogância de Sarney Filho e seus aliados não lhe permitiu enxergar.
E preciso ver o projeto de alteração do licenciamento ambiental a partir de dois eixos discutidos desde os tempos de FHC, mas consolidados no governo Lula, nos quais, sem cabotinagem, pudemos ter participação tão discreta quanto determinante:
1- os estudos do Banco Mundial sobre a efetividade do licenciamento ambiental para obras de hidrelétricas, entregues em 2007/2008 – precedidos de um relatório de autoria deste articulista, ao Ministério de Minas e Energia (Projeto ESTAL – 2006/2007)
2- Os relatórios e manifestações que balizaram o relatório do projeto de lei de conversão da medida provisória 2166/2001, que resultou na Lei Federal 12.651/2012 – o novo Código Florestal Brasileiro.
Os estudos e análises do Banco Mundial contém recomendações que estavam sendo seguidas à risca por todos os ministros que antecederam Sarney Filho, em especial a excelente Ministra Izabella Teixeira – cujo vulto, estritamente tecnico, ainda assombra o ministro de Temer. A Lei Complementar 140, regulamentando o regime de cooperação dos entes federados no licenciamento ambiental era a primeira recomendação da lista.
O patrimônio teórico extremamente rico, auferido em anos de debates capitaneados pelo Deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), secundado pelo Deputado Paulo Piau (PMDB-MG), no bojo da tramitação do projeto de lei florestal, também não poderia ser esquecido. Principalmente pelas profundas cicatrizes causadas no setor produtivo brasileiro pelo impressionante inchaço da burocracia ambiental no período Marina Silva…
O resultado dessa considerável bagagem de debates e discussões impregna o projeto ora em discussão na Câmara Federal.
O impressionante é que os contestadores do processo legislativo, como em ocasiões passadas, simplesmente desconhecem o histórico e o estado da arte da obra. É a cegueira se repetindo de forma mentirosa até que, por azar da sorte, possa se tornar uma verdade…
Licenciamento ambiental não é casa da Mãe Joana
De fato, o projeto contempla especificidades de cada ente federado – fundamental em um país de proporções continentais e com realidades socioambientais tão distintas como é o Brasil. Deixa a cargo de cada ente federado a definição dos critérios e parâmetros para o enquadramento de empreendimentos e atividades sujeitas ao licenciamento ambiental, de acordo com a natureza, porte e potencial poluidor.
A grita de entidades verdes e mentes poliânicas contra a “cessão da competência aos estados para legislar sobre o licenciamento” é uma grita contra a Constituição.
É para mandar todos de volta aos bancos escolares… Nossa constituição instituiu o princípio federativo assimétrico, estabelecendo autonomia aos entes federados. Deixou expresso nos seus artigos que a matéria ambiental era de competência implementadora comum aos entes federados e de competência legislativa concorrente entre a União e os Estados – e nesse caso, à primeira competiria estabelecer normas gerais, não regimes específicos e detalhados…
A Constituição também deixou claro que incumbiria ao Poder Público disciplinar a matéria atinente aos regimes de ordenamento territorial e planejamento, integrados pelo instituto legal da licença – e isso deve ser feito dentro do regime federativo. Assim, a lei federal está certíssima em respeitar a autonomia regional no disciplinamento da matéria, reservando-se a instituir normas gerais.
Há também, no texto do Deputado Mauro Pereira, preocupação com a segurança jurídica do processo administrativo, evitando soluções teratológicas, tais como a dependência da autorização de organismos outros que não o encarregado de licenciar o projeto. Pelo texto proposto, competirá exclusivamente ao órgão licenciador o poder decisório e de gestão das informações, devendo o empreendedor atuar exclusivamente perante a autoridade licenciadora que, por sua vez, realizará a interlocução com os órgãos intervenientes. Algo coerente com a racionalidade devia à administração…
Aliás, já existe Lei Complementar (140/2011) bastante clara sobre esse assunto.
Por essas e outras razões, a irracionalidade contida no conjunto de atitudes colecionadas pelo Ministro Sarney Filho mereceu a devida reprimenda presidencial. A saída, no caso, só pode mesmo ser a capitulação, ante os fatos e ante os moinhos de vento transformados em dragões pelo próprio ministro e seus acólitos…
Vão-se os anéis, preservam-se alguns dedos…
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, das Comissões de Política Criminal e de Infraestrutura e Sustentabilidade da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É membro do Conselho Consultivo da União Brasileira de Advocacia Ambiental, Vice-Presidente Jurídico da Associação Paulista de Imprensa – API, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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