Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Licenciamento ambiental é um instrumento importante para a consolidação do desenvolvimento sustentável no Brasil. No entanto, o sistema de licenciamento ambiental brasileiro enfrenta entraves de ordem institucional, legal e técnica, que impedem seu correto funcionamento.
Há indefinições sistêmicas e estruturais, desde as relacionadas à competência dos entes federados, até ao excesso de subjetividades na implementação de conceitos constitucionais basilares – como os conceitos de sustentabilidade e equilíbrio ambiental. Esses problemas nos levam a uma constatação: é premente a necessidade de aperfeiçoar o sistema de licenciamento ambiental brasileiro, tornando-o mais transparente, ágil e eficaz.
De fato, governos enxergam o mecanismo da licença como “obstáculo” aos investimentos e obras. Um ciclo vicioso: por conta disso ocorre o sucateamento do setor de controle ambiental, pois nossos governantes consideram o instituto “secundário” e, assim, degradam sua estrutura funcional. Então, por essa estrutura funcionar mal, consideram o licenciamento um obstáculo.
Uma questão de postura
A primeira e definitiva medida, nesse sentido, é compreender o licenciamento ambiental como suporte ao desenvolvimento sócio-econômico, e instrumento de viabilização dos investimentos no País.
Esta postura é cultural e ideologicamente engajada com o resgate da harmonia entre dois pilares constitucionais: a proteção ambiental e a Ordem Econômica e Social.
De fato, a orientação é indutora de uma postura pública proativa. Conduz a Administração Pública no sentido inverso ao ciclo vicioso acima demonstrado. Pode levar o governo a investir recursos humanos e materiais no sistema de licenciamento ambiental. Ademais, é reconhecimento conceitual de uma verdade material, ainda não revelada para a própria Administração.
O licenciamento não é um fluxograma burocrático preenchido por papéis. O licenciamento é instrumento de planejamento e mediação de conflitos, um constante (porém documentado) diálogo entre instituições setoriais, sociedade civil e entes federados. No entanto, ele pressupõe o mapeamento, o planejamento territorial e o ordenamento – para essas funções, é necessário o exercício político do fluxo decisório e do controle territorial pelo Estado.
Uma questão de vontade política
A Administração Pública necessita incorporar o vetor ambiental no planejamento de suas ações políticas, programáticas e na elaboração de grandes projetos estruturantes. Isso porque não pode a própria Administração Pública, e seus parceiros privados, permitir que se concentrem no licenciamento ambiental, decisões políticas e pontos controvertidos que refogem ao escopo da autoridade licenciadora.
Portanto, além do domínio conceitual e funcional do instituto da licença ambiental, é importante incorporar no fluxo decisório a Avaliação Ambiental Estratégica, para a implementação de projetos estruturantes, planos, programas e políticas, incluso aquelas executadas em parceria com a iniciativa privada, de forma a identificar os vetores ambientais, prevenindo, upstream, conflitos e questões controvertidas.
Essa divisão evita a condução pontual, tal como ocorre hoje, no licenciamento de grandes projetos de infra-estrutura. Esses projetos, não raro, sucumbem emaranhados no fluxograma da Administração Pública, detendo-se nos pontos críticos de decisão, que deveriam ter sido antecipados, com perda de tempo e investimentos.
O fato muitas revela falta de vontade política da Administração Pública, gera conflito e torna-se a grande razão do desprestígio do controle de atividades pelo licenciamento ambiental, impulsionando o ciclo vicioso de degradação do instituto, acima referido.
Mudar a dinâmica do processo
Firmada a postura conceitual e introduzida a cultura do planejamento estratégico, remanescem outros complexos problemas de ordem estrutural, que comprometem a sustentabilidade do licenciamento ambiental brasileiro.
O primeiro deles – que caracteriza o instituto como “entrave”, é a demora que os órgãos licenciadores enfrentam na análise dos requerimentos de licença.
Isto se deve, como já dito, às enormes dificuldades orçamentárias e ao reduzido número de técnicos disponíveis. Tal dificuldade resulta em atrasos na análise dos requerimentos, que se avolumam dia após dia nos escaninhos das repartições governamentais.
Assim, é necessário mudar a dinâmica desse processo.
Uma solução para o entrave, para além da contratação transdisciplinar de técnicos especializados, seria a organização de um quadro de consultores independentes, encarregados, sob demanda, de realizar um pré-exame de projetos complexos, sujeitos ao Estudo de Impacto Ambiental, identificando pontos sensíveis, recomendando medidas ou demandando soluções técnicas para corrigir ou minimizar conflitos – uma pré-análise antes de um termo de referência.
Um quadro de consultoria independente também poderia, às expensas do próprio empreendedor interessado, mediante sistema de pagamento retributivo, extrafiscal (aplicação pura do chamado princípio do poluidor-usuário-pagador), analisar os estudos de impacto ambiental apresentados ao órgão público encarregado do licenciamento.
O mecanismo desoneraria a burocracia estatal, sem perda de eficiência, eliminando a demora no deslinde do processo de
autorização.
Isto, por óbvio, não substitui a análise pública do licenciamento; os trabalhos executados sofreriam sempre o crivo de técnicos governamentais, a quem competiria, sempre atendendo à conveniência, oportunidade e legalidade, homologar e incorporar aos seus pareceres as conclusões dos consultores credenciados.
Essas equipes poderiam ser formadas por técnicos contratados ou pertencentes a instituições técnico-científicas ou fundações universitárias.
Aos analistas governamentais, porém, seria poupada grande parte do trabalho braçal de levantamento de dados e sua sistemática correlação com o empreendimento proposto, reduzindo tempo e custos. No mesmo sentido, o sistema de contratação, on demand, orientado por lei específica, desoneraria os cofres públicos, evitando gastos com pessoal destinado a atividades-meio, despesas com vistorias, diligências e inspeções de campo.
Articulação institucional
Outro ponto de estrangulamento está na insuficiente e confusa regulamentação dos trabalhos de licenciamento, especialmente no que concerne às diversas competências, esferas federativas ou setoriais, e critérios, dos integrantes do SISNAMA.
Tal problema pode ser amenizado com o aperfeiçoamento da Resolução CONAMA n° 237/97 pelo executivo federal, combinado com um efetivo processo de revisão e consolidação da legislação ambiental pelo Congresso Nacional.
A Lei Complementar 140/2011, organizou razoavelmente a cooperação entre os entes federados. No entanto, as atribuições horizontais ainda seguem ao sabor de frágeis arranjos normativos interministeriais.
O Ministério do Meio Ambiente está submetendo à consulta pública um processo de reestruturação do licenciamento ambiental, visando torná-lo mais célere. No entanto, sofre questionamentos, em especial no que tange ao regime de audiências públicas e avaliação de impacto ambiental.
Enquanto isso, iniciativas legislativas pululam no Congresso Nacional – algumas nefastas.
Por isso, uma articulação institucional independente seria bastante desejável. A história recente nos revela ser essa experiência exitosa.
Para o aperfeiçoamento do direito ambiental brasileiro, a Ordem dos Advogados do Brasil, nos anos 90, patrocinou várias iniciativas que resultaram positivamente. Entidades, como o CEBDS – Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável e organismos mutilaterais como o Banco Mundial, atuaram com igual sucesso no segundo mandato do presidente FHC e na primeira gestão do presidente Lula. A CNI – Confederação Nacional da Indústria e a CCI – Câmara de Comércio Internacional, atuaram nas segunda gestão de Lula e primeiro mandato de Dilma, com iniciativas importantes.
Uma sugestão prática de iniciativa institucional independente a seria a formação de um conselho institucional multidisciplinar, por um desses grandes corpos intermediários da Sociedade Civil.
Esse conselho seria composto de juristas, engenheiros, e outros técnicos convidados, igualmente importantes, representantes do setor produtivo, técnicos, representantes dos órgãos estaduais, do IBAMA, Ministério do Meio Ambiente, organizações de pesquisa e ensino.
O conselho funcionaria com prazo definido. O objetivo seria detalhar e consolidar normas gerais importantes no âmbito da federação, no campo da cooperação federativa (já disciplinada pela oportuna Lei Complementar 140/2011). Teria a função, também, de construir normas que listassem positivamente empreendimentos de infraestrutura, estratégicos e de interesse nacional, independentemente da magnitude do impacto, que devessem ser licenciados por meio de um regime diferenciado, articulado com os órgãos públicos proponentes.
Combater a judicialização e segregar os conflitos
A segregação dos conflitos sócio-econômicos e fundiários, decorrentes de obras complexas, do fluxo da análise técnica de grandes obras, é outra medida necessária.
Para tanto, a inserção de instrumentos alternativos à resolução de conflitos, tais como as câmaras de mediação, evitaria a progressiva e cada vez mais nefasta judicialização do processo da licença por conta de conflitos nem sempre diretamente relacionados à obra objeto do licenciamento.
No mesmo sentido, outro ponto complexo, gerador de conflitos de inúmeras ordens, é o Ministério Público.
Não se pode ignorar que têm ocorrido arbitrariedades de toda ordem no campo de atuação deste importante órgão, muitas vezes em detrimento da atuação do órgão licenciador. Essa idiossincrasia comportamental do MP, conduz os conflitos ambientais à judicialização.
A solução é estimular o diálogo do Ministério Público com a Administração Pública (como se o primeiro não integrasse a última…), buscando melhor eficiência no resguardo do interesse público, da Ordem Econômica e Social, da defesa ambiental e dos princípios da moralidade, legalidade e eficiência, constitucionalmente assegurados ao cidadão contribuinte.
Na verdade, em nome do interesse público, deve haver exercício permanente do diálogo entre os funcionários do Estado, práticas transparentes e fortalecimento de parcerias, não dissenções, desconfianças, recomendações unilaterais e inquéritos… Isso, uma excepcionalidade tornada rotina, definitivamente, constitui desserviço ao interesse público.
A hierarquização ou, no mínimo, uma harmonização de entendimentos e de orientação estratégica, no Ministério Público Brasileiro, consentânea com o planejamento de Estado, harmonizada com as Políticas Públicas devidamente aprovadas pelo parlamento nacional, é indispensável.
Afinal, os investimentos dos quais depende a Nação, não podem sofrer interferências idiossincráticas, que variam de acordo com a vontade e convicção ideológica do promotor de justiça ou procurador local, muitas vezes atendendo mais à vaidade, à interesses conceituais, à posturas ideológicas, à “satisfação” a organizações e grupos de pressão, que necessariamente ao Interesse Público em causa.
Conclusão
Adotadas, em linhas gerais, essas medidas, para fora da caixa das obviedades ululantes que cercam o debate sobre o licenciamento ambiental, talvez pudéssemos destravar obras, investimentos e resgatar condições de executar um ordenamento territorial consentâneo com o tamanho e pujança de nosso país.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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Parabéns pelo artigo! Quero acrescentar que o licenciamento não é somente um avanço para a causa da preservação ambiental e do desenvolvimento sustentável. É importantíssimo para mitigar/prevenir impactos à saúde da sociedade que vive no local, seja ela urbana, seja rural.
Excelente artigo. Qual é a data de publicação do mesmo?
18 de fevereiro de 2016.
Obrigado.
Abraço.