Práticas sustentáveis fazem o recurso natural passar de problema à solução ambiental
Por Vitor Lillo
“Na Natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”, dizia o célebre químico francês Antoine de Lavoisier, em pleno século XVIII. Um exemplo que confirma a frase é a madeira, recurso natural que sempre esteve presente na história da humanidade, como fonte de energia e elemento básico para a construção civil.
Com o agravamento da situação ambiental do planeta, provocado em boa parte pelo corte indiscriminado de árvores e a consequente devastação das florestas, a madeira se tornou um sinônimo de problema ambiental. Mas, graças a boas iniciativas, começa deixar de lado esse estigma para passar a ser exemplo de sustentabilidade.
Em parte isso se deve a um aumento da participação do Poder Público e organizações ambientais no combate ao extrativismo inconsequente, bem como no apoio a projetos de reflorestamento e desmatamento controlado, sobretudo na última década. Essas ações resultaram na queda do ritmo de desmatamento na Amazônia em 27% entre 2011 e 2012 segundo dados oficiais.
Mas há outros dois personagens que também são fundamentais nesse processo: o terceiro setor e a iniciativa privada que já estão pegando carona nessa “onda verde” e começam a colher resultados tanto econômicos quanto sociais. Os exemplos, quem diria, estão justamente nos setores de construção civil e energia.
Fonte de energia (e lucros)
Há sete anos, o Grupo Incal-CONTERMA foi pioneiro em oferecer o serviço chamado de “venda de vapor”. Ele consiste na instalação de um sistema completo de produção de vapor por caldeiras movidas à biomassa, fonte de combustível renovável que se origina de elementos como, por exemplo, a madeira. Esse tipo de sistema é menos poluente e mais eficiente que o das caldeiras movidas à combustíveis fósseis (óleo e gás natural).
A ideia nasceu de uma necessidade: aliar o know-how da companhia na fabricação, inspeção e manutenção de caldeiras e sistemas de tratamento de água industrial à necessidade das empresas aumentarem sua competitividade, sem afetar os lucros e nem o meio ambiente. “Nós pensamos: vamos mudar e oferecer todos esses serviços em um pacote só”, explica Alexandre Scarfi, diretor comercial da Incal-CONTERMA.
Para alimentar as caldeiras, a empresa utiliza madeira triturada ou compactada de reflorestamento com certificação e também de descarte, que segue o sistema de “logística reversa” como preconiza a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), em vigor desde 2011.
Nesse sistema, a madeira de menor qualidade (como restos de caixas de frutas) e sem traço de produtos químicos (fórmica, por exemplo) é separada em uma estação de transbordo para ser triturada e distribuída. A PePec Ambiental, empresa que fornece a madeira de descarte, estima que, por mês, 100 toneladas do insumo saiam de sua usina de transbordo.
O vapor gerado nessas caldeiras pode ser usado para vários fins dependendo da instalação. Em uma indústria de tecidos, ela pode ser usada para o processo de fabricação de toalhas de banho. No caso de uma usina, como a termelétrica, o vapor move as turbinas, gerando energia elétrica. Tudo isso sem emissão de dióxido de enxofre na atmosfera e redução de 15% a 25% no custo com combustível.
Curiosamente, a maior beneficiária desse processo, que hoje já é oferecido por outras empresas do setor energético, foi a própria Incal-CONTERMA. A venda de vapor corresponde hoje a 90% do faturamento anual da empresa. “Nós só estamos de portas abertas hoje devido a essa atividade [da venda de vapor]”, afirma Alexandre Scarfi.
Dar um novo fim à história
José Otávio Brito, professor titular da Escola Superior de Agricultura da USP (Esalq/USP), afirma em seu artigo “O Uso Energético da Madeira” que, especialmente no Brasil, a madeira pode “expressar uma matriz energética ambientalmente mais saudável e socialmente mais justa”.
Se em outros tempos a relação do brasileiro com a madeira foi conflituosa, hoje há empresas e profissionais do ramo da construção civil compromissados a trabalhar pelo uso mais inteligente desse valioso recurso natural. Um exemplo disso é o arquiteto Victor Alves de Almeida Mattos, que desde 2006 faz experimentos com madeira reutilizada.
“[O uso desse material] tem crescido bastante nos últimos anos. Hoje temos muitos projetos premiados, além de arquitetos, designers com trabalhos reconhecidos até mesmo internacionalmente”, afirma Victor.
Segundo Mattos, esse a madeira reutilizada pode ser utilizada de diversas formas: “Utilizando um ‘pallet’ [madeira de maior densidade e resistência, geralmente utilizada em caixas de entrega], você pode usar para fazer bases de mesas, sofás. Já nas ‘ripas’ [tipo de madeira de menor densidade e maior maleabilidade] você utiliza como acabamento pra móveis”, explica.
Para o arquiteto, o desafio que o trabalho com esse material proporciona e a própria ideia do reaproveitamento são dois pontos positivos para sua utilização: “Você pega um madeira que já tem uma forma pronta, uma história. Poder dar um outro fim para ela que não seja o descarte, é algo muito legal”, salienta Victor Mattos.
Dar um novo fim à madeira descartada e à vida dos jovens. Com esse intuito, o Instituto Terra Meio Ambiente e Inclusão Social (IT+), organização fundada em 2009, faz trabalhos de marcenaria por meio de suas oficinas de reciclagem e pretende fabricar móveis e objetos de madeira por meio de uma oficina de marcenaria que será instalada futuramente na estação de transbordo da PePec Ambiental que fica no bairro do Jaguaré, zona norte de São Paulo.
De acordo com seu presidente, Paulo Sequeira, a primeira turma será formada por seis jovens com idades entre os 16 e 20 anos, vindos de comunidades pobres da Capital, que serão treinados pelo instituto para a fabricação de móveis e objetos de madeira de descarte cedida pela própria PePec Ambiental, empresa parceira do instituto.
“Esses jovens vão receber todo o apoio pedagógico que o instituto já oferece, além de uma bolsa-auxílio e ainda vão aprender um ofício, dessa forma vão estar inseridos no mercado de trabalho e na sociedade”, relata Sequeira. Ele, assim como Victor, Alexandre e tantos outros, são agentes de uma transformação que promete mudar a história da relação entre homem e natureza.
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