De Iris Rezende a Donald Trump, há muito que fazer – e com que se preocupar
Por Elder Dias*
Quais os desafios postos para o meio ambiente nos níveis municipal, estadual, nacional e mundial no próximo ano?
Se o meio ambiente, em vez de uma bandeira de movimentos sociais, fosse um tipo de equipamento público de uma cidade, com certeza seria a praça. Não há como negar que há prazer em ver uma pracinha bem cuidada, por exemplo, no bairro onde se mora ou em frente a seu prédio. Quem não quer uma praça bonita, urbanizada e preservada? Mas a regra, porém, é de que a preocupação com ela deva ser “do outro”. Se tiver como usufruir, melhor; caso contrário, a culpa é do governo – ou dos “vândalos”.
Assim é também a relação que as pessoas costumam ter com o meio ambiente. Ninguém rejeita uma praça, mas há outras prioridades pela cidade: se houver uma hierarquia de reivindicações, provavelmente virão antes o asfalto, a linha de ônibus, o posto de saúde, a escola, a creche, a delegacia, a feira e outros itens.
A conservação do meio ambiente, como a da praça, nunca teve qualquer sentido de urgência. Não se percebe, à primeira vista, como preservar um determinado terreno de vegetação ainda intocada poderá ser mais útil do que construir nele um novo conjunto habitacional. Ou uma lavoura de soja. Pra que prova maior disso do que o tom de deboche com que foram encaradas as paralisações de obras por interferirem no habitat de animais? Foi o caso do Arco Metropolitano, em Seropédica (RJ), que ameaçava uma espécie de rã de 2 centímetros; hidrelétricas no Rio Madeira, que pararam por causa de um peixe, a dourada; e de uma túnel na BR-101, no Rio Grande do Sul, obra interrompida por sete meses para verificar se uma espécie de perereca estava ou não em extinção.
São casos extremos, mas também exemplares. O que significa uma rã de 2 centímetros diante de uma obra importante como os 145 quilômetros de rodovias para desafogar o trânsito da Cidade Maravilhosa e de seu entorno? Talvez seja uma questão de perspectiva: o que são algumas centenas de quilômetros de asfalto em vista da preservação da Physalaemus soaresi, uma espécie de anfíbio com milhões de anos e que, no mundo inteiro, só encontrou lugar para existir em 500 hectares de uma mata daquele Estado?
Questão de perspectiva. Ou melhor, questão de mudar a perspectiva. É nisso que é possível apostar para entender que uma espécie qualquer não é apenas “ela”, mas compõe um todo no ecossistema em que está presente e faz todo o sentido dentro de uma determinada teia biológica e certa cadeia alimentar.
Quando o Brasil ainda esbanjava pujança e ele era ainda presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) minimizava situações (e até zombava de outras) em que animais interrompiam obras: “Agora não pode (executar a obra) por causa do bagre, jogaram o bagre no colo do presidente. O que eu tenho com isso?”; ou “Eu vou passar debaixo do túnel, nem se tiver que me atarracar com aquela perereca. E peça para a perereca sair de perto, porque eu vou vir meio nervoso”.
O ex-presidente Lula não é exceção. Talvez seu estilo seja mais fanfarrão, mas os políticos em geral menosprezam a questão ambiental, com discursos mais polidos ou mais despojados. A esmagadora maioria dos líderes dos governos ainda se formou com uma mentalidade de ver parques e áreas de preservação como algo com que pudessem capitalizar para si ou seu grupo.
O que seria uma mudança de perspectiva em termos de visão de meio ambiente a partir da política? Depois do preâmbulo extenso – embora não desnecessário – dos parágrafos anteriores, é isso que vamos tentar buscar no texto a partir de agora, tomando quatro níveis: municipal (em Goiânia), estadual, nacional e mundial. Para os próximos anos, o que se pode esperar da cidade de Iris Rezende (PMDB), do Estado de Marconi Perillo (PSDB), do Brasil de Michel Temer e de um mundo cuja maior potência passa a ser liderada por Donald Trump?
Goiânia e a hora de fazer o certo
Com a intensa ocupação que sofreu durante todo o curso de sua (ainda curta) história de 83 anos, Goiânia tem ocupação urbana praticamente total do lado direito da margem do Rio Meia Ponte, seu principal manancial. E esse é exatamente o ponto: a questão hídrica, já que os cursos d’água que abastecem não só a capital, mas toda a região metropolitana — além do Meia Ponte, o Ribeirão João Leite e o Córrego Samambaia —, vêm da Região Norte da cidade.
Não há dúvida de que o maior problema ambiental de Goiânia passa pela água, nas mais diversas problemáticas que a envolvam: o abastecimento (ou a falta dele em muitas localidades), o rebaixamento do lençol freático (principalmente por edifícios de grande porte), a drenagem urbana deficiente e os pontos de alagamentos — esses dois pontos agravados pela impermeabilização crescente do solo —, entre outras questões.
Durante a campanha municipal, Iris Rezende mostrou-se menos afeito a intervir ambientalmente na cidade do que seu oponente Vanderlan Cardoso (PSB), que levou adiante a contestável proposta de criar polos industriais pela cidade, especialmente na Região Norte. Eleito pela quarta vez prefeito da cidade, o peemedebista, mesmo que tenha a melhor das intenções em relação à questão, vai sofrer pressão do setor imobiliário e até mesmo dos próprios vereadores — não é segredo para ninguém que há uma “bancada das construtoras” na Câmara de Goiânia, a qual, mesmo que tenha sofrido defecções com o resultado das urnas, tem muita facilidade para se recompor.
E aqui vem uma questão básica para o veterano prefeito enfrentar: é preciso conter a cidade onde ela está. Ou seja, não conceder nem mais um metro quadrado de expansão da área urbana. Claro que isso está diretamente relacionado com a questão da água — basta pensar em impermeabilização —, mas passa também por outra questão mais “útil” ao município: cada novo loteamento vira uma montanha de novas despesas para os cofres públicos, que, com a crise, passam longe de estarem abarrotados.
Diretamente, Iris Rezende, se quiser deixar uma marca ambiental para a posteridade, tem uma boa oportunidade: devolver a vida à Lagoa da Vargem Bonita, uma imensa área de água aflorante e de recarga natural para o Rio Meia Ponte, próximo ao Setor Mansões do Campus, e que secou por conta de intervenções humanas como construções inadequadas, pastagens e confinamento irregulares. O lençol freático da região pode ter sido rebaixado, já que, a um quilômetro e meio do local, foram erguidos os setores Orlando de Morais e Antônio Carlos Pires — cujos parcelamentos, por ironia, foram autorizados durante a última passagem de Iris pela Prefeitura.
Goiás e seu Cerrado: é preservar ou se culpar
De todos os Estados onde há a presença do Cerrado, não há nenhum no qual, proporcionalmente o bioma tenha tanta área territorial quanto Goiás. E também nenhum no qual tenha sido tão destruído. Visto por muitos apenas como “mato”, tido como uma vegetação esteticamente pouco plástica (o que claramente não é nada mais, também, do que uma questão de perspectiva), principalmente em relação à Amazônia, o Cerrado acabou se tornando a bola da vez recentemente.
É que a crise hídrica do País, especialmente em São Paulo, fez alguns especialistas gabaritados admitirem o que uma voz sábia e praticamente solitária já alerta há décadas: o professor Altair Sales Barbosa — um dos maiores conhecedores do bioma e fundador do Instituto do Trópico Subúmido da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), onde atuou como docente até 2015 — afirma que o fim do Cerrado levará à extinção de rios e mesmo dos aquíferos subterrâneos.
Nas últimas décadas e de modo mais grave nos últimos anos, é visível a perda de água do leito dos rios que cortam Goiás. O Araguaia teve uma de suas piores temporadas este ano, em termos de volume. E não há mais dúvidas: o desmatamento do Cerrado e o avanço da fronteira agrícola estão causando a perda de água dos mananciais, por relação direta (destruição de nascentes) ou indireta (exterminação da biodiversidade original).
Para o governo de Goiás não há outro caminho. Se não há mais o que avançar em termos de desmatamento — como afirma o secretário estadual Vilmar Rocha, em entrevista nesta edição —, há muito que fazer para recuperar o bioma. E uma das coisas mais urgentes é conter de fato a expansão da fronteira agrícola e estancar a morte das nascentes, seja com reforço da fiscalização ambiental, seja com aumento das áreas de conservação. É o que está havendo agora com o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, região já ameaçada pelo avanço das monoculturas. Um Estado que se diz moderno precisa aprender de verdade a conciliar produção com sustentabilidade. Para quando? Para “ontem”. Não há mais tempo a perder.
Governo Temer pode legalizar a destruição ambiental
Não poderia ser mais irônico: o governo de Michel Temer pode ter ouvido as lamentações de Lula sobre a legislação ambiental durante seu governo — aquela história da perereca e dos bagres da época do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). É que, entre tantas reformas para ajudar a recuperar empresas e o mercado, está na pauta do Congresso a flexibilização da legislação ambiental. Ou seja, os entraves burocráticos para a concessão de licenças serão minimizados e a obtenção de alvarás, acelerada.
Outro drama, que, mais do que ambiental, é social e humano está longe de ser solucionado: a demarcação de terras indígenas, algo que mostra como pode ser negado o direito à qualidade de vida a um povo inteiro — e, de novo, a questão passa pelo crivo frio da “utilidade”. Embora o Ministério do Meio Ambiente tenha um titular (José Sarney Filho) com bom trânsito entre os ambientalistas, o ministro da Agricultura é Blairo Maggi, empresário tido como um dos maiores responsáveis pelo desmatamento em Mato Grosso.
Outro ponto que já deveria ser impulsionado como política de Estado, é o avanço da mudança da matriz energética para fontes renováveis não poluidoras, como a luz solar e a força dos ventos. Mas priorizar investimento em energia solar e eólica ainda parece estar bem abaixo dos pontos principais da lista de prioridades do governo tampão, ainda mais em cenário adverso.
Trump e a sofrida espera pela confirmação da tragédia anunciada
Qualquer ambientalista que se preze no mundo aguarda com grande expectativa a posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. A esperança seria a de encontrar no Trump presidente algo bem mais ameno do que se viu no Trump candidato. Mas, em vários aspectos até o momento, o que vem fazendo o magnata eleito tem confirmado sua face de campanha.
Na área ambiental, a maior prova disso foi a nomeação de Scott Pruitt, atualmente secretário de Justiça do Estado de Oklahoma, como responsável pela Agência de Proteção Ambiental (EPA) do país. Ocorre que Pruitt é um dos maiores críticos da própria agência que comandará, além de desacreditar que exista aquecimento global por causa da intervenção humana — à semelhança de seu presidente, aliás.
Outro sinal bastante negativo foi Trump ter nomeado para o posto-chave de secretário de Estado o número 1 da gigante petrolífera ExxonMobil, Rex Tillerson. Além da parte geopolítica — a aproximação com a Rússia, já que Tillerson é amigo do presidente Vladimir Putin —, o neófito presidente norte-americano parece mesmo dizer que apostará todas as suas fichas no reforço à energia de origem fóssil. Ou seja, em outras palavras, está fazendo uma mudança de 180 graus em relação ao que já foi acertado nas COPs, as cúpulas mundiais sobre o clima, sobre a emissão de gases.
Por outro lado — se é que se pode encontrar algo de positivo para o meio ambiente com Trump à frente dos EUA —–, a ascensão de um líder que se põe contra tudo o que foi construído conjuntamente (e que, diga-se, ainda foi pouco perto do necessário) pelas nações é algo que faz o tema ganhar repercussão. Que, de alguma forma, a força da democracia mais consolidada do planeta consiga conter os ímpetos pessoais de um ser que transita entre o que alguns chamariam de “arrojado” e muitos consideram nada menos do que “irresponsável”.
*Elder Dias é jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás e editor-chefe do Jornal Opção.
Matéria originalmente publicada em Jornal Opção
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