Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
“Primeiro levaram os negros. Mas não me importei com isso. Eu não era negro. Em seguida levaram alguns operários. Mas não me importei com isso. Eu também não era operário. Depois prenderam os miseráveis. Mas não me importei com isso. Porque eu não sou miserável. Depois agarraram uns desempregados. Mas como tenho meu emprego, também não me importei. Agora estão me levando. Mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém. Ninguém se importa comigo.” (Bertold Brecht, 1898-1956)
Neste último fim de semana, troquei algumas impressões com um grande amigo magistrado, o qual estava indignado com a má repercussão do conflito aberto pelas associações de classe da magistratura nacional, contra o que classificara “desmandos” da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça.
Dois aspectos chamavam a atenção do meu ilustre amigo: a) como a sociedade não conseguia enxergar a supressão das mais comezinhas garantias individuais (amparadas constitucionalmente), praticada pela Corregedoria do CNJ; b) a absoluta omissão da classe dos advogados – “que constitui a trincheira do Estado Democrático de Direito”, face á atitude invasiva do Estado contra os membros de um Poder do próprio Estado…
Argumentava, por fim, o desgostoso amigo, que “hoje são os magistrados que sofrem o opróbrio injusto e, amanhã, serão os advogados, com o que não mais haverá Justiça”.
Embora, compreenda a atitude da Corregedora Nacional de Justiça, Dra. Eliana Calmon, e não vislumbre tamanho rombo nos direitos e garantias individuais contidas nas medidas de controle adotadas pelo CNJ, o respeito que sempre tive pelas opiniões e atitudes desse meu grande amigo me fez meditar sobre a extensão e consequências desse conflito, para nosso ambiente político-institucional.
De início, anoto que meu amigo, assim como grande parte de nossa magistratura, não se apercebeu que a primeira vítima desse processo foi, justamente, a própria ADVOCACIA.
A representação de classe dos causídicos, hoje em frangalhos, não resistiu a uma sucessão de presidências nacionais inexpressivas, ocorrentes justamente no momento em que as prerrogativas dos advogados eram reduzidas a pó pelas ações espetaculosas do aparato policial do Governo Federal e Governos Estaduais, sob a batuta de um Ministério Público midiático, de autoridades administrativas levianas (incluso na área ambiental), órgãos de controle da economia “sem qualquer controle”, parlamentares deslumbrados, todos amparados por decisões proferidas por magistrados imbuídos do mais puro “ativismo judicial”… No decorrer dos últimos dez anos.
É fato que nossos tribunais acordaram e (cabe aqui reconhecer a atuação corajosa do Ministro Gilmar Mendes, na presidência do STF), embora com certo atraso, trataram de, aos poucos, fazer prevalecer a Ordem Constitucional nos processos de investigação espetaculosos, os quais já faziam da invasão de escritórios e da prisão de advogados coisas banais…
No entanto, o ataque sistemático aos direitos e garantias individuais continua crescendo, justamente, sob o manto protetor da magistratura nacional (em especial a de primeira instância) e isso é fácil de constatar, no absurdo abuso no uso das escutas telefônicas – que se contam ás centenas de milhares, no rasgar sistemático do sigilo bancário e fiscal, autorizado em face de qualquer “suspeito”, agressões impunes á imagem e à honra dos indivíduos comuns e mesmo autoridades, pelo vazamento de dados, elementos indiciários postos sob sigilo oficial, quando não por “entrevistas”, e “pronunciamentos” por parte de quem devia, acima de tudo, zelar pela discrição…
Atitudes corporativistas, patrocinadas pelas associações de classe da magistratura, não raro beiraram à arrogância explícita e, pudemos nos últimos anos, testemunhar essas mesmas entidades que agora buscam se socorrer do Supremo Tribunal Federal, em busca de proteção contra a violação “dos mais comezinhos direitos e garantias individuais”, atacarem com inacreditável virulência, num passado próximo, os Ministros da Corte que “ousaram” contestar as ações arbitrárias dos seus associados…
Reconheço: nossos magistrados, na sua esmagadora maioria, são indivíduos honrados e muito sacrificados pela insanidade de uma estrutura que administra milhões de processos, em pleno século XXI, como se estivesse ainda no século XVIII. No entanto, sua alienação generalizada sobre as consequências de seus atos cotidianos de ceder com facilidade aos impulsos persecutórios, para muito além dos efeitos imediatos de suas decisões, os levaram a cair no que se chama “sinuca de bico” institucional, cuja solução, geralmente, só ocorre mediante uma jogada radical nessa intrincada mesa de interesses muitas vezes inconfessáveis, que se tornou nosso ambiente dito “republicano”.
Sem me arriscar a ir mais além nessa minha meditação noturna… Posso, no entanto, vislumbrar que, a bola da vez, após a magistratura, será justamente quem acusa… E, aí, nenhuma garantia sobrará. Capisce?