O “oba-oba”, o “karaokê climático” , a “Diplomacia do Termostato” e o “Bolsa-Clima” do Acordo de Paris na COP 21
Com muito oba-oba a “Diplomacia do Termostato” é instituída pelo Acordo de Paris, na COP 21.
No já conhecido karaokê climático – em que chefes de estado se revezam na mesmice das frases feitas, o “Bolsa-Clima” do Acordo de Paris na COP 21 ainda não disse a que veio.
OBA-OBA CLIMÁTICO
“O Acordo de paris é um triunfo monumental para as pessoas e nosso planeta.” disse Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, ao final de uma conferência pontuada por oba-obas, delegações quilométricas, ações performáticas, antecipação do desfile de autoridades e transferência das decisões para o segundo escalão dos governos nacionais.
Ao fim e ao cabo, os pontos principais do acordo firmado na COP 21, no final de 2015, em Paris, incluem:
1.Iniciar a redução de emissões de gases de efeito estufa tão cedo quanto possível e atingir o equilíbrio entre emissões e absorções na segunda metade deste século.
2.Manter o aumento da tempreatura global “bem abaixo” de 2°C e perseguir esforços para limitá-lo em 1,5°C.
3.Revisar o progresso a cada 5 anos.
4.Alocar US$ 100 bilhões por ano em financiamentos para o clima em países em desenvolvimento, com o compromisso de maiores financiamentos no futuro.
Com todo o respeito à alegria de Ban Ki-moon, com exceção da promessa de cem bilhões de dólares anuais, a partir de 2020, uma espécie de “bolsa-clima” bilionária, o acordo é algo similar a apertar o termostato em direção a um ar condicionado ilusório e, com isso, pretender regular a temperatura atmosférica global…
Tudo aponta para uma perda monumental de energia, tempo e dinheiro.
DIPLOMACIA DO TERMOSTATO
Ao invés de reduzir objetivamente as emissões globais de Gases de Efeito Estufa, as Nações Unidas decidiram regular a temperatura do planeta. Para tanto criaram um ar condicionado com um termostato, em forma de protocolo, com limitação da temperatura do planeta a níveis ideais de conforto humano…
É isso? Irá funcionar?
Deus, a Terra, o Sol, o Cosmos… também assinaram o acordo de Paris?
O Acordo de Paris, sem dúvida, é um Termostato de Papel. Só não terá destino similar ao documento de Copenhagen por conta do compromisso global de se se passar um cheque de 100 bilhões de dólares, anualmente, aos países fragilizados pelo aquecimento global…
Porém, como toda dissimulação diplomática, o compromisso é duro mas… “com carência de cinco anos e sujeito à compromissos voluntários dos países, metas e programas periodicamente revisados”… etc… etc… etc…
Só não foi um acordo “para inglês ver”, por ter justamente uma forte participação britânica na sua confecção, embora o sotaque seja francês.
O acordo conta, confortavelmente, com as circunstâncias ocorrentes na economia global, que não passaram desapercebidas pelos líderes mundiais. Nesse ponto, a festa – incluso a auto ilusão de grandeza na participação brasileira… – escondeu o puro oportunismo contido no consenso, senão vejamos:
EPPUR SI MUOVE
Diz a lenda que o gênio poli talentoso italiano Galileu Galilei murmurou esta frase depois de ter sido obrigado a renegar, em 1633, diante da Inquisição, sua crença de que a Terra se movia em torno do Sol.
De fato, não devo ter sido o único a imitar o gesto de Galileu, diante do anúncio feérico do Acordo de Paris – pois o cosmos, e a economia, de fato, já conspiravam para a redução de emissões e estabilização, pelo menos temporária, da temperatura do planeta.
A atividade solar, que chegou a assustar nos três últimos anos terráqueos, segundo vários estudos astronômicos, parece estar declinado e, ao que tudo indica, não deverá aumentar por pelo menos quarenta anos.
Isso significa que nossos invernos tornarão a ficar mais frios e o gelo do Ártico estará se fechando, novamente – nos próximos anos.
Em meu artigo sobre “Mudanças Climáticas de Biquini”* tive oportunidade de falar sobre a questão. Na verdade, a variabilidade cíclica do clima do planeta, em que pese a contribuição humana, segue parâmetros próprios que nenhum termostato humano conseguiria modular.
Esse fato não desobriga países de controlarem as emissões de poluentes, no interesse da saúde pública, dos próprios micro-climas e ecossistemas.
Por outro lado, as emissões globais de dióxido de carbono, após crescerem vertiginosamente, parecem estar sofrendo uma leve redução. Pesquisadores ingleses dizem ser a primeira vez que isso pode ocorrer ao mesmo tempo em que a economia global cresce.
Por óbvio que a tecnologia – por conta dos programas de controle de poluição atmosférica desenvolvidos há décadas, está reduzindo mais as emissões que as obrigações decididas no protocolo do clima.
“É A ECONOMIA, IDIOTA!”
De acordo com estudo publicado na revista Nature Climate Change e apresentado na COP21, em Paris, as emissões de dióxido de carbono, a partir da queima de combustíveis fósseis, são susceptíveis de terem caído 0,6% em 2015, embora tenham aumentado em torno do mesmo montante em 2014.
Segundo a Professora Corinne Le Quere, da Universidade de East Anglia (Reino Unido), desde 2000 as emissões globais têm crescido – e o fazem anualmente na média de 2 a 3%. A desaceleração, no entanto, ocorreu enquanto a economia global crescia 3% em 2014 e 2015.
“Estamos esperando uma estagnação das emissões, possivelmente, e até mesmo um pouco de queda. A principal causa é que o uso de carvão diminuiu na China, por conta da reestruturação da sua economia, mas há também contribuição do crescimento muito rápido em energia renovável em todo o mundo, e esta é a parte mais interessante: Podemos realmente crescer com energia renovável suficiente para compensar o carvão? ” – disse Corinne Le Quere à BBC News.
A questão levantada pela professora que liderou o estudo é relevante.
Sim, de fato a queda de emissões se deve à adoção de medidas severas de redução do uso do carvão na matriz energética da China, bem como ao crescimento do uso de energias renováveis em vários países.
Por óbvio que a tendência poderá estancar e reverter, na hipótese dos países emergentes retomarem o crescimento econômico – porém, o fato é que há mudanças sensíveis na tecnologia de produção e a crise de valorização de commodities, que está afetando vários países, está justamente vinculada a essa questão.
Há, de fato, uma revolução tecnológica monstruosa conduzindo a transformação da indústria. O destino de matérias primas e o fluxo de materiais nos processos de industrialização sofreu forte transformação, por fatores conexos os mais variados. Essa variação foi acelerada nos últimos 70 anos, objetivando reduzir peso de veículos, naves, aeronaves, máquinas, armas e demais equipamentos, permitindo o transporte, a montagem e o recambiamento.
A eletro intensividade permitiu a fabricação de materiais com menor perda, corrosões, entraves logísticos e impactos ambientais – agregados tradicionalmente aos produtos. Entretando, com a progressiva internalização de custos sócio-ambientais na atividade econômica, a busca por novos materiais e processos químicos de transformação passou a balizar os setores preocupados em reduzir custos de extração e impactos ambientais decorrentes da eletrointensividade.
Não por outro motivo, minérios ferrosos vêm sofrendo queda significativa na demanda – e o aço está sendo progressivamente substituído pelo carbono.
Tabela apresenta a relação de uso e valor dos materiais no século XX |
Por conta disso, o petróleo passa a não mais interessar para uso como combustível e, sim, como matéria nobre na produção de fibra-carbono, dentre outros usos mais sofisticados.
Essa tendência poderá resultar, como de fato já está resultando, em enormes ganhos no controle de emissões de gases de efeito estufa – para muito além das medidas de controle de emissões. Ou seja, o ganho ambiental é pura externalidade.
Como dizia a campanha de reeleição de Clinton, nos anos 90, “é a economia, idiota!”.
ATENÇÃO Á GEOPOLÍTICA
Por outro lado, há um esforço estratégico mundial para não mais alimentar “Estados Loucos” sustentados por petrodólares. O custo para as democracias e grandes economias é alto demais para compensar a tolerância a desmandos desumanos e rompantes terroristas. A crise dos gasodutos russo-ucranianos, que afetou a Europa, também serviu de alerta e incentivo à busca de energias nativas produzidas de forma renovável ou mesmo atômica.
O discurso da descarbonização da economia é efetivo. Porém, a descarbonização da matriz energética só será viável se implicar na carbonização dos produtos industrializados.
Outro fator importante é a preocupação dos Estados Nacionais com seus hidrocarbonetos. Por mais que haja uma pressão globalizante pelo controle do uso, os interesses nacionais tendem a prevalecer e devem ser respeitados. O episódio do Equador, em denunciar e rescindir o acordo com a alemanha de implementar um projeto de REDD+ na floresta existente na superfície de um enorme campo petrolífero, mostra a fragilidade da inserção no mercado de carbono, de mecanismos que afetam a soberania nacional e o planejamento econômico territorial.
Nos EUA, ainda que haja uma enorme ação política do governo OBAMA na direção de acolher as diretrizes do acordo do clima, a Câmara e o Senado não se dobram de forma alguma às mudanças de matrizes energéticas sem que ocorra alguma funcionalidade econômica nisso. É o nacionalismo falando mais alto que a globalização climática.
Assim, há na economia global um movimento gigantesco que em tudo combina com os esforços de controle de emissão de gases de efeito estufa – tal qual protagonizado pelas Nações Unidas – mas não nos moldes do que tem preconizado seus protocolos. Vale, no geral, apenas o que consta estrategicamente na Convenção Quadro de Mudanças Climáticas – CQMC… sem apertar muito…
Assim, a COP 21 parece ter performado um “karaokê climático perfeito”, dublando uma melodia ditada pelo ritmo da economia e da geofísica, exógenos a ela.
É tão real essa “dublagem” política executada pelos climáticos, que os instrumentos públicos de implementação do que seria uma política do clima, simplesmente desapareceram de cena no acordo de Paris. A Justiça Climática, por exemplo, reivindicada por ambientalistas internacionais, sumiu do mapa das questões tratadas na COP 21. A questão da inclusão social, ainda que mencionada en passant, restou “embutida” na “bolsa-clima” de Paris… et voilá.
LUVA PARA A INICIATIVA PRIVADA?
Como a confirmar o karaokê no ritmo dos interesses econômicos, a operosa Câmara de Comércio Internacional, que se fez presente nas negociações do clima, e cuja ICC Task Force on Green Economy tenho a honra de integrar – apontou o resultado extremamente positivo, e em alguns elementos além das expectativas (por exemplo, abordagens cooperativas), para os negócios globais.
Alguns pontos-chave, do ponto de vista dos negócios privados, devem ser destacados:
– O Acordo de Paris é juridicamente vinculativo e universal, incluindo um quadro de transparência e de medição, relatório, medidas de verificação; nesse sentido as metas de redução de emissões (diferente do Protocolo de Quioto) são tratadas através de compromissos voluntários de 186 países e, não mais, por metas mandatórias por grupos de países;
– O pico global das emissões de GEE na segunda metade deste século, traduzindo o alvo abaixo de 2°C abaixo, não só coincide como vai além do resultado pretendido pelo G7 – de “descarbonização da economia mundial ao longo do século XXI”. Esta “tradução” é importante para as futuras decisões de investimento empresarial;
– Os ajustes econômicos seguirão INDCs (compromissos nacionais para a UNFCCC – ou de redução de emissões) e outros regulamentos nacionais – que serão paulatinamente adequados e absorvidos pela iniciativa privada;
– Período de avaliação de 5 anos comporta as abordagens cooperativas e contabilidade de resultados de mitigação internacionalmente transferidos. Mecanismos para solicitações de desenvolvimento sustentável dos negócios foram tidas em conta e serão integrados ao esforço de estabilização do clima;
– Embora os negócios e intervenientes não estatais não estejam diretamente referenciados no preâmbulo, a referência a “vários atores” pode ser interpretada como inclusão das atividades da iniciativa privada, de alguma forma. Negócios continuam incluídos nas decisões preambulares, cartas anteriores, e NAZCA;
– A nova meta quantificada, coletiva, de um piso de US $ 100 bilhões por ano para os países em desenvolvimento, a partir de 2020,acordada em Paris, abordará atividades de interesse para a iniciativa privada nesses países, também.
Assim, do ponto de vista comercial, o Acordo de Paris foi “um bom negócio”. O tratado não pesou a mão na atividade privada, preservou a transição gradual, já em curso, dos parques industriais ocidentais para os países do oriente e a adoção de sistemas produtivos tecnologicamente mais avançados nos países desenvolvidos.
Também choveu no molhado quanto à transição já em curso das matrizes energéticas para fontes mais limpas e abriu, com a “bolsa-clima” uma perspectiva interessante para o mercado de infraestrutura, banking e agronegócios sustentáveis.
Faltou, no entanto, mais uma vez, ter certeza que EUA e Rússia concordarão com a perda do que resta de seu parque industrial – empregos e poder de gestão nos processos de transformação… Nos EUA, isso independe da vontade dos presidentes, é maior que eles. Na Rússia, dependerá do que vislumbra Putin e Medvedev.
BRINCANDO DE DEUS
O relatório do IPCC – Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas, órgão que informa cientificamente a Conferência – sobre o qual já havia me pronunciado no artigo “Mudanças Climáticas de Biquini”*, é o “termômetro” do termostato diplomático plantado no Acordo de Paris.
As conclusões traduzidas no acordo climático partem da premissa desenvolvida pelo relatório do IPCC – um silogismo desenvolvido em duas fases:
A primeira, baseada em demonstrações factuais, afirma que o aquecimento global hoje experimentado é fato sem precedentes na história do planeta. A partir dessa constatação, sendo o ser humano o diferencial geológico constante no ineditismo das variações, conclui que as emissões de gases de efeito estufa (GEE), ocasionadas por ação humana, são a causa do fenômeno.
A segunda atesta o óbvio – que as alterações do clima já estão provocando impactos significativos no ambiente, como o aumento do nível do mar, acidez dos oceanos, redução da extensão e espessura do gelo nos polos. E o relatório usa o fato para incriminar a ação humana, sem dar chance ás ponderações científicas discordantes. Verdadeiro efeito manada…
Assim, tais alterações, segundo o relatório, se refletem no ambiente humano, causando perdas econômicas de magnitude, redução da produtividade agrícola e danos à infraestrutura, ocasionados por extremos de chuva e seca.
O IPCC alerta, então, que esses impactos irão se agravar se a temperatura média do planeta aumentar nas próximas décadas, “caso não tenhamos sucesso em reduzir drasticamente as emissões de GEE”.
Verdades materiais que suplantam o silogismo forçado. A verdade é que essa distorção pretensiosa levou à conclusão quixotesca do Acordo de Paris: que o próprio ser humano pode deter, refrear ou mitigar, de forma efetiva, o processo de alterações climáticas que hoje ocorre em larguíssima escala.
Imodesto na sua essência, o Relatório do IPCC, que apelidei de “Biquíni”, abrigou, na verdade, a impressionante vaidade de seus membros, reproduzida pelos agentes políticos encarregados de fechar um acordo – qualquer um que fosse, na COP 21 de Paris.
Fizeram-no a qualquer custo, na base do termômetro, do ventilador e do ar condicionado de papel, sobre a superfície do planeta.
O QUE IMPORTA É PROTEGER A POPULAÇÃO
Por conta disso, o “primo pobre” das mudanças climáticas – aquele que realmente importa, mais uma vez apareceu apenas como aceno de alarme no horizonte: as medidas estruturantes de defesa civil e de reestruturação dos padrões de permissão para a agricultura – visando proteger preventivamente as populações e garantir a produção de alimentos nos tempos difíceis que virão.
Não que isso não esteja ali. Está no bojo do apoio de 100 Bi, da Bolsa-Clima aos países mais fragilizados e emergentes. Porém, ainda não se tornou o urgente alvo da articulação internacional no bojo da Convenção do Clima da ONU…
A questão é que no bojo do jactancioso relatório, salta aos olhos o esforço mental, inconfessável, misto de vaidade intelectual e ativismo biocêntrico, de conferir ao Homem um protagonismo de proporções tiranossáuricas, como se pudesse o ser humano traçar uma nova era geológica no planeta.
Não poderia ser pior que isso. O Acordo de Paris confere ao ser humano a capacidade de acionar um sistema de “ar condicionado” sobre nosso planeta…
Não se tenha dúvida. Isso irá relegar para um outro tardio momento, aquilo que DEVEMOS fazer: reduzir nossas próprias emissões.
O Acordo está priorizando uma fantasia ideológica, que não está de forma alguma em nosso alcance: regular humanamente a temperatura do planeta.
A possibilidade de, conforme o humor dos governantes a sul e a norte do planeta, esse acordo vir a ser desmoralizado, é enorme. Ao contrário do ovo de Colombo, o termostato de papel… não para em pé.
http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-grri/entenda-a-cop-21-e-as-disputas-em-jogo-5188.html
http://www.bbc.com/news/science-environment-35029962
*Leia também: Mudanças Climáticas de Biquini
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