Por Eduardo Coral Viegas
Qual é o DNA (cultura empresarial) das empresas que competem entre si por mercados e consumidores? A resposta vem da própria maneira como a pergunta foi formulada. Se elas competem, e praticamente todas o fazem, estão centradas em fornecer produtos ou serviços de qualidade e a custo competitivo.
Quanto mais e melhor fizerem, e a menor preço, estarão em posição superior no mercado. Assim terão condições de elevar o lucro e remunerar mais seus proprietários e/ou acionistas.
Por muito tempo o papel do líder corporativo consistiu em fazer dita sistemática funcionar. Nessa lógica, competia ao gestor exigir dos colaboradores a produção do máximo possível e remunerá-los o menos que desse, assim como extrair da natureza tudo o que ela pudesse gerar.
Usamos o verbo “competir” no passado já que o padrão antes unânime em nosso tempo atinge tão somente uma fatia dos meios de produção — embora ainda significativa. O restante se deu conta de que tal modelagem é insustentável a médio e longo prazo.
De fato, as empresas que não se preocupam com seus funcionários lidam com pessoas insatisfeitas no ambiente de trabalho, as quais acabarão nele permanecendo apenas o tempo necessário para encontrar um local melhor onde laborar. Uma das consequências é a alta rotatividade de mão de obra, sabidamente danosa para o empregador.
Não bastasse, a excessiva carga de trabalho e a falta de preocupação dos gestores com a saúde física e emocional das pessoas fomentam acidentes de trabalho evitáveis, mais licenças-saúde do que a média e falta de comprometimento do colaborador com a organização. Como se diz habitualmente, o funcionário não tem o porquê “vestir a camiseta”.
Antes de vender a imagem de uma empresa socialmente responsável, que investe em programas junto ao terceiro setor, as corporações devem olhar para o seu espaço de produção, que, lato senso, contempla também o de seus fornecedores e a mão de obra terceirizada.
Como exemplo, recordemos que, há 20 anos, a Nike passou a ter sua marca associada à conivência com o emprego de trabalho escravo e infantil da parte de seus fornecedores. Em 1996, a revista Life publicou a foto de um menino paquistanês costurando bolas de futebol com o logotipo da Nike. Desde então, a empresa teve outros problemas similares, embora tenha adotado diversas medidas para reversão do quadro. Dentre elas, reduziu o número de fornecedores e passou a fiscalizá-los sistematicamente.
Ao lado da questão social temos o aspecto ambiental. Espremer o planeta para dele tirar o possível e o impossível; produzir sem cuidado com a geração excessiva de resíduos poluentes; abusar do consumo de energia, água e combustíveis fósseis; enfim, essas e outras atitudes de irresponsabilidade ambiental também não são compatíveis com a pós-modernidade, com a conduta esperada de um líder comprometido com a sustentabilidade, com uma empresa contemporânea.
A frase “Que venha a poluição, desde que as empresas venham com ela”, usada na década de 1970 pelo então senador José Sarney, seria digna de comoção social nos dias de hoje. Se algo semelhante fosse estampado em alguma campanha de marketing, talvez fosse capaz de levar à falência tanto a agência de publicidade idealizadora quanto a empresa que a veiculasse.
Mudar o DNA de uma corporação é possível e pode ser necessário, conforme suas particularidades e a necessidade de sua adaptação à atualidade. Porém, exige paciência, já que constitui um processo. Sua maior dificuldade é a resistência das pessoas, e isso ocorre por razões psicológicas e sociológicas. Toda mudança gera medo, instabilidade, exige a saída da “zona de conforto”.
Uma das reflexões necessárias é: como diminuir a resistência às mudanças, para que as empresas não se mantenham focadas apenas na produção e no lucro e passem a ter reais preocupações socioambientais?
O jeito mais eficaz é a escolha de líderes comprometidos com boas práticas ambientais, ocupando posições importantes da empresa. Esses profissionais não podem ser escolhidos aleatoriamente. Suas bases de valores relevantes devem ser bem estruturadas, sendo imprescindível que consiga unir sua visão ética pessoal a práticas corporativas concretas em prol da empresa, dos stakeholders e do meio ambiente.
Nesse caso, as iniciativas de mudanças ambientalmente saudáveis devem partir do líder para os liderados, mas com inserção destes no processo de transformação, para que se sintam parte dele.
Pequenas e grandes ações internas precisam ser estimuladas, como a redução do consumo de energia, de copos plásticos, de água, de folhas de papel, até a substituição de materiais usados no processo produtivo, priorizando-se aqueles menos agressivos à natureza, que sejam biodegradáveis, fruto de reuso, reciclagem etc.
Essas ações serão percebidas pelos consumidores, que estão cada vez mais atentos à necessidade da inclusão de diretrizes ecológicas saudáveis em todas as esferas da sociedade: instituições públicas, mercado e condutas pessoais.
Com essa consciência, os “novos consumidores” preferem adquirir produtos e contratar serviços de corporações não mais preocupadas apenas em auferir lucro, mas também em estar alinhadas aos importantes compromissos socioambientais que a atualidade exige.
Então, ser uma “empresa verde” faz parte da “onda verde” e permite o aproveitamento do “marketing ambiental”. Tudo isso não é visto mais como custo pelos que olham à frente, e sim como investimento.
A empresa líder é aquela que pensa adiante. E ela somente pode ser comandada por líderes com tal perfil. Algumas viram e veem a crise ambiental e ficam indiferentes a ela. Outras se preocupam com sua sobrevivência diante das mudanças e adotam providências para se adaptarem aos novos cenários.
Um terceiro grupo pensa em ganhar, e apenas isso, com as necessidades que decorrem dos problemas ambientais. É o caso de empresas que comercializam água mineral engarrafada e que vibram com o agravamento da crise hídrica, por considerá-la fonte de mais e mais vendas.
Porém, há empresas e líderes que assumem o pioneirismo e vão além. Que passam verdadeiramente a incorporar práticas ambientalmente corretas em seu âmbito interno, mudando o DNA corporativo. A partir daí, adquirem autoridade para “vender” uma marca ética, atenta à conservação da natureza e ao bem-estar social.
O elemento-chave em todo esse processo é o líder. Compete a ele induzir a transformação. Como dissemos, ela não vem de baixo para cima; percorre o caminho inverso. Não é resultado de um discurso bonito e vazio, mas de atitudes reais.
Inobstante isso, é fundamental que a pauta ambiental esteja sempre presente nas declarações públicas internas e externas dos executivos da corporação, porquanto a mensagem persistente mostra a importância da temática para a empresa, que aos poucos vai tendo sua cultura organizacional alterada.
O líder ambiental entende que o cliente de hoje busca produtos e serviços adaptados aos valores de seu tempo. E, nos dias atuais, são valorizados bens e serviços saudáveis e sustentáveis, como os produtos orgânicos, livres de agrotóxicos, que não fazem mal à saúde daquele consumidor e, ao mesmo tempo, não agridem a natureza. Por razões lógicas, eis um mercado com grande potencial de ascensão.
Evidentemente que mudanças significativas trazem grandes desafios. O primeiro, insista-se, é a transformação do DNA organizacional. Outro que merece destaque é tornar os novos produtos comercialmente viáveis. De fato, podemos afirmar que plantar e colher alimentos à base de agrotóxicos é “barato” se comparado ao plantio orgânico, que exige mais manejo, mão de obra, enseja mais riscos de perdas.
Como possibilitar que o tomate orgânico chegue à mesa do consumidor com um valor não tão distante do seu irmão carregado de produtos químicos? E vender um carro elétrico a preço minimamente competitivo com o tradicional?
As exigências impostas ao líder ambiental não são poucas. Àqueles que estão se qualificando para o ingresso ou recolocação no mercado de trabalho, sugiro que estejam atentos às oportunidades que a era do ecobusiness propicia.
Para exercer liderança ambiental, em qualquer segmento, inclusive na área jurídica, primeiramente é necessário acreditar que não existem outras soluções possíveis para nossa permanência no planeta a médio ou longo prazo que não a mudança do paradigma antropocêntrico para o ecocêntrico.
A partir de então, a multiplicação da visão sustentável se dá pelo exemplo, pelas atitudes, pela mudança de comportamentos, que no meio empresarial ocorre com a alteração e o aprimoramento do DNA corporativo.
Eduardo Coral Viegas é promotor de Justiça no MP-RS, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialista em Direito Civil e mestre em Direito Ambiental. Foi professor de graduação universitária e atualmente ministra aulas em cursos de pós-graduação e extensão. Integra a Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente. É autor dos livros Visão Jurídica da Água e Gestão da Água e Princípios Ambientais.
Fonte: Conjur