Por Eliana Rezende*
Você imagina o que acontece quando todas as luzes se apagam e a noite cai dentro de uma livraria? O diretor de arte Sean Ohlenkamp tentou descobrir: passou quatro noites em claro na livraria Type, localizada em Toronto. Quer saber o que descobriu?
Grandes e inusitadas movimentações!
Assim, brincando com as posições dos objetos, suas formas, cores, texturas surgiu o stop-motion The Joy of Book. Uma animação onde o espaço enche-se de magia e diversão.
Assista o vídeo (que acabou se transformando em viral) que povoa a mente e a imaginação de muita gente. Chegou sua vez!
Todo esse incentivo para que a animação fosse vista foi apenas um pretexto para falar sobre nossa relação com livros, livrarias, bibliotecas e afins. A ideia foi estimular os sentidos: às vezes é tão simples!
Se pensarmos, uma livraria tem essa vida quando a noite cai. São sob as luzes da noite que inventários se fazem, que livros são dispostos em prateleiras e em mesas de divulgação… a noite é que “alimenta” a circulação de obras e de autores para que cheguem às mãos de seus “apreciadores” finais. É o mercado das letras!
Desse universo meio mágico e cheio de movimentos e ações que tintas impressas, compostas e encadernadas em diferentes formatos fazem um longo caminho até chegar as mãos daqueles que o apreciarão.
Ao encontrar as mãos desse leitor nova mágica se dá.
A relação com os livros é mesmo uma experiência sensível e por isso fala-nos tanto aos sentidos e o tato talvez seja o maior deles.
O formato físico propicia desfrutá-lo em qualquer parte e isso é mesmo uma delícia.
Como lembro de ter dito algures sobre o sentido da escrita sobre papel: ler é uma experiência de afetos e que em alguns casos transcende os suportes!
Eu mesma tenho minha preferência pelos livros em papel por conta do deslizar de dedos sobre suas páginas, sentir sua textura, ouvir seu som estalido de páginas de acordo com a gramatura de cada uma, sentir o cheiro que parte de cada uma delas…poder grifá-las, pô-las em relevo e destaque: ADORO! Gosto de questionar o autor, fazer perguntas, sinalizar a leitura. Todas as leituras ficam assim com meu rastro e os que não o possuem é simplesmente porque não foram lidos com a atenção e carinho de outros! Foram leituras em diagonal, apenas para atender uma demanda, um chamado. Nunca para atender um apelo do espírito. Esses últimos possuem a deferência e o apreço de todos os meus sentidos.
Apesar desse encantamento pelo formato físico e essa relação de afetos com os mesmos, leio também em suportes digitais. Indo mais longe nesse sentido de apropriar-me: chego a salvar aqueles escritos que temo serem tragados pela malha virtual, ou quebrados em um link que os destinem a um limbo de esquecimento e desaparecimento.
Sou a leitora ávida de sempre, sem preconceitos quanto ao suporte! A leitura, nesse contexto propicia deslocamentos de mentes e almas.
Tome o caso de comunidades, que muitas vezes, desprovidas de outros meios de viagem quer dos corpos quer das mentes descobrem o fascínio da leitura e o quanto podem ser companheiras de existência. Talvez diferente do que ocorre em grandes centros urbanos onde os estímulos e a pirotecnia visual distraem os sentidos e estimulam apenas a desatenção e o “quicar” daqui para lá.
A livraria e seus afins são magia exatamente pela vida que se guarda para além dos livros e que envolve todo o meio onde se encontra.
O caminho do livro é rico e passa por tantas paisagens desde a sua concepção criativa até sua materialização e circulação social e cultural. É mesmo fascinante!
E acho que o vídeo dá-nos essa dimensão.
É magia encadernada!
*Eliana Rezende é diretora da ER Consultoria, Gestão de Informação e Memória Institucional, doutora em História Social – Cultura e Cidades – UNICAMP, mestre pela PUC/SP, especialista em Preservação e Conservação de Colecções de Fotografia – Lisboa, Portugal com participação em vários projetos de política de preservação digital, proteção da memória e gestão documental governamentais e corporativos. Articulista do Portal Ambiente Legal.