O espaço urbano está tomado por Bunkers Imobiliários e comunidades à espera de regularização fundiária.
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Trago uma preocupação com a desagregação social urbana, oriunda da forma como construímos as cidades no Brasil.
Nosso foco será o descontrole pela megalomania.
Não trataremos da miséria e da ocupação irregular de áreas de risco, de favelas e assentamentos irregulares periféricos. Veremos, no entanto, que esses fenômenos decorrem da segregação estrutural das camadas mais pobres da população, na exata proporção do avanço do grande capital rentista sobre o tecido urbano.
Essa desagregação se expressa nos projetos arquitetônicos elitistas, que segregam e discriminam.
Cidade: um organismo vivo
A cidade é expressão orgânica da trama de relações políticas, sociais e econômicas da humanidade. É na cidade que se desenvolve a política e se afirma o Estado.
Max Weber definiu a cidade como um “conjunto de lealdades”. Afinal, a urbanidade é base da vida em sociedade. Berço do mercado, a cidade é a razão estética da democracia.
É a arquitetura urbana que define os usos plurais dos espaços e o modo de convivência dos cidadãos.
O uso do espaço nas cidades, no entanto, é matéria intrinsecamente conflituosa, e os conflitos decorrentes desse fenômeno têm vínculo direto com as transformações dos regimes democráticos e do direito.
Cidades são organismos vivos. Seu perfil arquitetônico (usos e distribuição do solo), sempre expressará o grau de assimetria social e política nelas inseridos. Isso envolve organização política, traços culturais, ciclos econômicos e planejamento governamental.
Nossa Constituição condiciona o cumprimento da função social da propriedade urbana ao uso conforme ordenamento expresso no plano diretor da municipalidade.
No entanto, estamos mergulhados num profundo descontrole territorial, e isso nos obriga a rever a aplicação de institutos caros à gestão ambiental urbana, visando o interesse social neles inserido.
Planejamento desconexo
Nas grandes cidades do Brasil, conflitos se acumulam por não cumprirem os governos com PLANOS DIRETORES MUNICIPAIS. Isso porque nossas autoridades sequer desconfiam onde eles se inserem na implementação do princípio da prevenção, como fator político de controle territorial.
No Brasil, parece haver uma dissonância cognitiva com referência ao planejamento. Preocupadas em atender demandas imediatas, com base em vieses ideológicos ou interesses imobiliários, as autoridades não inventariam e não mapeiam o território que deviam administrar. Selecionam o que interessa ao que previamente idealizaram ou lhes interessa. Como não planejam conforme o mapa que deveriam ter e são incapazes de ordenar o território, não orientam seu uso conforme o que de fato deveria ser planejado.
O maior sintoma dessa disfuncionalidade é a omissão sistemática em reconhecer manchas urbanas consolidadas e nelas operar regularização fundiária.
Chega a ser doentia a invisibilidade operada sobre a cidade de fato… visando adequar “o que não se quer ver” a um conjunto de critérios legais inaplicáveis para conferir visibilidade.
A consequência é a barbárie comportamental, induzida pela feudalização do solo urbano, pela gentrificação traduzida em projetos habitacionais distantes e dispendiosos, pela especulação imobiliária que segrega e degrada – fenômenos que alimentam o descontrole territorial.
As vilas e cidades desenvolvem-se conforme um padrão cultural historicamente determinado. Esse padrão segue a geomorfologia, a origem etnico-cultural dos habitantes, os ciclos econômicos determinantes e o impacto das circunstâncias históricas ou ambientais, que determinam o desenvolvimento ou a ruína. A pluralidade do tecido urbano marca a cultura da cidade e determina a forma de convivência dos seus habitantes.
No entanto, a tecno-burocracia instalada nos centros de planejamento urbano brasileiros e nos setores imobiliários, articulada com seguimentos econômicos predatórios, ignora os fatos. Olha para a cidade e suas multiplicidades como palco assimétrico para implantação de simetrias, como “estoque imobiliário”, ou oportunidade para engenhosas intervenções cosméticas.
A dissociação cognitiva que acomete operadores do espaço urbano também ocorre nas hostes da jusburocracia. Vieses e interesses ocasionais literalmente desprezam a história, a sociologia, a gestão ambiental e economias comunitárias.
O efeito é sinérgico. Retroalimenta camadas sociais desconectadas com a cultura das cidades em que vivem. Somado à inacreditável concentração econômica, desfigura a cidade.
A coreografia em torno dos planos diretores é patética. Mapas ignoram realidades e manchas urbanas. Eixos são determinados para transferir bens e pessoas de uma ponta a outra, sem qualquer atenção a economias locais. Anistias viram tabu e disfunções se eternizam sem perspectiva jurídica. Audiências públicas reforçam demandas locais e servem de palco para proselitismos políticos. A judicialização… completa a pantomima.
Todos querem o ideal. Ninguém quer ver o real.
“Comunidades” são bairros
Nos países culturalmente mais avançados, a assimetria é absorvida pelo planejamento urbano integrado à indústria do turismo, à preservação histórica e à proteção do patrimônio cultural.
Há, também, absorção de manchas ocupadas assimetricamente, cuja situação consolidada demanda ação similar à acima relatada.
Manchas urbanas informais, porém consolidadas, tornam-se bairros, fixando culturas urbanas locais. Uma vez assimiladas, desenvolvem rápida urbanização e valorização arquitetônica. Já a valorização arquitetônica de núcleos tradicionais, impede que a especulação imobiliária dirija o desenvolvimento da cidade para fora dos seus eixos.
No Brasil, porém, todos esses ciclos são abominados por um corpo dirigente desconectado, quando não comprometido com interesses dissonantes. Centros são desvalorizados em função de novos eixos, comunidades consolidadas são ignoradas e bairros tradicionais destruídos.
Esse fenômeno resulta na degradação e morte dos centros urbanos e na proliferação de favelas, em quase todas as cidades no Brasil.
Feudalização do solo
O feudalismo urbano reflete a “defesa” das elites desconexas “contra” comunidades com as quais não interagem.
A feudalização desagrega o pluralismo comunitário, explode a possibilidade física de convivência entre diferentes e segrega os mais humildes. Divide comunidades por muros, cancelas e portarias, isso quando não há apropriação de quarteirões e bairros inteiros – demolidos, pulverizados e reconfigurados para abrigar palácios de vidro e concreto, cercados por guaritas e “seguranças”.
Como nos antigos feudos, os abastados se assenhoram das partes altas da cidade, instalando ali seus núcleos de moradia e convivência. Protegem-se da “barbárie” encastelando suas atividades em verdadeiras cidadelas erigidas no espaço urbano, as quais desfiguram vilas, bairros e regiões, relegando os estamentos pobres às zonas periféricas e aos assentamentos irregulares.
Camadas desfavorecidas, premidas pela necessidade geográfica de permanecerem próximas aos tomadores de seus serviços, sobrevivem confinadas em favelas, postas nos fundos de vale, encostas de morro e demais áreas de risco. Impedidas juridicamente de normalizar sua condição, ficam expostas às atividades organizacionais clandestinas que ali se desenvolvem, na ausência de controle do Estado.
Bunkers imobiliários
Os bunkers imobiliários, são exemplo da urbanização predatória de nossas cidades, tão pretensamente sofisticados quanto ostensivamente segregadores.
Bunkers imobiliários configuram “Mega Empreendimentos” – construção de conjuntos urbanos integrados por prédios comerciais e condomínios residenciais, formatados para interagir de forma simbiótica, exclusiva e excludente.
Protegidos por barreiras físicas ostensivas, sistemas redundantes de monitoramento, segurança, e funcionários treinados para retransmitir arrogância (“homens de preto” – como se os habitantes do entorno fossem “aliens”).
De fato, bunkers não interagem com o entorno. Pelo contrário – o destroem.
Desconsideram escolas, farmácias, comércio local, praças, clubes, igrejas, ruas e vilas. Formam uma redoma impermeável à realidade social, destruindo qualquer pretensão de centralidade urbana ou interatividade positiva com a vida da cidade.
Essas novas formas de “cidades proibidas” servem a uma minoria cada vez menor, em todos os sentidos. Terminam pulverizando a comunidade onde agressivamente se inserem, ainda que revelem traços do mais belo design arquitetônico.
Bunkers imobiliários geram tráfego, complicam o trânsito, provocam alterações no uso do solo e produzem contrastes estético-sociais que estressam a paisagem urbana.
Em termos jurídicos, “ferem” a normalidade da vizinhança e geram impacto ambiental.
O bunkers não são causa e sim efeito da arrogância piramidal, que a crescente concentração de renda impõe à sociedade. Expressam a megalomania comportamental de uma nova e ascendente “elite”, que polui e degrada o ambiente urbano, tanto quanto a miséria da qual pretende “em tese” se isolar.
A “cocaína” dos Shoppings Centers
No mesmo diapasão, reunindo todas as megalomanias urbanas em um mesmo polo gerador de impacto ambiental, remanescem os shopping centers – templos do consumo urbano que induzem enormes transformações socioambientais na cidade.
Como qualquer droga, ainda que necessária à contenção da degradação de nosso próprio corpo, os centros de compra, se administrados na dosagem certa, de fato podem atuar como remédio para a renovação, expansão e regeneração de áreas urbanas. No entanto, se administrados fora da dose recomendada, podem “viciar” o tecido social, causar alterações teratológicas que desfiguram todo o entorno e terminam por provocar males os mais variados.
Os shoppings centers são “cocaínas urbanísticas”. Drogas administradas no organismo urbano que atuam como neuro estimulantes do consumo e despertam disfunções comportamentais, como o egocentrismo social desagregador.
Bunkers imobiliários e shopping centers demandam, por isso mesmo, análise prévia dos seus significativos impactos, para muito além da conveniência arquitetônica, para a concessão de licença para construir.
A regularização fundiária
Como uma pinça de extração, é urgente que a regularização fundiária, e por conseguinte a do comércio local, seja implantada.
Regularização fundiária não se confunde com projeto habitacional. Não se trata de transferir ou alocar pessoas mas, sim, reconhecer a mancha urbana, a ocupação consolidada, e operar o reconhecimento do fato, permitindo que os beneficiários se integrem ao espaço urbano como proprietários, tenham benefício à zeladoria, saneamento, urbanização e arborização. Vielas, pequenas habitações, lages seguras, podem e devem ser admitidas se consolidadas pelo tempo. Muitas vezes… a simetria torna-se desumana.
Um exemplo perverso desse fenômeno está no choque da legislação urbanística e ambiental… com a realidade urbana.
Soa como se a realidade fosse ignorada pelo papel, e a letra da lei gerasse conflitos, em vez de resolvê-los.
A legislação urbanística e ambiental, no processo de reconhecimento do fato consolidado, não raro é aplicada para impedir a regularização. Dessa forma, a lei estará teleologicamente contribuindo para o processo de gentrificação e exclusão.
Esse dilema, no entanto, não mais se justifica ante a nova Legislação de Regularização Fundiária Urbana, finalmente baixada em 2017. (*1)
Muito importante, portanto, que corajosas anistias, e termos de ajustes em escala, envolvendo múltiplos atores – incluso o Ministério Público, se engajem na solução dos conflitos fundiários urbanos, pois eles estão na raiz da degradação da urbe.
A Avaliação Ambiental
Como a outra ponta da pinça, o instrumento da Avaliação Ambiental é recurso importantíssimo,
A Avaliação Ambiental Estratégica – AAE, insere-se nos atos de governo, incluso o de regularização fundiária, justamente para conferir os parâmetros ambientais que devem ser observados na articulação e execução de Planos, Políticas e Programas.
Pouco compreendido no Brasil – e mesmo confundido com a avaliação de impacto ambienral de projetos e empreendimentos, o instrumento da AAE é importante balizador do proponente da política, essencial marco justificador da decisão da autoridade proponente.
Estabelecida a Política Pública, plano ou programa, os empreendimentos têm sua disposição dinamizada no espaço urbano.
Projetos urbanos, quando significativos e consentâneos com os planos, políticas e programas, correm por uma trilha de análise e licenciamento extremamente objetiva e segura. Essa análise, hoje, deve se dar por meio da apresentação de uma avaliação sumária, um Relatório de Impacto de Vizinhança – RIVI ou, quando demandar avaliação mais complexa, por meio do Estudo de Impacto Ambiental.
A Avaliação de Impacto Ambiental permite à autoridade municipal fazer análise realista e confiável da adequação ou não dos empreendimentos às condições existentes no entorno. Porém, o processo é dispositivo e vinculado. A oportunidade e a conveniência das mudanças permanecem vinculadas ao critério de ordenamento territorial, restando ao analista contemplar objetivamente os efeitos positivos e negativos sobre o uso e ocupação do solo, adensamento populacional, demanda por transporte público, impacto sobre a paisagem urbana e no patrimônio natural e cultural.(*2)
Como estabelece o artigo 38 do Estatuto da Cidade, o Relatório de Impacto de Vizinhança não substitui o Estudo de Impacto Ambiental – EIA, na hipótese de se exigir legalmente este último face à significância do impacto e complexidade do entorno.
Esse destaque torna-se importante quando ocorre conflito no uso simultâneo de institutos de avaliação de impacto na implantação de uma OPERAÇÃO URBANA – para a qual já há exigência expressa de se proceder ao EIA.
Não raro, após implantada a operação, deixa-se de se exigir o RIVI para instalação dos bunkers e shopping centers a serem construídos, sob pretexto destes estarem “previstos na própria operação avaliada pelo EIA”. LEDO ENGANO! O disposto no artigo 38 do Estatuto da Cidade está ali posto justamente para não permitir que obras impactantes ocorram sem a necessária avaliação, caso a caso, obviamente consideradas as diretrizes da operação urbana ordenatória do entorno.
Como reza o artigo 2º do Estatuto da Cidade, o ordenamento do solo visa justamente impedir “o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infraestrutura urbana” e “a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como polos geradores de tráfego, sem a previsão da infraestrutura correspondente”.
O Código Civil brasileiro também fornece meios de proteção contra teratologias instaladas no tecido urbano, conferindo á vizinhança o direito de reagir à obra. (*3)
Conflitos no uso dos instrumentos de avaliação de impactos para empreendimentos que externam megalomanias urbanas, têm causado dores de cabeça a um judiciário ainda não preparado para compreender a magnitude da questão, mormente quando as próprias administrações municipais, idiossincráticas a toda prova, não possuem, elas mesmas, condições de proceder a uma análise técnica objetiva, eficiente, célere e segura, dos impactos ambientais complexos desses empreendimentos.
Há uma ilicitude no abuso econômico externado pela assimetria criada na forma do uso do solo. Essa ilicitude é inclusive presumida pelo Código Civil. (*4)
Como se vê, normas legais não faltam. A miséria se concentra nos seus operadores…
Tudo vai mudar…
Urge, portanto, ocorrer no Brasil a capacitação dos operadores do direito para o bom manejo dos estudos de impacto ambiental e de vizinhança, em benefício de todos os que enfrentam o desafio de debater as necessidades “reais” e compreender as demandas supérfluas da polis contemporânea.
O avanço da tecnologia poderá impor mudanças bruscas, é bem verdade, nessa caótica disposição do solo urbano. As infovias, o ambiente cibernético, a substituição dos mecanismos de mobilidade urbana e a chamada “internet das coisas” poderá, muito em breve, transformar esses palácios de concreto, vidro, granito e mármore… em criptas vazias, túmulos arquitetônicos erigidos em homenagem à arrogância construída analogicamente e… transformada pelas vias digitais. No entanto, até lá, a segregação crescente poderá gerar distorções violentas que precisam ser mitigadas.
Como acreditavam os gregos, a política é a arte de definir os limites.
Claro está que o desafio ambiental no contexto urbano é essencialmente político e exige o estabelecimento de limites e novas relações, mais saudáveis e éticas, menos consumistas e megalomaníacas, com o meio em que vivemos.
Nos faltam escolas de humanidades que preparem os gestores da nova arquitetura urbana, para lidar com a base da pirâmide, antes de prestarem vassalagem ao vértice. Caso contrário, essa base fará o conjunto todo ruir.
Por fim, a regularização fundiária urge nas cidades brasileiras, como forma de resgatar o solo urbano e reintroduzí-lo na economia e… no regime democrático.
Notas:
*1 – A Lei 13.465/2017 instituiu, finalmente, os instrumentos de Regularização Fundiária Urbana, não havendo mais porque municípios não adequarem seu ordenamento territorial à realidade geográfica e social.
Reza a Lei que:
“Art. 9º Ficam instituídas no território nacional normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana (Reurb), a qual abrange medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes.
§ 1º Os poderes públicos formularão e desenvolverão no espaço urbano as políticas de suas competências de acordo com os princípios de sustentabilidade econômica, social e ambiental e ordenação territorial, buscando a ocupação do solo de maneira eficiente, combinando seu uso de forma funcional.
§ 2º A Reurb promovida mediante legitimação fundiária somente poderá ser aplicada para os núcleos urbanos informais comprovadamente existentes, na forma desta Lei, até 22 de dezembro de 2016.
Art. 10. Constituem objetivos da Reurb, a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios:
I – identificar os núcleos urbanos informais que devam ser regularizados, organizá-los e assegurar a prestação de serviços públicos aos seus ocupantes, de modo a melhorar as condições urbanísticas e ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior;
II – criar unidades imobiliárias compatíveis com o ordenamento territorial urbano e constituir sobre elas direitos reais em favor dos seus ocupantes;
III – ampliar o acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, de modo a priorizar a permanência dos ocupantes nos próprios núcleos urbanos informais regularizados;
IV – promover a integração social e a geração de emprego e renda;
V – estimular a resolução extrajudicial de conflitos, em reforço à consensualidade e à cooperação entre Estado e sociedade;
VI – garantir o direito social à moradia digna e às condições de vida adequadas;
VII – garantir a efetivação da função social da propriedade;
VIII – ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes;
IX – concretizar o princípio constitucional da eficiência na ocupação e no uso do solo;
X – prevenir e desestimular a formação de novos núcleos urbanos informais;
XI – conceder direitos reais, preferencialmente em nome da mulher;
XII – franquear participação dos interessados nas etapas do processo de regularização fundiária.
Art. 11. Para fins desta Lei, consideram-se:
I – núcleo urbano: assentamento humano, com uso e características urbanas, constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima de parcelamento prevista na Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972 , independentemente da propriedade do solo, ainda que situado em área qualificada ou inscrita como rural;
II – núcleo urbano informal: aquele clandestino, irregular ou no qual não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua implantação ou regularização;
III – núcleo urbano informal consolidado: aquele de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município;
IV – demarcação urbanística: procedimento destinado a identificar os imóveis públicos e privados abrangidos pelo núcleo urbano informal e a obter a anuência dos respectivos titulares de direitos inscritos na matrícula dos imóveis ocupados, culminando com averbação na matrícula destes imóveis da viabilidade da regularização fundiária, a ser promovida a critério do Município;
V – Certidão de Regularização Fundiária (CRF): documento expedido pelo Município ao final do procedimento da Reurb, constituído do projeto de regularização fundiária aprovado, do termo de compromisso relativo a sua execução e, no caso da legitimação fundiária e da legitimação de posse, da listagem dos ocupantes do núcleo urbano informal regularizado, da devida qualificação destes e dos direitos reais que lhes foram conferidos;
VI – legitimação de posse: ato do poder público destinado a conferir título, por meio do qual fica reconhecida a posse de imóvel objeto da Reurb, conversível em aquisição de direito real de propriedade na forma desta Lei, com a identificação de seus ocupantes, do tempo da ocupação e da natureza da posse;
VII – legitimação fundiária: mecanismo de reconhecimento da aquisição originária do direito real de propriedade sobre unidade imobiliária objeto da Reurb;
VIII – ocupante: aquele que mantém poder de fato sobre lote ou fração ideal de terras públicas ou privadas em núcleos urbanos informais.
§ 1º Para fins da Reurb, os Municípios poderão dispensar as exigências relativas ao percentual e às dimensões de áreas destinadas ao uso público ou ao tamanho dos lotes regularizados, assim como a outros parâmetros urbanísticos e edilícios.
§ 2º Constatada a existência de núcleo urbano informal situado, total ou parcialmente, em área de preservação permanente ou em área de unidade de conservação de uso sustentável ou de proteção de mananciais definidas pela União, Estados ou Municípios, a Reurb observará, também, o disposto nos arts. 64 e 65 da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012 , hipótese na qual se torna obrigatória a elaboração de estudos técnicos, no âmbito da Reurb, que justifiquem as melhorias ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior, inclusive por meio de compensações ambientais, quando for o caso.
§ 3º No caso de a Reurb abranger área de unidade de conservação de uso sustentável que, nos termos da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000 , admita regularização, será exigida também a anuência do órgão gestor da unidade, desde que estudo técnico comprove que essas intervenções de regularização fundiária implicam a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior.
§ 4º Na Reurb cuja ocupação tenha ocorrido às margens de reservatórios artificiais de água destinados à geração de energia ou ao abastecimento público, a faixa da área de preservação permanente consistirá na distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum .
§ 5º Esta Lei não se aplica aos núcleos urbanos informais situados em áreas indispensáveis à segurança nacional ou de interesse da defesa, assim reconhecidas em decreto do Poder Executivo federal.
§ 6º Aplicam-se as disposições desta Lei aos imóveis localizados em área rural, desde que a unidade imobiliária tenha área inferior à fração mínima de parcelamento prevista na Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972 .”
*2 – A exigência está contida no inciso IV do parágrafo 1º. Do artigo 225 da Constituição Federal e encontra previsão legal no artigo 10 da Lei Federal 6.938/81 – Política Nacional do Meio Ambiente e nos artigos 36 e 37 do Estatuto da Cidade – Lei Federal 10.257/2001.
*3 – Senão vejamos:
“Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.
Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.” (grifamos)
*4 – Conforme rezam os artigos 187 e 927, abaixo reproduzidos:
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes
(…)
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” (grifamos)
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 20/06/2023
Edição: Ana Alves Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião dessa revista, mas servem para informação e reflexão.