Um convite à reflexão no dia mundial do meio ambiente
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Convido todos a refletirem, na Semana Internacional do Meio Ambiente, sobre o Estado de Direito e sua base democrática, como premissas para se buscar um efetivo desenvolvimento sustentável.
Há que se resgatar o humanismo como elemento central da norma legal e do planejamento governamental. Deve-se adotar a erradicação da pobreza e das disparidades regionais, como objetivo principal da governança.
Outro não é o sentido do Princípio 1 da Carta de Princípios da Conferência da ONU de 1992, ratificada em 2012, no Rio de Janeiro, que declara o ser humano como “centro das preocupações do desenvolvimento sustentável”.
O Princípio 4 da mesma declaração, também sentencia que “para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste.”
Os princípios acima destacados deveriam servir de alerta para as principais armadilhas comportamentais dos tempos assimétricos que hoje vivemos: o biocentrismo, a estadolatria, o neocolonialismo ecocêntrico e o niilismo populista.
O biocentrismo
O biocentrismo constitui premissa filosófica que desloca o ser humano do centro das preocupações com o equilíbrio ambiental.
Para o biocentrista, a “natureza original” opõe-se à “barbárie humana”. Como reação à isso, se faz necessária a segregação das necessidades humanas. Essa segregação “em prol da natureza”, busca compensar o equilíbrio promovendo ações desproporcionais. Para tanto, pressupõe uma “revolta do objeto” — termo muito utilizado por engravatados investidos de autoridade ambiental em nosso país – que ignoram absolutamente a distopia inserida na ideia.
O que talvez os repetidores de frases prontas não saibam, é que o mantra é de autoria do Reichführer Hermann Göring, em discurso proferido quando editadas as leis que compunham o Código Ecológico do Terceiro Reich, na Alemanha nazista.
Göring reservava toda sua humanidade para determinada raça, desprezando a diversidade humana e suas aspirações plurais em favor dos objetos.
Não à toa, o biocentrismo hoje praticado no mundo – incluso no Brasil, é carregado de rancor racialista e contaminado pela desproporção (como forma de equilíbrio discursivo). Também é poluído pela criminalização da livre iniciativa.
Por óbvio, isso sinaliza o desastre na governança territorial.
O Estado-Pai
A estadolatria é expressão política do biocentrismo. Nela, o Estado-Pai passa a relativizar direitos fundamentais, estigmatiza progressivamente comportamentos individuais e opções comportamentais.
O que não é “politicamente correto” passa a ser contrário ao “interesse público”.
Como num pesadelo orwelliano, condutas “nocivas”, uma vez criminalizadas, alertam didaticamente para a adoção do medo como meio de controle.
O efeito burocrático é devastador, ocorrendo entropia corporativa cartorial, concentração econômica em larga escala e suspeição integral da livre iniciativa.
Com exceção dos bancos (sempre eles – que nunca se arriscam), tudo o mais passa a integrar uma “economia de risco integral”. A governança passa a ser relativizada, bem como a segurança jurídica e a cidadania.
Em compensação, todos passam a “dever”. Devem não apenas por infrações que hajam cometido ( pelas quais devam responder), mas também por danos que eventualmente não saibam existir – e que serão definidos em normas futuras, acompanhadas por multas estratosféricas.
Esse mecanismo de insegurança absoluta envolve decisões midiáticas e rancorosas baixadas por uma burocracia militante. E elas avançam no oceano das subjetividades.
De uma forma ou de outra, todos terminam devendo ao Estado e, por consequência, aos bancos.
O neocolonialismo ecocêntrico
O capital não conhece fronteira. E essa transnacionalização do capital se faz pelo sistema financeiro.
A “bancarização” da economia reativa o velho e não menos nocivo neocolonialismo e a consequente relativização da soberania nacional.
O saudável “interesse global no bom uso dos recursos naturais”, passa a ser objeto de cobiça do ecocentrismo.
Relações internacionais, nos regimes democráticos, também trabalham fortemente por meio de organizações multilaterais, financeiras, e entidades civis não governamentais. Daí porque há que se redobrar a atenção quando se trava um combate às políticas públicas desenvolvimentistas, nos países emergentes. Isso porque a característica assimétrica desse tipo de conflito sempre insere organismos não governamentais – que podem ser bem intencionados ou carregados de interesses inconfessáveis, geralmente neocoloniais.
Esse padrão articula-se com os blocos econômicos dominantes, que erguem barreiras não tarifárias no comércio internacional, sempre relativizando valores de produtos importados pelos blocos econômicos, hoje dominados pela Europa, China, Japão e Estados Unidos.
Esse movimento concentra renda e poder. Reduz, por outro lado, as chances de milhares de países de alcançarem algum padrão efetivo de desenvolvimento.
A ideia é que se pague para que a miséria preserve o verde… E por mais que se pague, na desproporção do fluxo de capitais, a atividade “filantrópica” sempre sairá mais barata.
Atenção! É certo que a excelência e a competitividade pressupõe normas de gestão e padrões internacionais. Mas é certo também que sua aplicação deve atentar para as diferenças sociais, métodos de produção e condições econômicas. Nisso reside o respeito às diferenças e soberanias.
O enorme esforço global no enfrentamento às alterações do clima no planeta envolve todo o cuidado com a manutenção das relações internacionais e o respeito à soberania dos estados nacionais e seus diferentes comportamentos humanos.
O niilismo governamental
O niilista desconsidera crenças e valores tradicionais. Entende que esses ítens não têm sentido ou utilidade na existência.
Quando niilistas dominam o centro do debate, na aferição de políticas públicas, buscam primeiro a “destruição criativa”, a qual termina por desconstruir não apenas o que deveria ser demolido mas também o que deveria suportar moralmente a própria demolição.
O resultado desse paradoxo é a entropia populista ou a “nova ordem” fascista.
De fato, “do caos à nova ordem”, ou a “restauração”… resultam em ações liberticidas, que sempre resultarão em destruição.
A destruição criativa ou destruição criadora, foi popularizada na economia por Schumpeter (em “Capitalismo, Socialismo e Democracia”). No entanto, ganhou força no atual contexto da ascensão do neoliberalismo e do neoconservadorismo mundo afora – que hoje aparenta ter sido abocanhado por hordas de populistas dissimulados ou explícitos.
Não por acaso, o resultado da desconstrução programada descambou para manifestações protofascistas nos países que escolheram adotar uma governança populista – seja em busca de uma catarse “conservadora” ou uma restauração “socialista”.
No bojo dessa profunda transformação de valores, é impossível evitar que a “destruição criativa” destrua ecossistemas inteiros, arrase com a gestão ambiental e, também, com os valores humanistas e a sustentabilidade ambiental do Estado de Direito.
O risco é real! Tanto quanto real é a destruição de valores propiciada pelo discurso biocêntrico radical.
Como sair disso?
O segredo está no hábito democrático de sempre ouvir os outros; de ponderar, escutar, apreender e reaprender.
A saída está em exercer a humildade de saber-se cercar de quem possa exercer a crítica saudável – sempre mais útil que a bajulação.
A economia verde
Nesse mar bravio, em meio a crises cada vez mais frequentes e cíclicas, a Organização das Nações Unidas tenta implantar uma agenda para que o planeta aporte em uma nova economia verde.
A economia verde é um porto seguro… e caro.
Essa transformação demanda aporte de verbas, cada vez maiores, para os setores-chave enumerados pelo relatório proposto pelas Nações Unidas, visando implementar uma economia de baixo carbono, bem mais descentralizada e ecoeficiente.
A agenda verde inclui doze pontos, interrelacionados: agricultura, edificações, energia, pesca, silvicultura, indústria, turismo, transporte, água e gestão de resíduos. Todos de certa forma vinculados à necessidade de implementação de infra-estrutura – fator de soberania nacional.
Esse esforço exige que se abandone a zona de conforto dos discursos preservacionistas ou o desastre populista da “destruição criativa”. É preciso acreditar na tecnologia, na efetividade organizacional, no planejamento estratégico, na cooperação internacional e na liberdade de empreender.
Por isso mesmo, há que se cuidar do resgate do humanismo, da busca pela igualdade de armas no comércio internacional e, sobretudo, do respeito às instituições democráticas. Sem esses elementos, a economia verde, como as demais, sucumbirá manchada pelo sangue da guerra e pela escassez dos recursos mais elementares existentes em nosso planeta.
Não há sustentabilidade, portanto, fora do Estado Democrático de Direito.
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro, Advogado formado pela USP, consultor ambiental, exerce atualmente o cargo de Secretário Executivo de Mudanças Climáticas da Cidade de São Paulo. Foi sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API, é Editor-Chefe dos Portais Ambiente Legal, Dazibao e responsável pelo blog The Eagle View. Twitter: @Pinheiro_Pedro. LinkedIn: http://www.linkedin.com/in/pinheiropedro.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 05/06/2022
Edição: Ana Alves Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião da revista, mas servem para informação e reflexão.