O que aprendemos com a crise hídrica
José Goldemberg*
O que se entende por desenvolvimento sustentável está inserido nas competências econômicas, sociais e ambientais. Todas elas dependem, contudo, da existência de recursos naturais como o ar, a água, minerais e energia. Os mais fundamentais entre eles são claramente o ar e a água sem os quais a vida não é possível.
Apesar da poluição do ar ser motivo de preocupação em alguns países, não há ainda ameaças sérias à atmosfera terrestre e existe ar suficiente para toda a humanidade.
Com a água a situação é diferente. Existem enormes quantidades de água em certas regiões do mundo como na Amazônia, mas nas regiões mais populosas, como São Paulo, água não é abundante. Para garantir que não haja carência d’água é preciso um planejamento que proteja o sistema da falta ocasional de chuvas como ocorreu na crise de 2014-2016 em que os reservatórios como o da Cantareira foram praticamente exauridos.
O que salvou a grande metrópole de São Paulo de um severo racionamento foram quatro medidas:
1- a redução da pressão da água nos encanamentos adotada pela Sabesp – que criou problemas para os bairros mais altos e afastados;
2- o desconto no custo d’água aos usuários que reduzissem o consumo;
3- a mudança de hábitos estimulada por uma intensa campanha de esclarecimentos da população; e
4- a interligação dos reservatórios da Sabesp.
A FecomercioSP participou destas campanhas de esclarecimentos preparando cartilhas que explicaram quais as medidas poderiam ser adotadas para economizar água tanto pelos estabelecimentos comerciais como pela população em geral.
As campanhas do Governo do Estado de São Paulo pedindo que a população reduzisse o consumo de água atingiram 16 milhões de habitantes no primeiro semestre de 2015. Os paulistas viram quase tantas campanhas para diminuir o consumo de água quanto propagandas de produtos de barbear ou de depilar.
Atendendo aos apelos do Governo e lidando com a falta de água nas torneiras, 77,5% dos paulistas passaram a ajustar o consumo de água e 70% passaram a tomar banhos mais curtos e menos frequentes. Antes da crise hídrica, os brasileiros tomavam em média dois ou mais banhos por dia. Durante a crise, a média dos paulistanos foi menor: 12,5 banhos por semana.
Além de restringir os banhos, a população evitou o desperdício encontrando formas de reutilizar a água dentro de casa. Alguns hábitos de economia de água já se tornaram padrão: 83,4% dos brasileiros garantem que nunca deixam a torneira aberta enquanto escovam os dentes.
Mesmo não se vendo como principais responsáveis por resolver a crise da água, a população mudou bastante seus hábitos depois da crise da água. Um monitoramento global da The Futures Company mostrou que 48% dos brasileiros declararam que levar um estilo de vida mais ambientalmente consciente era uma das suas prioridades, taxa maior do que a média global, de 45%.
Assim, mais uma vez se verifca que as pessoas aprendem “pela dor”. O importante agora, mesmo com o retorno do nível dos reservatórios, é manter os baixos padrões de consumo, pois a tendência é que o preço da água aumente: os mananciais estão se localizando cada vez mais distantes dos centros urbanos e a água precisa receber cada vez mais tratamento a fim de se tornar potável.
Desta forma, espera-se que tal aprendizado colabore para que o desenvolvimento seja realmente sustentável, e que assim a sociedade sobreviva com conforto, equilíbrio econômico e em plena harmonia com o meio ambiente.
José Goldemberg é presidente do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP. Doutor em Física, Professor Emérito da Universidade de São Paulo, foi reitor da USP, presidente da SBPC e da Cesp. Atuou como secretário das pastas de Ciência e Tecnologia de São Paulo e do Meio Ambiente da Presidência da República. Também foi ministro da Educação e professor da Universidade de Paris (França) e Princeton (Estados Unidos).
Fonte: http://www.envolverde.com.br/opiniao/artigos2015/o-que-aprendemos-com-crise-hidrica/