Por Vladimir Passos de Freitas*
Os pais, regra geral, querem o melhor para os seus filhos. E se tiveram sucesso em alguma profissão jurídica, desejam que os filhos a sigam e tenham uma vida confortável, inclusive melhor do que as suas. A regra será caminho aplainado, passagem segura e existência feliz.
Algo de errado nisso? É proibido sonhar? Não, absolutamente não. É um sentimento natural do ser humano. Atrás dele estão pais e mães dedicados.
Mas até onde vai o limite de tal desejo? Onde está a linha divisória, a partir da qual a vontade do criador passa a ser uma intromissão na individualidade da criatura? Esse tipo de drama familiar está sempre presente entre nós profissionais do Direito, ou operadores jurídicos como preferem alguns.
A primeira vez que me dei conta desse drama foi em Roma, Itália, 2005. Conversávamos em uma roda de palestrantes de uma conferência internacional, quando um consagrado professor e advogado ambientalista mexicano contou a sua frustração por ter que se desfazer de sua rica biblioteca porque nenhum filho estudou Direito. Não criticava ninguém, apenas externava a sua frustração pessoal. Por óbvio, o seu legítimo sonho de ter um descendente seguindo seus passos não se realizaria nunca.
Kalil Gibram, na obra O Profeta, afirma que filhos são como dardos que, uma vez lançados, fogem ao controle dos pais. Têm as suas vidas, seus sonhos, que podem ser em profissões totalmente diferentes. Ou, algumas vezes, sonho nenhum, simplesmente não sabem o que fazer de seu destino.
Assim, em um primeiro momento é possível concluir que os sonhos dos pais nem sempre são os dos filhos.
Exemplos. Aquela mãe promotora de Justiça, que sonha ver sua filha ingressando no MP, talvez chore muito quando ela, aos 15 anos, revelar-se uma influencer digital, com 20 mil seguidores, sem o menor interesse em ler os livros que lhe são recomendados. Aquele juiz que deu ao filho as melhores escolas e experiências possíveis, que comemorou o seu ingresso na melhor faculdade de Direito da região, poderá receber dele, com tristeza, a informação de que após a formatura irá percorrer o mundo por dois anos, com uma mochila nas costas. Adeus concurso.
Mas, então, que fazer?
A ação mais elementar é a de os pais se darem conta de que seu poder de influência existe, porém é — e deve ser — limitado. Partindo dessa premissa, não devem questionar-se, a respeito de darem ou não a sua opinião sobre as escolhas dos filhos. Não opinar, não participar, não questionar, pode parecer um grande respeito à individualidade do outro, mas na verdade é um ato de comodismo e covardia.
Se assim é, aos pais cabe manter uma posição de equilíbrio, sem impaciência ou alteração de voz, diante das mais imprevistas situações que possam surgir. Como reagir diante do filho, que cursa o quarto ano de Direito, ao avisar os pais de que pretender largar a faculdade para abrir um bar com um amigo, onde, ao seu dizer, ganhará muito dinheiro. O melhor a fazer é concordar que o bar pode ser o paraíso em vida, mas insistir, com delicada obstinação, que ele conclua o seu curso. Argumento: conhecer as leis poderá ajudá-lo no próprio negócio.
Em outras situações a experiência fora do Direto pode ser aproveitada. Suponha-se que o filho tentou ser jogador de futebol e, após uma tentativa no Brasil e duas no exterior, voltou para casa desiludido e com os bolsos vazios. Os pais podem orientá-lo e continuar o curso de Direito interrompido, ou começá-lo, dedicando-se ao Direito Esportivo, que cresce a cada dia e movimenta milhões de dólares, aproveitando a experiência colhida na prática do futebol.
Entre os que cursam Direito, um reduzido percentual, quiçá em torno de 10%, sabe exatamente qual profissão deseja seguir. Nesses casos a posição dos pais será mais fácil. Devem estimulá-los, mesmo que pensem não ser aquela a melhor opção. Devem, todavia, lembrar, ainda que sem desanimar, as dificuldade de algumas profissões. Disso o melhor exemplo é o da polícia, que atrai muito os jovens. Entre a pressão de acusados, por vezes ameaçadoras, e do Ministério Público a ver prevaricação nas suas condutas, tudo acompanhado de pouco reconhecimento de uma sociedade que não valoriza adequadamente os seus serviços.
Por vezes o filho tem brilho incomum e quer ir além da conquista dos pais. Imagine-se a mãe advogada que tem um bom escritório empresarial em uma cidade rica de porte médio. É claro que desde a aprovação da filha no vestibular ela sonha com a possibilidade de trabalharem juntas cinco anos depois. Todavia, a estudante quer mais. Fala dois idiomas, só tira notas máximas, participa de atividades sociais e é respeitada pelos professores. Sonha em fazer uma pós-graduação na Inglaterra e dedicar-se à advocacia em um grande escritório, na área internacional. Isso significa residir no exterior ou, se ficar o Brasil, mudar para São Paulo. Cabe à mãe, ainda que com um aperto no coração, dar à filha todo o apoio de que disponha, ciente de que os sonhos dela vão além dos limites do município.
No outro lado da moeda, a maioria dos estudantes, mesmo ao fim do curso, não sabe que destino tomar. Nessa hipótese, cabe aos pais abrir o diálogo. Aí um cuidado especial deve ser tomado, qual seja, não expor a própria opinião. Apenas deixar claro as vantagens dessa ou daquela profissão. Mas as possibilidades de sucesso nas profissões expostas devem ser vistas dentro de um contexto maior, que é a personalidade do filho. Introvertido ou extrovertido, intelectual ou prático, bem ou mal relacionado, quociente de inteligência alto ou baixo, ambicioso ou não, culto ou despreparado e assim por diante.
Neste particular não devem os pais sonhar além dos limites dos filhos. Não convém desejar demais se o filho não tem as condições necessárias. Se ele no estudo do inglês não passou da escola do bairro e não conseguiu aprovação no Cambridge FCE, não adianta estimulá-lo a fazer um concurso para a carreira diplomática, pois não vai dar certo.
Em outras palavras, sim, os pais devem conversar, orientar e dar o estímulo (se lhes for permitido), contudo tudo isso deve ser feito de acordo com as possibilidades do descendente.
Por vezes, passada a euforia pós-formatura, frustradas duas tentativas do filho de abrir um escritório de advocacia ou três em concursos públicos mais difíceis, que fazer?
Bem, nessa situação, há que se adequar os sonhos à realidade. Porque não estimular um concurso público mais básico? Há excelentes carreiras jurídicas de nível técnico, remuneradas acima do mercado de trabalho, que possibilitam uma vida confortável. Por exemplo, técnico judiciário da Justiça do Trabalho ou policial judicial dos tribunais.
Mas pode acontecer que o sonho do filho seja , simplesmente, o de não atuar em nenhuma área do Direito. Nessa hipótese, cabe aos pais estimulá-lo a bem exercer a profissão escolhida. Fotografia, música, teatro, esporte, influencer digital, técnico de informática ou seja lá o que for, o importante é que ele seja bom e feliz na sua opção de vida. Claro que daí a ajuda dos pais será mínima. Mas a escolha foi dele, o que dispensa comentários.
Em casos extremos, há os filhos que simplesmente não têm sonho algum. Nem no Direito e nem fora do Direito. Vão passando de uma faculdade a outra e percorrendo todas as baladas da região. Chegam aos 30 anos, avançam em direção aos 40, e nada. Não me parece bom os pais sustentarem tal tipo de conduta. Gostem ou não, terão que ter pulso e definir condições. Se necessário, com ajuda de profissional da psicologia. O filho pode não ter sonho algum, mas precisa saber que deve cuidar de seu próprio sustento. Se não quer lutar por nada, que exerça alguma atividade menos relevante para a qual ninguém é vocacionado. Mas deve assumir a responsabilidade.
Em suma, o tema é tentador e complexo, sendo que a única certeza é a da incerteza. Se boas escolas e exemplos fossem suficientes, os filhos de milionários, após cursar escolas internacionais, deslanchariam para posições de grande destaque. Mas não é isso o que acontece. Na verdade, não há uma receita certa. O que há é a vontade de acertar, o diálogo amigo e franco, e a tomada firme de posição, quando necessário.
*Vladimir Passos de Freitas é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná; pós-doutor pela FSP/USP, mestre e doutor em Direito pela UFPR; desembargador Federal aposentado, ex-Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região. Foi Secretário Nacional de Justiça, Promotor de Justiça em SP e PR, presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).
Fonte: ConJur
Publicação Ambiente Legal, 08/02/2023
Edição: Ana Alves Alencar
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