Mesmo se a área de produção for aumentada em 20 vezes para atender à demanda do mercado, o sistema é insustentável
Por Guilherme Gama
As concessões florestais têm o objetivo de gerir as florestas públicas brasileiras, promover a produção sustentável e estimular o desenvolvimento econômico regional, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Entretanto, Edson Vidal, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, alerta que, se não for reavaliado, o modelo de produção madeireira se esgotará em 35 anos, mesmo se a área de produção for aumentada em mais de 20 vezes. Em estudo recém-publicado, os pesquisadores analisaram 27 diferentes cenários de produção e apenas um modelo é sustentável, mas atende a apenas 31% da demanda do mercado atual de madeira. “Precisamos repensar o manejo de floresta nativa”, afirma Vidal.
A política de concessões florestais é vigente desde 2006, regida pela Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei 11.284/2006), que permite ao poder público conceder a pessoas jurídicas – o que inclui empresas, cooperativas e associações de comunidades locais – a permissão para realizar o manejo florestal sustentável para extrair produtos madeireiros, como informa o Serviço Florestal Brasileiro (SFB). As técnicas de manejo florestal sustentável buscam garantir um equilíbrio entre a exploração e a sustentação da floresta, por isso as áreas cedidas para produção passam por rodízios, ou ciclos de corte, que visam à recuperação da floresta e à continuidade da extração. Porém, a incapacidade das práticas nos atuais modelos de acompanhar a demanda do mercado preocupa os pesquisadores.
Atualmente, as concessões florestais na Amazônia brasileira ocorrem em 1,6 milhão de hectares, porção que já não atende à demanda atual de madeira de 11 milhões de metros cúbicos por ano, mas a estimativa dos especialistas é de que a área total do potencial de concessões seja mais de 20 vezes maior, cerca de 35 milhões de hectares. Segundo Vidal, se estendida para 35 milhões de hectares de concessões potenciais, a taxa atual de exploração madeireira poderia atender a 91% da demanda. No entanto, esse nível de produção diminuiria gradativamente, até o esgotamento completo, em 35 anos.
O estudo foi desenvolvido pelo Laboratório de Silvicultura Tropical (Lastrop) da Esalq da USP, junto de pesquisadores internacionais. O artigo intitulado Sustainability of Brazilian forest concessions foi publicado no periódico Forest Ecology and Management, em junho deste ano, e contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Para avaliar as condições de sustentabilidade dos atuais e potenciais sistemas de concessões florestais com a demanda anual da indústria madeireira, os pesquisadores se apoiaram em um sistema integrado de equações simultaneamente dependentes, chamado de Dinâmica de Volume com Equações Diferenciais (VDDE). A avaliação contou com dados do Tropical managed Forests Observatory (TmFO), por meio da colaboração de pesquisadores estrangeiros. Os cálculos estimam o volume total e fluxo de crescimento das árvores, aplicados por 3.500 hectares de parcelas monitoradas há 30 anos, em diferentes regiões da Bacia Amazônica.
Foram testados 27 cenários, combinando diferentes variáveis em três diferentes condições, como a proporção de árvores de interesse comercial – com mais de 50 centímetros de diâmetro – nas áreas (20%, 50% e 90%); a intensidade de corte (10, 20 e 30 metros cúbicos por hectare); e o período de ciclo de corte (20, 35 e 60 anos).
Os resultados mostram que, das combinações possíveis, apenas um cenário é sustentável, porém atende a 31% da demanda atual por ano. O pesquisador explica que, nesse cenário, seria necessário reduzir pela metade a intensidade de corte (10, em vez de 20 ou 3m3 por hectare/árvore), aumentar o período de rotação (65, em vez de 35 anos) e que 90% das árvores da espécie tenham valor de mercado – o que, nas palavras de Vidal, está longe da situação atual: “Hoje, apenas 20% das espécies de árvores são comercializadas e, nos padrões atuais, a recuperação é muito lenta para recuperar estoques de madeira”, completa.
Aumentar o período dos ciclos de corte significa aumentar a recuperação da floresta, porém, diminuir os benefícios financeiros a curto prazo da extração legal. O autor destaca que, além disso, outra preocupação é que a restrição da extração de madeira poderia levar a um aumento da exploração ilegal e da conversão de florestas – o que exigiria maiores esforços na aplicação da lei de posse. “As novas políticas devem incluir coordenação regional, para evitar o comércio ilegal e seus efeitos, e viabilidade econômica do manejo florestal tropical”, diz. Para o pesquisador, isso aumentará os preços da madeira, atualmente considerados baixos em comparação aos custos de produção e eficiência do processamento e beneficiamento na serraria, atualmente em torno de 35%.
Como manter madeira no mercado?
Para manter a madeira no mercado, mudar as práticas de extração pode não ser suficiente para atender à crescente demanda por produtos de madeira, sendo necessárias fontes adicionais que podem derivar de vários sistemas de restauração, como plantações de espécies exóticas ou nativas, florestas secundárias ou degradadas enriquecidas; sistemas integrados lavoura-pecuária-floresta ou de sistemas agroflorestais, de acordo com o pesquisador.
“As novas perspectivas sugerem, para o manejo florestal, o ciclo de corte mais longo do que 30 anos, reavaliação do diâmetro mínimo de corte (atualmente de 50 centímetros) e a intensidade de corte (no momento, até 90%), para se ter impacto na economia do manejo”, afirma.
Mais informações: e-mail edson.vidal@usp.br, com Edson Vidal
Fonte: Jornal USP
Publicação Ambiente Legal, 01/08/2021
Edição: Ana A. Alencar
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