Prefeitura instala programa de logística reversa para reciclar eletrodomésticos
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Incrível! A Prefeitura de São Paulo não se ocupa da reciclagem do lixo doméstico e faz propaganda com logística reversa de eletrodomésticos, que deveria estar a cargo da indústria, do comércio e das concessionárias…
Enquanto patina na implementação de uma coleta seletiva digna desse nome e na inclusão da municipalidade nas iniciativas de logística reversa dos diversos setores econômicos legalmente obrigados, a prefeitura de São Paulo promove factoides.
O último “lance para a galera” da prefeitura paulistana foi o anúncio de um programa piloto de logística reversa de eletrodomésticos.
A iniciativa é puro factoide. Pois em uma cidade que gera dois estádios do Pacaembú, por dia, de lixo, e que recicla o equivalente a “algumas cadeiras” desses estádios lotados… a prefeitura se ocupar do ciclo de vida de eletrodomésticos… chega a ser um insulto.
Ecopontos privados?
Segundo a prefeitura, estão sendo instalados na região da Lapa, zona oeste, pontos de coleta para eletrodomésticos de pequeno porte, concomitante com o oferecimento de um serviço de retirada em domicílio para equipamentos maiores.
O projeto é uma parceria entre a prefeitura de São Paulo e a Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica, na sigla em inglês). Também participam grandes redes varejistas, responsáveis pela instalação dos pontos para receber liquidificadores, espremedores, laptops e celulares.
“Vai existir uma espécie de lixeira apropriada para isso”, informou o presidente da Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (Amlurb), Ricardo Brandão. Nesses locais, serão recebidos itens com dimensões de até 60 centímetros de largura, 50 centímetros de comprimento e 75 centímetros de altura.
Para o consumidor, promessas…
Conforme anunciado com pompa pela Prefeitura, quando o consumidor comprar um produto de grande porte – como geladeiras, fogões e máquinas de lavar, em uma das lojas participantes da iniciativa, receberá um cupom. Esse documento poderá ser usado, mediante pagamento de uma pequena taxa, para agendar a retirada do item substituído.
Apesar de anunciada a iniciativa, a prefeitura não definiu a data em que o serviço entra em vigor, nem quantas lojas estão efetivamente empenhadas na iniciativa.
O recolhimento do material substituído, na entrega de fornos, fogões e geladeiras, aliás, poderia ser instituído como obrigação legal para as grandes empresas revendedoras. E elas, conjuntamente, deveriam articular um sistema envolvendo benefícios ao consumidor. No entanto, cientes que a estrutura burocrática da prefeitura não tem pernas… todos integram a iniciativa cosmética, justamente para não pegar no pesado…
Confusão de papéis
O acordo é no mínimo inusitado, pois o sistema deveria ser assumido no bojo de um acordo setorial de logística reversa, envolvendo fábricas, distribuidores e revendedores de eletrodomésticos, sendo que à prefeitura competiria criar condições para recebimento dos dispositivos e aparelhos no bojo do sistema já concessionado de coleta e destinação final do lixo.
Não o fazendo, e criando relações contratuais com cooperativas de reciclagem, comércio de verejo e verba de entidades multilaterais, atropela a prefeitura a própria concessão, desvia recursos e materiais do ciclo que deveria ser assumido pelo setor econômico envolvido (fábricas e comércio) e direciona um material descartado que não deveria ser dela para cooperativas de catadores decididamente não preparados para a magnitude da tarefa,
Ou seja, de efetivo mesmo, é o ponto de recolhimento dos pequenos objetos – que, em tese, não deveriam ser objeto de iniciativa da prefeitura, muito menos de convêncio com organismo financeiro – pois totalmente inserida a tarefa nas atividades legalmente atribuídas ao setor econômico obrigado à logística reversa.
Reciclagem?
Os produtos serão encaminhados para uma cooperativa especializada em resíduos eletrônicos. “A reciclagem que estamos estudando prevê o reaproveitamento máximo do material”, adiantou Brandão. Os produtos deverão ser desmontados, de modo a separar os invólucros de plástico ou metal dos componentes eletrônicos. “Temos até setembro [de 2017] para estudar o grau de reciclagem que vamos alcançar”, acrescentou o presidente da Amlurb.
A questão é ainda mais complexa – pois a prefeitura interfere na atividade que deveria estar à cargo da concessão já contratada, toma a dianteira das empresas integrantes do acordo setorial de logística reversa e direciona material, que merece tratamento cuidadoso para cooperativas de reciclagem, sem que haja uma entidade gestora contratualmente estabelecida para tratar dos aspectos de circulação e fluxo de materiais e precificação. Há, inclusive uma confusão conceitual, pois material cibernético (linha verde) segue padrão de reciclagem diverso dos eletrodomésticos (material de linha branca) e eletroeletrônicos (linha marrom).
O material em causa é diferenciado, os custos e perigos são diversos e o próprio balanço de massa envolve variáveis diferentes. Algo que não deveria estar a cargo de um convênio lateral entre prefeitura, lojas, organismo financeiro e cooperativas, limitados a arranjos bairro-a-bairro…
O fato é que o arranjo pretendido não guarda qualquer relação séria com os institutos previstos na Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Região já está saturada de iniciativas ligadas ao lixo
A prefeitura espera implementar iniciativas semelhantes em pelo menos outras quatro outras regiões da cidade até 2020. “Estamos avaliando a partir dessa experiência na Lapa, que termina em setembro de 2017, expandir para as demais 31 subprefeituras”, destacou Brandão.
A Lapa foi escolhida após pesquisas de opinião e estudos técnicos elaborados pela Jica apontarem que os moradores do bairro “são mais permeáveis” a iniciativas de sustentabilidade.
A região recebeu recentemente uma usina de compostagem que produz fertilizantes a partir dos resíduos de 27 feiras livres e está ás voltas em um conflito referente à estação de transbordo de lixo – essa sim, importante para a otimização da coleta do lixo doméstico de toda a região de São Paulo. Decididamente, pode-se aferir qualquer coisa da população da Lapa, menos “permeabilidade” dos vizinhos á iniciativas dessa natureza.
Enfim, mais um factoide que, ao que tudo indica, ficará no campo das iniciativas bem intencionadas, até a página dois…
Fonte:
http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-04/sao-paulo-instala-programa-de-logistica-reversa-para-reciclar-eletrodomesticos
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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