Por Andrea Matarazzo*
Há algumas semanas, os paulistanos foram surpreendidos pela decisão da prefeitura de transformar o antigo elevado Costa e Silva, recentemente rebatizado de João Goulart, em um parque elevado nos moldes do High Line, de Nova York. Foi surpreendente também o prazo dado pelo prefeito: a obra começaria agora e até o final deste ano alguns acessos já estariam prontos. Tudo estaria concluído já em 2020, não por acaso um ano eleitoral.
Esse plano de marketing já seria absurdo se não pela importância do Minhocão, uma das principais vias da capital paulista, mas, sobretudo, em face da inexistência de estudos aprofundados sobre os impactos do fim dessa ligação Leste-Oeste da cidade, bem como da incapacidade da atual gestão municipal de lidar com as prioridades básicas já existentes: limpar córregos e bueiros, tapar buracos nas ruas e avenidas, reformar os semáforos, podar árvores, construir moradias populares, pôr remédios nos postos de saúde, urbanizar favelas, fazer saneamento básico, manter adequadamente viadutos e parques já existentes.
Nas últimas semanas, com o aumento das chuvas, essa falta de prioridades ficou ainda mais evidente, com mais de 700 árvores caídas e os semáforos em amarelo piscante pela cidade e alagamentos por toda parte.
O Minhocão, um elevado de mais de três quilômetros, começa na praça Roosevelt e termina na avenida Francisco Matarazzo; é formado por quatro pistas, duas em cada sentido. Seu fluxo de veículos em dias úteis é intenso e vital para a interligação entre as zonas leste e oeste. Sua interrupção, sem alternativas para os automóveis nem ampliação do transporte público, provocaria um caos no trânsito da região central e no entorno, pois as vias embaixo do elevado e suas paralelas são absolutamente insuficientes para atender os fluxos existentes.
A cidade hoje tem dezenas de prioridades a serem atendidas antes de se mexer num importante eixo de transporte sem mais debates técnicos sobre o impacto das medidas nem ouvir a população afetada. Tenho certeza de que, além da população local, a maioria dos prefeitos que foram eleitos para governar a cidade gostaria de substituir o ultrapassado Minhocão por opções mais modernas e que ajudassem a recuperar a região. Eu também gostaria. Mas, infelizmente, São Paulo não é rica como Nova York e o Minhocão ainda é extremamente importante no sistema viário da cidade, enquanto o High Line era apenas um elevado de trilhos abandonado há muitas décadas.
A atual gestão foi eleita com a promessa de oferecer serviços melhores para a população, o que até agora não fez.
A prioridade da prefeitura deveria ser se concentrar no cumprimento dessas promessas, fazendo as coisas básicas e tão necessárias para a cidade funcionar. Seria essencial também que o prefeito circulasse um pouco pela periferia da cidade, abandonada há tanto tempo. E que não usasse o Minhocão como plataforma eleitoral, deixando um mico nas mãos das próximas duas ou três gestões.
Este artigo foi publicado originalmente no site do jornal Folha de S.Paulo em 30 de março de 2019: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/03/mais-trabalho-e-menos-improviso.shtml .
*Andrea Matarazzo foi vereador da capital (2012-2016), secretário municipal de Subprefeituras (2006-09), ministro da Secretaria de Comunicação (1999-2001), secretário estadual de Cultura (2010-12).