Ocorrência de Manchas de Óleo nas Praias do Nordeste pode piorar e gerar incidente internacional. Governo está chegando tarde e não aciona dispositivos que estão em vigor
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
O governo brasileiro está atrasado na resposta institucional que deveria dar ao “ataque de manchas de óleo” disparado contra a costa brasileira e nosso mar territorial.
A situação não se resume a rescaldo e limpeza. Necessita de mobilização e emprego dos dispositivos legais e organizacionais que se encontram disponíveis na caixa de ferramentas do próprio governo.
A questão das manchas envolve soberania, da mesma forma que o desmatamento e as queimadas. Não são coisas distintas – estão absolutamente conectadas. É preciso, portanto, agir para restabelecer o controle territorial e assumir a gestão ambiental do problema.
Esse artigo pretende apontar o que deve ser acionado de imediato.
A poluição não cessou – pode vir mais
Manchas de óleo com 21 quilômetros quadrados e outra de 3,3 quilômetros quadrados foram identificadas por um satélite da União Europeia se aproximando do litoral da Bahia e de Sergipe. Essa informação partiu da Folha de S. Paulo, que a obteve do professor do curso de Oceanografia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Pablo Santos.
Segundo a reportagem, as manchas foram identificadas às 7h55 da sexta-feira (11 de outubro), e se encontravam a 100 quilômetros da costa brasileira.
“Esse tipo de dado orbital é a melhor forma de identificar possíveis manchas. O oceano tem certa rugosidade superficial. Mas quando existe óleo na superfície, essa rugosidade diminui, fica mais lisa. É um padrão muito comum em manchas de óleo”, afirmou o professor.
Após a descoberta das manchas, grupos de pesquisa liderados pelo professor Guilherme Lessa, da UFBA, e Carlos Teixeira, da Universidade Federal do Ceará se empenharam em identificar o local exato para onde o óleo deve chegar na costa brasileira, de acordo com a direção dos ventos e correntes marítimas.
O fato pode ser confirmado ou não. Mas o risco de continuidade do despejo de óleo clandestino é real, como é fato que estamos diante de um país em estado de desagregação (Venezuela) cujos governantes dilapidam o que sobrou como ratazanas, vendendo o que podem, de per si, clandestinamente – e isso inclui o óleo cru. Também há bombeamentos em profusão, autorizados ou não, em alto-mar, na costa brasileira, e acidentes de vazamento reportados apenas parcialmente, como abaixo será apontado.
O somatório de episódios de contaminação nas praias permanece inconcluso, embora todos os esforços estejam sendo envidados pelo pessoal do IBAMA – como pôde me relatar pessoalmente o ativo superintendente da Bahia, Rodrigo Alves, que tratou de verificar a autenticidade da informação da UFBA, não encontrando as evidências em alto mar, nas coordenadas indicadas.
Assim, o que há de oficial é que a mancha pode ser uma só, que está se espalhando , embora não se tenha localizado sua origem – e as limpezas das praias têm reduzido a ocorrência nas praias seguintes, seguindo a corrente e a direção dos ventos. Mas outras manchas podem vir a ocorrer.
A situação não pode ser subestimada
Ou seja, o espetáculo lamentável de poluição por óleo que já atinge centenas de praias no litoral norte e nordeste do Brasil, afeta biomas e unidades de conservação e já avança pela foz de rios, em águas interiores, pode piorar.
Fica claro, todavia, que as autoridades brasileiras não estão agindo com a perspectiva estratégica adequada.
Não se trata de fazer o rescaldo, limpar as praias e acionar dispositivos de reparação de danos convencionais. Trata-se de por em prática planos de contingência e emergência, acionar os radares internacionais e se preparar para um embate de maiores proporções.
O Ibama acionou protocolos próprios, desde o início, sem fazer alarde disso, o que de certa forma confundiu a opinião pública – mas isso se deveu à comunicação falha do governo. A agência ambiental luta, porém, com as enormes assimetrias ocorrentes nas organizações de cada estado nordestino, sendo que uns prestam apoio eficaz e outros, praticamente se resumem à inércia.
Parece que há uma inação, em especial no nosso Ministério do Meio Ambiente, por conta das alterações de pessoal efetuadas nos quadros de segundo e terceiro escalão, sem que se nomeasse pessoal encarregado de aplicar as normas atinentes à hipótese de ocorrência de um evento da magnitude que estamos agora enfrentando. Isso levou a um atraso considerável no acionamento dos protocolos de primeiro escalão, como foi o caso do plano de contingência. Ficou notório que não havia uma sala de situação e que a coordenação se transferiu do MMA para a Marinha, quando se tratou de acionar uma mesa de coordenação.
Sequer as frentes de trabalho – muitas delas informais – formando mutirões de limpeza nas praias, encontram-se assistidas pela autoridade federal. Falta tudo: de luvas e botas ao cadastramento, apoio logístico e material e, sobretudo, orientação.
O caso é muito grave, mas ainda é tempo de acionar todos os dispositivos pertinentes.
Hora de acionar os recursos legais e institucionais
Penso que os dispositivos estão todos lá. Deveríamos simplesmente fazer um “resgate” para pô-los em prática imediatamente. Isso iria calar a boca da oposição e prestigiar parte do público interno do próprio SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente, que hoje parece estar acuado, face á falta de diálogo praticada no âmbito do ministério. Essa falta de diálogo atinge, principalmente, aqueles que apoiaram o novo governo (ironia que impressiona).
Chegamos atrasados no desmatamento, nos incêndios e no derrame de petróleo…porque parece que não há gente qualificada no STAFF do Ministro Ricardo Salles, para orientá-lo. Isso causa o fenômeno conhecido por “surdez institucional”.
O ideal seria montar um pequeno conselho no gabinete do Ministro, para resgatar olhos e ouvidos da autoridade, superando a deficiência. Mas um decreto presidencial de abril de 2019, nº 9.759, extinguiu comissões e colegiados ao mesmo tempo que limitou a formação de novos na Administração Pública – como se doravante o governo não quisesse mais ouvir ninguém…
O que preocupa é que dispositivos legais e órgãos existentes parecem que não foram acionados no devido tempo. As informações não chegam ao ministro e, portanto, ao presidente.
Ficamos assim, todos expostos á poluição e á bateria proselitista de uma oposição descompromissada com os interesses nacionais.
A poluição tem método e agentes nacionais e internacionais suspeitos
O acima noticiado pela Folha de São Paulo, informado pela Universidade Federal da Bahia, mostra que o derrame criminoso pode ainda estar ocorrendo em alto mar. Com certeza essa poluição é proveniente de transposição clandestina de óleo cru venezuelano para navios sem transpônder ou identificação assinalada por satélite. Esse comportamento forma um padrão de resposta às sanções internacionais ou puro desvio de produto por organizações criminosas instaladas na Venezuela, que espoliam o povo e o Estado e ganham dinheiro vendendo o produto clandestinamente para sistemas que possuem refinarias clandestinas ou países que admitem práticas ilegais de comércio.
O Irã pratica transporte e transbordo clandestino para fugir ao bloqueio norte americano e a Venezuela não age diferente, com o agravante de se ter uma ditadura absolutamente corrupta no país latino, com gente celerada, ousada o suficiente para utilizar equipamento de governo para roubar óleo cru em benefício privado.
É patente que essa atividade é que está produzindo o desastre nas costas do Brasil. E a suspeita recai sobre a rota alternativa operada pela China, que, suspeita-se, trata de se abastecer oficialmente da África e clandestinamente do Irã e da Venezuela – e nesse caso não poderia utilizar do Canal do Panamá para fazer o transporte do óleo obtido ilegalmente.
Vários barris contendo óleo cru apareceram em praias de Sergipe, vários com inscrições feitas à mão – denotando reutilização do material para fim diverso do original. Nos barris constam entre outras inscrições a palavra “ekata” e a expressão “dirty bilge”. “Dirty bilge” é o nome que se dá, em inglês, à água suja que se acumula nos porões dos navios, em geral contaminada por resíduos e óleos das máquinas. “Ekata” é uma palavra em hindu que significa “solidariedade” ou ” unidade”.
Ekata – ou Ekta, como a palavra também é grafada, pode ser o nome do navio que transportava os barris. O único petroleiro com esse nome, segundo informações de Diogo Schelp – do Blogosfera, está com status “descomissionado”.
Segundo o sistema de rastreamento de embarcações Marine Traffic, a última posição conhecida desse navio era o porto de Chittagong, em Bangladesh, em 2017. Empresas da Índia, de Singapura e de outros países do Sul e do Sudeste Asiático estão entre as que ainda compram petróleo venezuelano, apesar das sanções impostas pelo governo americano. Geralmente, o transporte é feito pela estatal russa Rosneft, com navios próprios ou alugados. Para burlar as sanções, os petroleiros têm seus transponders desligados e dessa forma, sua rota não pode ser rastreada por satélite. É uma rota fantasma.
O transporte inclui transferência de carga em alto-mar. O transbordo clandestino se faz desastradamente, sem qualquer cuidado (afinal, é inteiramente criminoso), por meio de bombeamento e, no varejo dos desvios efetuados por barcos menores, por transferência por barris (latões) de óleo cru. Um verdadeiro bioterrorismo que será negado por qualquer nação envolvida, exigindo firme postura do Brasil.
Mas há quem deva esclarecimentos sobre fatos também no Brasil.
No final do mês de agosto, a empresa japonesa Modec, a serviço da Petrobras, notificou a ocorrência de trincas no casco do navio FPSO Cidade do Rio de Janeiro. Este navio, velho e ultrapassado, está em fase de descomissionamento e oficialmente não estava mais em serviço desde meados de 2018.
Por conta da ocorrência, mais de cinco mil litros de “petróleo residual” vazaram a partir da Bacia de Campos, no litoral norte fluminense, a 130 quilômetros da costa.
“Petróleo residual” é borra. Algo similar ao “piche” que é produzido pela Venezuela. Esse vazamento foi localizado quando se estavam desconectando as mangueiras de bombeamento de óleo, de plataformas para o navio.
O dito navio foi evacuado pois a última notícia – informada por fontes do Sindipetro, era de que estava indo a pique. O fato era tão grave que a própria ANP instalou um “gabinete de crise” para acompanhar a situação.
No FPSO Cidade do Rio de Janeiro havia 169 m³ de borra oleosa – uma mistura de óleo, sólidos e água que se forma no fundo de tanques de armazenamento de petróleo. Comparando com óleo cru, 169 metros cúbicos equivalem a cerca de 1050 barris – pesando 280 toneladas.
Tão somente este detalhe, deveria acender um alerta para a ocorrência no nordeste pois, embora a corrente próxima à costa tome direção sul, por conta dos giros oceânicos há possibilidade do material retomar a corrente do equador – ascendente, em alto-mar e… desaguar no nordeste.
São os giros oceânicos que produzem, aliás, o ajuntamento de resíduos flutuantes, formando ilhas plastificadas no mar.
Assim, o acidente acima relatado, e as ações criminosas de bombeamento e transporte clandestino, ao longo da costa, não podem ser descartados em uma investigação.
Bombeamento regular entre navios também preocupa
Mais que dobrou o número de transferências de petróleo navio a navio em águas profundas na plataforma continental do Brasil neste ano de 2019.
Ocorre que o monitoramento dessas manobras offshore pela Marinha e Ministério do Meio Ambiente é ainda muito frágil.
De fato, uma colisão ocorrida em julho de 2017, entre dois navios-tanque, sequer foi reportada, embora tenha sido constatada pela Agência de Notícia Reuters, da simples verificação dos registros de remessa do próprio governo federal.*
Ao que tudo indica, as transferências continurão subindo com a exploração do óleo no pré-sal, por empresas como Exxon Mobil Corp. e a Royal Dutch Shell Plc, que se habilitaram nos recentes leilões offshore. Durante essas manobras, os navios se encostam e o óleo é transferido para o navio através de mangueiras de alta pressão. A prática começou a seré permitida a partir de 2013 nas águas brasileiras.
O fraco monitoramento dessa atividade não apenas dificulta o rastreamento como torna inconfiáveis as estatísticas básicas sobre o número de transferências ocorridas.
Segundo a Agência Reuters, a Marinha do Brasil registrou 59 entregas navio a navio pelos produtores de petróleo, realizadas e em realização até 30 de outubro de 2019. Praticamente o dobro do número registrado no ano de 2018 (28 entregas). Porém, a Shell e uma joint venture Repsol Sinopec declararam ter efetuado 65 transferências, neste mesmo período de 2019 – computando operações até final de outubro. A Marinha, segundo a Reuters, não conseguiu explicar a diferença de números.
Por óbvio que essa falha de monitoramento estimula operações clandestinas e facilita bastante as transferências não reportáveis, utilizando óleo não extraído na plataforma brasileira.
O que fazer
O comitê executivo do Plano de Contingência, implantado em 2018, PRECISA SER ACIONADO imediata e emergencialmente.
Humildade é importante nesse momento. Assim, chamar o pessoal de emergência da Petrobrás para uma conferência de urgência com a sala de situação – a fim de conhecer os procedimentos, subsidiar a decisão e reforçar as ações, seria o mínimo e básico a fazer.
Importante acionar a MARPOL – Convenção Internacional sobre Derramamento de Óleo em Águas internacionais, sem descurar da convenção de Direitos do Mar que os deu “direitos de soberania” sobre a ZEE – que acredito açambarque essa mancha que está vindo…
A CLC/69 – Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição por Óleo, de 1969, foi ratificada pelo Brasil e se soma à MARPOL 73/78 – Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Causada por Navios, concluída em Londres, em 2 de novembro de 1973 e alterada pelo Protocolo de 1978 – também concluído em Londres, em 17 de fevereiro de 1978, com emendas posteriores, ratificadas pelo Brasil.
São dispositivos que praticamente nos obrigam, como Nação, a acionar os instrumentos jurídicos internacionais para reclamar sanções contra os poluidores.
A OPRC/90 – Convenção Internacional sobre Preparo, Resposta e Cooperação em Caso de Poluição por Óleo, de 1990, também foi ratificada pelo Brasil e encontra meios de implementação interna na Lei Federal 9.966, de 2000, que dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional. É nesse dispositivo legal que se estabelece a necessidade de planos de contingência e de emergência, não apenas nas estruturas privadas como nos portos, plataformas, linhas de navegação e organismos públicos de gerenciamento territorial e costeiro.
O Decreto 8.127, de 22 de outubro de 2013, instituiu o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional e foi recentemente alterado em 2018, com a edição de um manual completo, com protocolos e procedimentos.
Este decreto presidencial prevê o Ministério do Meio Ambiente no comando de uma sala de situação intergovernamental. Essa sala não foi instalada até o presente momento. Ou seja, o governo está agindo reativamente… por instinto, e isso é muito grave.
A propósito, a Instrução Normativa Ibama nº 26 de 18 de dezembro de 2018, define os parâmetros e procedimentos para monitoramento ambiental da aplicação de dispersante químico no mar, conforme definido na Resolução CONAMA nº 472 de 27 de novembro de 2015. Nesta Instrução Normativa é definido que o poluidor é o responsável pelas operações de resposta ao incidente de poluição por óleo no mar e deverá possuir um Plano Conceitual de Monitoramento Ambiental do Uso de Dispersante Químico – Conceitual (PMAD-C).
O PMAD-C é usado sempre que houver a possibilidade de utilização da técnica de resposta de dispersão química no mar (conforme informa o IBAMA).
Com efeito, bastaria às autoridades envolvidas na questão LEREM o que se encontra no site do próprio Ministério do Meio Ambiente…
Hora do presidente acionar a Marinha e assumir o controle
Muito está sendo feito para a limpeza das praias e recolhimento do óleo.
Relatórios divulgados pelo IBAMA demonstram que a estrutura remanescente da agência funcionou, por empenho das superintendências e equipes de emergência. Fizeram-no com o apoio das agências locais e a Marinha do Brasil. Tratam-se de entidades permanentes, com protocolos próprios, que foram devidamente acionados quando verificados os danos. A ESTES devemos agradecer.
O governo – MMA e chefia do executivo, nos devem ainda explicações.
A Marinha deveria assumir as ações de investigação do fenômeno, pois a Polícia Federal não têm a mínima condição de atuar como órgão investigativo em um procedimento criminoso que com certeza revelará uma organização clandestina envolvendo países estrangeiros – com implicações que transcendem os aspectos policiais.
Esse fato denota que o Brasil não possui um sistema de inteligência ativa, investigação e pronta intervenção que assuma atribuições em casos similares ao que agora enfrentamos com a poluição sistemática produzida contra a nossa costa e nosso território marítimo.
A essa altura, é o caso de sugerir fortemente ao Presidente da República, que reúna um conselho para por em prática os dispositivos legais. Interna e internacionalmente.
Uma boa chance do Brasil “dar o troco” e cobrar uma ação da ONU. Acionar o Conselho de Segurança para analisar o tráfego internacional clandestino de petróleo venezuelano entre a África e o Brasil.
Está na cara que há um incidente internacional em curso.
Nota:
https://www.bahianoticias.com.br/noticia/240389-radar-europeu-identifica-mancha-de-oleo-de-21-quilometros-quadrados-em-direcao-a-bahia.html
https://diogoschelp.blogosfera.uol.com.br/2019/10/12/oleo-de-barris-encontrados-em-praias-e-o-mesmo-das-manchas-que-poluem-ne/
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View”. Foi integrante da equipe que elaborou o plano de transição da gestão ambiental para o governo Bolsonaro.
Fonte: The Eagle View