Por José Irivaldo Alves de Oliveira Silva, Marcelo Bruno Bedoni de Sousa e Talden Farias*
Ao longo do tempo, tem-se assistido a um crescimento da extensão territorial do semiárido brasileiro, que se concentra essencialmente no Nordeste, espalhando-se pelo norte de Minas Gerais e, também, pelo norte do Espírito Santo. O atual mapa do semiárido apresenta crescimento do total de municípios incluídos nessa zona.
Antes abrangia 1.262 municípios brasileiros nos nove estados do Nordeste e em parte de Minas Gerais, estado do Sudeste, considerando a delimitação divulgada em 2017 pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Porém, já em 2022, o mesmo conselho promoveu mudanças no mapa do semiárido, passando a quantidade de municípios para 1.427 — seis deles de um estado que, até então, não estava incluído, o Espírito Santo [1]. Além disso, foram excluídos 50 municípios, 42 no Nordeste e oito em Minas Gerais. Segundo Madeiro (2022), os parâmetros utilizados foram climáticos e da Organização Mundial de Meteorologia.
Esse espaço é um território demarcado pelo clima e, por seguinte, chuvas escassas e concentradas em algumas fases do ano, bem como vegetação baixa e composta por xerófitas resistentes a esse cenário de certa resiliência. Portanto, tem-se características hídrico-climáticas bem definidas que marcam períodos de secas bem intensas.
Desse modo, um tema que há muito tempo faz parte da agenda nordestina é a insegurança hídrica, que fez os habitantes do semiárido sempre estarem em contato com um clima inóspito que proporciona uma escassez de água. Essa região foi alvo de uma série de políticas públicas com a intenção de mitigar os efeitos dessa seca, desde uma perspectiva de mero combate a uma outra de convivência com esse fenômeno da natureza, passando pela construção de centenas de reservatórios, mesmo diante de uma questão fundiária indefinida na região, perfuração de poços, cisternas de placas e transposição do rio São Francisco. Apesar disso, o Nordeste brasileiro ainda amarga a segunda menor cobertura de saneamento, o que certamente incrementa a vulnerabilidade dos sistemas humanos e ecossistêmicos da região, especialmente na região do semiárido.
Entretanto, outros desafios se colocam para essa região diante de um panorama de mudanças climáticas, em que a temperatura do planeta está se alterando, e já é possível presenciar eventos que tem sua origem nessa mudança. Sendo a região semiárida mais populosa do mundo, é possível pensar em algumas questões: Como se comporta a insegurança hídrica nesse panorama? Como essa transformação climática atuará sobre as populações rurais, que somam cerca de 11 milhões de pessoas vivendo no campo? O Nordeste já está preparado para as mudanças climáticas?
Desse modo, está-se propondo uma reflexão em termos de planejamento e ações que devem ser realizadas ao longo dos anos de modo a promover um processo de adaptabilidade que auxilie as populações e os ecossistemas envolvidos na região, considerando todas as políticas públicas já desenvolvidas com o intuito de conferir segurança hídrica para a região. Dessa forma, pensamos aqui em termos de duas ações essencialmente:
Ação 1: reconhecer o problema
O Painel de Mudanças Climáticas projeta para o Brasil que, ao final deste século, poderá haver uma diminuição de 40% a 50% da distribuição das chuvas no bioma caatinga, o que deverá agravar sensivelmente a disponibilidade hídrica na região (Ambrizzi et al., 2013). O 6º Relatório do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) aponta a Região Nordeste como a região mais vulnerável às consequências das mudanças climáticas no Brasil, com base tanto na vulnerabilidade da população, como no crescente processo de desertificação, que é considerado o dano climático mais imediato (IPCC, 2021). Essas constatações também são compartilhadas pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), que em relatório publicado em 2013, afirmou que a “[…] Região Nordeste é muito vulnerável às mudanças climáticas dadas as condições fisiográficas, climáticas e socioeconômicas” (PBMC, 2013). A vulnerabilidade da região é comprovada por meio dos impactos das mudanças climáticas sobre os recursos hídricos, os recursos costeiros, o processo de desertificação, a agricultura (inclusive agricultura familiar), a energia e a saúde (PBMC, 2013).
Dentro desse quadro de vulnerabilidades, os municípios da região Nordeste serão tanto vítimas como atores em potenciais para apresentarem respostas concretas à crise climática, seja por meio de política de mitigação, ou de adaptação, a fim de tornar as cidades resilientes aos danos climáticos. Portanto, é tarefa urgente o reconhecimento pelos gestores públicos (nos diversos níveis) desse panorama que tem efeitos consideráveis sobre o estoque de água da região, que já sofre com escassez e tem um índice de evaporação dos mananciais bem acima das demais regiões.
Ação 2: planejar para adaptar
Outras ações devem ser desenvolvidas tendo como finalidade a adaptação a um processo de mudanças climáticas planetária. É preciso internalizar essas estratégias de adaptação em políticas públicas voltadas ao semiárido. Para que isso ocorra é necessário um planejamento pensado no curto, médio e longo prazo. Entretanto, a experiência tem demonstrado que é preciso inserir sinergicamente as ações de adaptação climática com políticas, recursos e outras medidas já existentes, pois talvez seja mais fácil a assimilação na prática da gestão e para a estruturação de uma nova governança (DI GIULIO; BEDRAN; LEMOS, 2016). Segundo o IPCC (2007) o termo adaptação é o conjunto de processos de ajustamentos para antecipar impactos adversos das mudanças climáticas que resultam na redução da vulnerabilidade.
Pensando nisso, cabe aos gestores/tomadores de decisão apontarem claramente o que pretendem fazer nessa seara. A eleição de 2022 para governadores dos estados brasileiros foi um bom momento para verificar as pretensões dos candidatos. Separando-se os programas de governo dos candidatos dos estados que formam o nordeste brasileiro, especificamente o semiárido, tem-se 8 unidades federativas cujos competidores a uma vaga de governador tem o dever de apresentar propostas para o meio ambiente e, por conseguinte, abordando as mudanças climáticas, uma vez que a Constituição estabelece que é competências de todos os níveis de governo no país arregimentar esforços para a proteção ambiental. Foram 62 planos de governos registrados no Tribunal Regional Eleitoral de cada estado, analisando-se cada um, verificou-se que apenas 23 têm alguma menção à mudança climática, ou seja, 37% dos planos de governo de todos os candidatos ao governo estadual de estados do semiárido. Essa preocupação em planejar ações para adaptação climática deve ser prioridade, o que parece ainda não ser em pleno 2022, e ainda se ter candidatos a gestores públicos que não abordam a questão climática. Isso é impensável em qualquer lugar, principalmente, em se tratando de um território cuja vulnerabilidade é crescente e a resiliência é delicada, comprometendo a adaptabilidade, essencialmente, porque a segurança hídrica depende justamente dela. O semiárido é essa região em que segurança hídrica e mudanças climáticas devem ser discutidas e serem objeto de políticas públicas integradas.
Para além disso, se tomarmos apenas as capitais, que deveriam ser as mais preparadas para os eventos climáticos e tudo que ela potencializa, como a insegurança climática e a desertificação, por exemplo. O quadro 1 aponta um panorama geral dessa situação hoje.
É possível ter um termômetro a partir da análise de cidades maiores, regiões metropolitanas de grande e médio porte, acerca da preparação para eventos que, necessariamente, potencializam os efeitos de uma insegurança hídrica. Entre as capitais nordestinas, apenas três delas possuem um Plano de Ação Climática, sendo que todos foram aprovados no ano de 2020: Salvador, Fortaleza e município de Recife. Por seu turno, cinco capitais nordestinas possuem alguma variável climática nos seus respectivos Planos Diretores: Salvador, Recife, Teresina, Natal e Aracaju. A partir do cruzamento dos dois dados, observa-se que apenas o município de Salvador e o município de Recife possuam um Plano de Ação Climática e alguma variável climática incluída nos Planos Diretores e que, por outro lado, os Municípios de Maceió, São Luís e João Pessoa, não possuem nem Plano de Ação Climática e nem variável climática nos Planos Diretores. Vale mencionar, ainda, que apenas o município de Recife reconhece o status de emergência climática, feito esse que foi inédito no país. O foco também deve ser os municípios médios e pequenos, para isso nosso grupo de pesquisa em gestão pública e cidades inteligentes está trabalhando nesse mapeamento.
Portanto, essas duas ações devem ser realizadas urgentemente para poder redesenhar os rumos para um novo modelo de desenvolvimento que leve em consideração um contexto de emergência climática. Sem isso, dificilmente o semiárido terá a preservação de projetos de segurança hídrica, dos quais tanto se necessita cotidianamente.
Referências
DI GIULIO, G. M.; BEDRAN, A. M.; LEMOS, M. C. Adaptação climáticas: fronteiras do conhecimento para pensar o contexto brasileiro. Estudos Avançados, São Paulo, v. 30, nº 88, p. 25-41, 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ea/a/XV6nqC35zkTDGpLZ6ZdpMSP/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 24 mar. 2023.
IPCC. Summary for Policymakers. In: Climate Change 2007: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Geneva: IPCC, 2007. Disponível em: https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2020/02/ar4-wg1-sum_vol_en.pdf. Acesso em: 24 mar. 2023.
IPCC. Summary for Policymakers. In: Climate Change 2021: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Geneva: IPCC, 2021. Disponível em: https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg1/downloads/report/IPCC_AR6_WGI_SPM_final.pdf. Acesso em: 24 mar. 2023.
PBMC. Impactos, vulnerabilidade e adaptação: sumário executivo. Contribuição do Grupo de Trabalho 2 ao Primeiro Relatório de Avaliação Nacional do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Brasília: PBMC, 2013. Disponível em: http://www.pbmc.coppe.ufrj.br/index.php/pt/publicacoes/relatorios-pbmc/item/impacrtos-vulnerabilidade-e-adaptacao?category_id=18. Acesso em: 24 mar. 2023.
[1] Disponível em: https://www.afbnb.com.br/governo-altera-mapa-do-semiarido-inclui-cidades-do-es-e-exclui-do-nordeste/
*José Irivaldo Alves de Oliveira Silva é professor da UFCG (Campina Grande), UFPB e da UEPB, pós-doutor em Direito pela UFSC e doutor em Direito pela UFPB, com doutorado sanduíche na Universidade de Alicante (ESP).
Marcelo Bruno Bedoni de Sousa é mestrando em Ciências Jurídicas pela UFPB. Membro da Laclima.
Talden Farias é advogado, consultor jurídico e professor da graduação e da pós-graduação (mestrado e doutorado) da UFPB e UFPE, pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.
Fonte: ConJur
Publicação Ambiente Legal, 12/05/2023
Edição: Ana Alves Alencar
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