Por Paulo Bessa*
Desde que José Nogueira de Azevedo Paredes, cidadão português que se dedicava ao ofício de sapateiro, na segunda-feira de carnaval do ano de 1846 saiu em uma louca batucada pela rua São José, centro do Rio de Janeiro, o carnaval no Brasil é uma realidade tão avassaladora que já chegamos a ser conhecidos como o País do Carnaval. O que poucos se deram conta é que o meio ambiente e os recursos naturais, de uma forma ou de outra, sempre estiveram presentes na folia iniciada por Zé Pereira, como elementos de destaque. Aliás, o próprio fundador do carnaval, seja como Nogueira ou Pereira, era ambientalmente correto.
Em primeiro lugar vejamos a Mangueira, árvore frondosa que veio da Índia para o Brasil, deixando de lado o espírito contemplativo para virar escola de samba. Sob um Salgueiro, Buda encontrou sua iluminação. Também o beija-flor de Ruschi bate suas asas frenéticas por uma escola da Baixada Fluminense. Dos Canarinhos das Laranjeiras até a água que passarinho não bebe no Bafo da Onça, ou mesmo no mortífero Bloco das Piranhas, o samba se espalha pelo Rio de Janeiro, até atravessar nos Gaviões da Fiel. Assim, carnaval e meio ambiente existem em uma simbiose perfeita, seja no nome das agremiações, nas músicas e até mesmo nas fantasias.
O privilégio de estar presente nas primeiras músicas carnavalescas cantadas coube a dois animais não muito simpáticos ao grande público, a barata e o urubu, com A baratinha, de Mário São João Rabelo e Dança do urubu, de Lourival de Carvalho. A primeira versão da Dança do urubu foi gravada sob o nome Samba do urubu, pelo grupo Louro, na gravadora Phoenix. Aliás, o Louro, com a alcunha de periquitinho verde, já tirou muita sorte no Carnaval.
As músicas carnavalescas fazem troça com temas ambientais, algumas delas de forma que hoje seria considerada inadequada. Vejamos as Touradas em Madri, cujo compositor Alberto Ribeiro da Vinha também compôs Água de Côco, As Brabuleta e, com João de Barro, a impagável Yes, nós temos bananas. Vale consignar que Touradas em Madri, em co-autoria com João de Barro, venceu o concurso oficial de músicas de carnaval de 1938, tendo perdido no tapetão, sob a acusação de ser um passo doble e, portanto, música estrangeira. Nas Touradas em Madri, o touro era pego à unha. Alguma semelhança com a farra do boi não é mera coincidência. Também foi no Carnaval que aprendemos que a Chiquita Bacana, lá da Martinica, se vestia com uma casca de banana nanica.
O chamado meio ambiente urbano, com seus insetos e pragas, é tema recorrente, indo desde a baratinha (“A baratinha, a baratinha / A baratinha bateu asas e voou/ A baratinha iaiá, a baratinha ioiô/ A baratinha bateu asas e voou), passando pelos ratos (“Rato, rato, rato/ Qual o motivo porque roeste o meu baú/ Rato, rato, rato/ Audacioso e malfazejo gabiru/ Rato, rato, rato/ Eu só desejo ver o dia afinal/ Que a ratoeira te persiga e consiga/ Satisfazer meu ideal”).
É também no nosso Carnaval, pela maestria de Nássara, que encontramos o primeiro alerta contra o esbanjamento da água, o aquecimento global e a favor do respeito às diferenças culturais. Vejamos o libelo: “Allah-la-ô, ô-ô-ô, ô-ô-ô-ô/ Mas que calor, ô-ô-ô, ô-ô-ô/ Atravessamos o deserto do Saara/ O sol estava quente, queimou a nossa cara/ Viemos do Egito/ E muitas vezes nós tivemos que rezar/ Allah-Allah-Allah, meu bom Allah/ Mande água pra Ioiô/ Mande água pra Iaiá/ Allah, meu bom Allah”. Isto em 1941!
As belezas naturais foram cantadas em Lendas e Mistérios da Amazônia, tema portelense em 1970. Já a Beija-Flor contribuiu, em 1976, com o precioso ensinamento da interpretação dos sonhos, segundo o qual “sonhar com rei dá Leão e com a filharada é o coelhinho, quando se tratar de rapaz todo enfeitado”, não tenha dúvida, “é Pavão ou é Veado”. Enfim, muitas outras evidências existem para comprovar que meio ambiente e carnaval estão ligados de forma indiscutível.
E por fim, é indiscutível o papel que os corretores zoológicos desempenham no financiamento das escolas de samba.
Evoé Baco, Evoé Momo, e bom carnaval para quem é de carnaval.
*Paulo Bessa Antunes – Mestre e Doutor em Direito. Líder de Pesquisa Acadêmica cadastrada no CNPq. Visiting Scholar de Lewis and Clark College, Portland, Oregon. Professor adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Procurador regional da República (aposentado). Foi Presidente da Comissão Permanente de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros. Ex-chefe da Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro. Sócio da prática de Direito Ambiental do Tauil & Chequer Advogados, advogado e parecerista em Direito Ambiental. Autor de diversos livros e artigos sobre Direito Ambiental.
Publicado originalmente na revista OEco
Publicação Ambiente Legal, 24/02/2020