Por Eduardo Coral Viegas*
O Direito Ambiental é o segmento especial da Ciência Jurídica para a garantia dos direitos e deveres ligados à sustentabilidade. Ele começou a ganhar forma durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente, em Estocolmo, em 1972.
A Declaração de Estocolmo delineou 26 princípios ambientais, inaugurando os contornos do que seria o Direito Ambiental internacional, incluindo conceitos como o desenvolvimento sustentável e a responsabilidade internacional para a proteção ambiental.
O progresso no Direito Ambiental não parou aí. Em 1987, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas, conhecida como Comissão Brundtland, divulgou o relatório “Nosso Futuro Comum”. Nele, o termo “desenvolvimento sustentável” foi popularizado, definido como o desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem às suas próprias necessidades.
No livro “Gestão da água e princípios ambientais” defendo que “O desenvolvimento sustentável enquadra-se, numa tentativa classificatória, como sobreprincípio. Essa constatação evidencia que a sustentabilidade encontra espaço de destaque no sistema ambiental. No conflito concreto de princípios, um cede em face do outro a partir do critério de ponderação. Já o desenvolvimento sustentável não segue nesse caminho; a ponderação dá-se entre suas estruturas internas, ora privilegiando-se mais a proteção ambiental, ora mais os aspectos econômico e social. O plano ideal é o equilíbrio entre as dimensões ambiental, econômica e social.”
No Brasil, o Direito Ambiental começou a desenvolver-se significativamente com a Lei nº 6.938/81, conhecida como Lei da Política Nacional do Meio Ambiente. Esta norma foi o primeiro esforço legislativo brasileiro para estabelecer um conjunto abrangente de princípios e instrumentos para a gestão ambiental, introduzindo conceitos como a avaliação de impacto ambiental, licenciamento ambiental e o princípio do poluidor-pagador. Também inovou ao prever a responsabilidade objetiva pelo dano ambiental.
Essa legislação foi complementada e reforçada pela CF/88, que inseriu, pela primeira vez em uma Carta Magna, um capítulo destinado à defesa do meio ambiente natural (art. 225), paralelamente à previsão de proteção do patrimônio cultural no art. 216.
O Direito Ambiental emergiu como uma resposta necessária aos desafios colocados pela Revolução Industrial, um período caracterizado por um crescimento acelerado que deu pouco peso às consequências ambientais. Esses impactos, por sua vez, desencadearam um desequilíbrio ambiental sem precedentes, cujas repercussões são sentidas cada vez mais na atualidade.
Em meio a essa dinâmica, surge a responsabilidade intergeracional. Este conceito sustenta que temos o dever de preservar o meio ambiente e seus recursos naturais para a presente e as futuras gerações. Tal responsabilidade foi assumida por profissionais que dedicaram suas vidas à proteção do meio ambiente.
Um exemplo desses esforços pode ser visto no campo do Direito das Águas, que ganhou destaque com a publicação de livros como “Visão jurídica da água” (2004) e “Gestão da água e princípios ambientais” (2010). Estes trabalhos tiveram como propósito gerar uma discussão mais ampla sobre a gestão sustentável dos recursos hídricos.
Além disso, o Direito Ambiental tornou-se uma área de interesse para o público em geral, com especialistas discutindo e debatendo questões relevantes em espaços como a coluna Ambiente Jurídico, deste Conjur.
A presença de figuras de renome como Vladimir Passos de Freitas (coordenador do grupo), Gabriel Wedy, Andreia Vulcanis, Talden Farias, Ricardo Cintra Torres, Marcos Paulo Miranda e Alvaro Mirra nesses debates atesta a importância do assunto e o interesse contínuo pela proteção da natureza.
Portanto, esse ramo do Direito nasceu das mudanças causadas pela Revolução Industrial e evoluiu para se tornar um campo complexo e multidimensional. Hoje é uma disciplina que desafia profissionais a trabalhar para mitigar os danos ambientais, lidar com questões de justiça intergeracional e encontrar maneiras de usar os recursos naturais de forma sustentável para o benefício das futuras gerações.
Em nossa trajetória terrena, a humanidade tem enfrentado uma dor profunda, originada da desconexão com nossa casa – a Terra, Gaia (expressão cunhada por James Lovelock). Somos participantes ativos de uma trama em que, ao contrário da tartaruga, que zela por sua morada, ou do João-de-Barro, que constrói seu lar com esmero, nós, humanos, temos descuidado de nosso ambiente, causando danos por vezes irreversíveis.
Essa dor não é apenas física, em razão da degradação ambiental que nos afeta direta ou indiretamente, mas também emocional e espiritual.
Sentimos uma angústia crescente ao percebermos que o lar que deveríamos proteger e preservar, que deveríamos passar às futuras gerações em condições ao menos tão boas quanto as que encontramos, está sendo dilapidado. Nosso ambiente, nosso espaço de moradia terrena, está sob risco, e junto com ele nossa própria sobrevivência.
Por que agimos assim, se sabemos das consequências? Por que, nas palavras de Thomas Hobbes, “o homem é o lobo do próprio homem”? Talvez seja porque ainda não nos demos conta de que nossa sobrevivência está inextricavelmente ligada à sobrevivência do planeta. Nosso destino não é independente do destino da Terra.
Ainda há tempo, no entanto, de transformar essa dor em ação. Precisamos reavaliar nossa relação com o meio ambiente, adotar uma visão de sustentabilidade verdadeira, que não se restrinja ao discurso, mas se traduza em práticas diárias. Precisamos aprender com a tartaruga, com o João-de-Barro. Precisamos cuidar de nossa casa, não apenas para nosso bem-estar, mas pelo bem de nosso filhos, netos e bisnetos.
Esta é nossa responsabilidade intergeracional: garantir que nossos descendentes possam desfrutar de um ambiente saudável e equilibrado. Nossa casa, a Pachamama dos indígenas, está clamando por cuidados. Cabe a nós, humanidade, responder a esse chamado com coragem, determinação e amor.
Frente às emergências ambientais que o mundo enfrenta atualmente, é difícil manter a esperança de um futuro melhor, o que é compreensível.
Desafios prementes como a crise hídrica global e o contínuo aquecimento do Planeta são problemas que ameaçam a existência humana.
Não há discussão ambiental que possa negligenciar esses dois pontos críticos que têm sido pautas prioritárias em congressos e eventos mundiais, incluindo as Conferências das Partes (COPs).
Vivemos em um momento onde o desrespeito ao direito intergeracional de preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações – um direito fundamental previsto como cláusula pétrea em nossa Constituição – tem resultado em danos irremediáveis. Contudo, é preciso olhar para além das manchetes e notícias sombrias e encontrar os raios de luz que iluminam a penumbra.
O padrão energético baseado nos combustíveis fósseis é um modelo do passado, que já não faz sentido há longa data, diante das inúmeras possibilidades de utilização de “energias limpas”, renováveis, como leciona com maestria em nossa Coluna Ambiente Jurídico o Juiz Federal Gabriel Wedy.
Assim agindo, estaremos dando cumprimento aos mandamentos do art. 225 da CF, que impõe ao poder público e à coletividade o dever de defesa e preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e as futuras gerações.
*Eduardo Coral Viegas é promotor de Justiça no MP-RS, graduado em Direito pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), especialista em Direito Civil, mestre em Direito Ambiental, palestrante, ex-professor de graduação universitária, atualmente ministrando cursos e treinamentos e integrante da Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente. Autor dos livros Visão Jurídica da Água e Gestão da Água e Princípios Ambientais.
Fonte: ConJur
Publicação Ambiente Legal, 30/07/2023
Edição: Ana Alves Alencar
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