Uso de produtos tóxicos maculam a indústria da moda. Governos continuam impassíveis.
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro e Ana Alencar
Denúncias privadas. Omissões públicas
Há tempos a mídia noticia violações de leis ambientais e trabalhistas por parte da chamada indústria da moda.
As acusações abrangem trabalho infantil, dumping social, uso de materiais tóxicos na fabricação dos produtos e pouco cuidado no gerenciamento ambiental das plantas industriais dos fornecedores.
A fonte das denuncias, no entanto, parte da própria sociedade civil organizada, em especial das organizações não governamentais dedicadas à proteção ambiental e à defesa dos direitos humanos e sociais.
Chama atenção a impassibilidade do Poder Público, nacional e estrangeiro, na fiscalização e apuração das denúncias. Não há notícia de qualquer fato jornalístico, nesse campo da fiscalização da moda, que tenha o governo como protagonista de alguma ação fiscalizatória ou de investigação. Ante as grandes grifes, o aparato de Estado parece mesmo hesitar.
A situação é bastante desconfortável, pois é dever oficial proteger as relações de consumo e prevenir danos ao meio ambiente e ao consumidor . Vários são os produtos apontados nas campanhas apresentadas pelas ONGs, que trazem selo de qualidade ambiental e certificação dos institutos oficiais de metrologia e fiscalização. Há crescente preocupação com relação à função desses órgãos e quais critérios norteiam sua atividade.
O caso mais recente é a denúncia do uso de material tóxico que afeta o sistema hormonal, na produção de roupas infantis. As empresas envolvidas, grifes de alta moda, alegaram, a princípio, agir dentro da lei e que os produtos tóxicos usados se encontram acordes com os limites estabelecidos.
ONGs se mobilizam
O Greenpeace, então, lançou internacionalmente a campanha “O Rei Está Nú” (The King is Naked), para protestar contra a utilização dessas
substâncias tóxicas na confecção de roupas infantis.
No conto de fadas “A Roupa nova do rei”, de Hans Christian Andersen, uma criança é a única a se manifestar , em meio a uma multidão de hipócritas subservientes, frente ao rei, nu, que decidira usar vestes “tecidas com fios quase invisíveis de tão leves”, enganado por malandros que se fizeram passar por tecelões e abusaram de sua vaidade: “O Rei está nu!”, o menino grita, revelando a farsa.
Marcas como Louis Vuitton e Versace são indicadas, na campanha, como responsáveis por fazer uso do etoxilato de nonilfenol (NPE), considerado um poluente químico. A substância pode ser causadora de problemas hormonais severos, considerada perigosa para a saúde.
Banido dos Estados Unidos e da União Europeia, o agente é utilizado na China, lugar onde são fabricadas as roupas e acessórios de grandes grifes. Além de estar contido em tecidos e materiais, por extensão a química é liberada no meio ambiente, causando danos a médio e longo prazo.
Nenhuma das grifes negou o uso do material denunciado. Da mesma forma, não souberam informar, a longo prazo, quais seriam os efeitos do consumo dos produtos que fabricaram no organismo dos usuários.
Nike e Burberry, apresentadas na lista do Greenpeace, já se comprometeram em rever suas fórmulas até 2020. Marcas já calejadas, trataram de evitar o holofote.
Falta governança. Falta regulação.
Ficou evidente que o setor, ao se preocupar com a inovação no uso de novos materiais na confecção de seus produtos, e planejar meticulosamente a redução de custos com a transferência de unidades de produção para continentes diversos, não implementa a necessária análise de riscos ambientais, decorrentes da opção pelo insumo.
Previsão e prevenção estão em segundo plano – motivo mais que suficiente para que a regulação oficial se imponha, conferindo efetiva sustentabilidade ao fluxo de produção da moda.