Por Marina Borges Augusto*
Cinéfilos de plantão certamente já viram ou ouviram falar do filme “Me chame pelo seu nome”.
Sem dar muitos spoilers, a película trata da descoberta da sexualidade de dois jovens e a vivência de um grande amor no típico cenário campestre italiano. Cheio de sensibilidade, o filme mostra as alegrias e as dificuldades de amores que muitas vezes são rodeados de preconceitos.
Os jovens enamorados em questão, como forma de demonstração de afeto, tinham por hábito chamar um pelo nome do outro, daí a referência do título.
Porém, diferentemente do proposto na trama, adotar o nome do ser amado pode não ser algo tão bacana assim!
Duvido que você não conheça alguém que tenha o anseio de adotar o nome do cônjuge ao se casar. Inclusive, você pode ser essa pessoa!
Apesar de muitos associarem essa prática a um ato romântico, é certo que a sua origem histórica e jurídica representa uma espécie de opressão e supressão de identidade.
A questão do nome é muito especial, pois está ligada à nossa essência, à forma como nos reconhecemos e como o mundo nos reconhece também. Não é à toa que o nome é um direito da personalidade e está intimamente ligado à dignidade da pessoa humana. Ou seja, nome é coisa séria!
O que comumente chamamos de nome é, na verdade, nosso prenome. Juridicamente falando, o nome é composto pelo prenome e pelo sobrenome.
Nossas raízes (a famosa ancestralidade) são representadas justamente pelo nome de família! Afinal, uma de suas funções primordiais é assegurar a nossa origem.
Por isso que há uma espécie de proteção estatal para garantir a imutabilidade do nome, cabendo a retificação de assento em casos específicos.
Sabe-se, por sua vez, que o matrimônio permite a adoção do apelido do cônjuge.
Mas, qual a origem disso?
A lei civil brasileira possui suas origens no direito português, que por sua vez possui influência do direito romano e do direito canônico. Em outras palavras, a nossa legislação é extremamente patrimonialista e patriarcal.
Até o ano de 1962, a mulher era obrigada a adotar o sobrenome do seu cônjuge, pois era o marido quem detinha o controle familiar, era ele quem administrava os bens, era o responsável pelos filhos (pátrio poder) e controlava as vontades de sua esposa, a qual era considerada na visão legal como relativamente incapaz. Em outras palavras, a mulher era subjugada aos anseios e comandos do homem; sequer poderia trabalhar sem autorização.
O cenário mudou um pouco com a criação do Estatuto da Mulher Casada (1962), o qual atribuiu à mulher a plena capacidade civil e permitiu-lhe o ingresso no mercado de trabalho sem a autorização de seu consorte. E, mais ainda, com a Lei do Divórcio (1977) que permitia à mulher escolher se ficaria com o sobrenome de seu marido quando do divórcio; salvo se tivesse dado culpa à separação, em tais casos era obrigada a voltar ao nome de solteira.
Somente em 2003 que as pessoas passaram a comentar acerca da adoção do sobrenome da mulher pelo marido, justamente pela abertura dada no Código Civil de 2002. Porém, os casos de homens que o fazem são ínfimos.
Fato é que “ninguém deveria trocar o seu nome ao se casar”!
Primeiro, porque a origem da prática é machista, revela o lado patriarcal do homem tendo controle sobre a vida da mulher. Não há nada de romântico nisso!
Segundo, porque dá um trabalhão a pessoa ter que mudar todos os seus documentos quando se casa e, eventualmente, quando se divorcia.
É claro que não é necessário voltar ao nome de solteira(o) quando passa pelo divórcio. Muitas pessoas, inclusive, permanecem com o nome de casada por serem assim conhecidas na sociedade e por terem isso em comum com os filhos. Tem até casos em que no momento do divórcio a pessoa opta pela manutenção do nome de casada e depois, pensando melhor, resolve ingressar com uma ação (sim, é só mediante ação) para voltar a usar o nome de solteira.
Porém, pense só se o término da sua relação tiver sido problemático ou se a sua relação tiver sido tóxica demais… Você muito dificilmente vai querer ter algum tipo de elo com o “alecrim dourado” que te fez sofrer.
Isso tudo sem contar a burocracia de mudar todos os seus documentos de novo!
Então, que tal em vez de adotar o nome do seu love, vocês adotarem um bichinho e formarem uma família multiespécie? Isso preserva a sua ancestralidade e evita dores de cabeça futuras.
Deixe a mudança de nome para lá e vamos falar sobre a custódia de animais que é menos sofrida!
*Marina Borges Augusto, advogada especialista em direito das famílias e sucessões, bem como sócia do escritório BR Advocacia Humanizada (www.bradvocaciahumanizada.com.br).
Fonte: a autora
Publicação Ambiente Legal, 26/04/2021
Edição: Ana A. Alencar
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