Por Paulo de Bessa Antunes e Talden Farias*
O prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes [DEM], surpreendeu a comunidade carioca com a edição do Decreto nº 48.465, de 25 de janeiro de 2021, mediante o qual houve remanejamento da divisão de licenciamento da Secretaria de Meio Ambiente [SMAC] para a recém criada Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação [SMDEIS] com a transferência de pessoal administrativo.
Diante de repercussão, ambas as secretarias emitiram nota conjunta informando que: (1) não haverá flexibilização de exigências e (2) o intuito da mudança é promover celeridade e segurança jurídica ao integrar todos os processos de licenciamento no âmbito da municipalidade.
Contudo, a ilegalidade é patente, pois a SMAC foi criada pela Lei Municipal nº 2.138, de 11 de maio de 1994 que em seu art. 2º, III estabelece ser de sua competência “licenciar atividades potencialmente poluidoras e modificadoras do meio ambiente”. Realmente, somente lei formal poderia modificar tal competência.
Mas a Política Nacional do Meio Ambiente [PNMA] [Lei nº 6.938/1981] — em sábia antevisão de medidas à la Odorico Paraguaçu — também veda tal mudança, pois o seu artigo 17-L dispõe que “As ações de licenciamento, registro, autorizações, concessões e permissões relacionadas à fauna, à flora, e ao controle ambiental são de competência exclusiva dos órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente”. Assim, a transferência do licenciamento ambiental para entidade fora do Sisnama, como é o caso, não se sustenta juridicamente.
A alteração não foi objeto de uma discussão prévia com a sociedade, tendo sido apenas o resultado de um compromisso eleitoral do Prefeito com o Novo, um dos partidos da base aliada, de maneira que os aspectos jurídicos dessa decisão parecem não ter sido considerados. Essa falta de discussão demonstra que o princípio da participação, pedra angular do Direito Ambiental, também não foi devidamente observado.
Salta aos olhos o esvaziamento da SMAC que, na prática, teve amputada uma de suas pernas. O entendimento da doutrina é o de que o licenciamento ambiental é um dos mais importantes instrumentos da PNMA, senão o mais importante de todos. O fato de a secretaria permanecer responsável pela fiscalização e pele gestão de áreas protegidas não quer dizer que não houve esvaziamento, significando apenas que o esvaziamento não foi completo. Tal medida parece tirar a razão de ser da secretaria de meio ambiente. Parece que o Prefeito só não extinguiu a secretaria para não dizerem que ele extinguiu a secretaria, pois isso causaria enorme repercussão negativa para a sua gestão.
Não deixa de haver, também, uma agressão ao princípio da especialidade na Administração Pública. É evidente que o licenciamento ambiental deve ser feito pelo órgão mais especializado na área ambiental, até porque para isso ele foi criado. Demais, existe uma verdadeira relação de interdependência entre o licenciamento e a fiscalização, pois um sempre precisará do outro. Essa segmentação atenta contra a visão holística da PNMA.
Por fim, os órgãos ambientais, ainda que possam errar a mão em sua atividade, exercem o papel de árbitros entre os diversos interesses que são postos em jogo no licenciamento ambiental, por determinação expressa da PNMA que em seu artigo 2º dispõe que ela tem “ por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana…”. Ora, é inequívoco que a medida adotada tem por objetivo privilegiar apenas um dos aspectos da PNMA, o econômico, sendo por isso descabida.
A política ambiental moderna exige órgãos ambientais tecnicamente bem preparados, com autonomia e agilidade para arbitrar de forma inteligente os conflitos de usos entre os recursos ambientais e dar a melhor solução que contemple os diversos aspectos envolvidos na questão.
O melhor que o Prefeito Eduardo Paes pode fazer pelo desenvolvimento da cidade é capacitar a SMAC, dotá-la dos recursos necessários, dar-lhe autonomia e, se for o caso, estabelecer mecanismos de análise de custo/benefício a serem empregados como acessórios ao licenciamento ambiental e ser desenvolvido pelo órgão próprio, que é a SMAC.
*Paulo de Bessa Antunes é advogado, procurador Regional da República aposentado e professor da UniRio. Doutor em Direito pela Uerj. Foi visiting scholar da Lewis and Clark School of Law (Portland, Oregon).
*Talden Farias é advogado, professor de Direito Ambiental da UFPB e da UFPE, doutor em Direito da Cidade pela Uerj com doutorado sanduíche junto à Universidade de Paris 1 (Pantheón-Sorbonne), autor de “Licenciamento ambiental: aspectos teóricos e práticos” (7. ed. Fórum, 2019) e organizador de “Direito ambiental atualizado” (RT, 2019), entre outras publicações.
Fonte: Conjur
Publicação Ambiente Legal,10/02/2021
Edição: Ana A. Alencar
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