Por *Reinaldo Dias
Um dos maiores desafios para a implementação, dos 17 objetivos do Desenvolvimento Sustentável (OS) é a permanência de relação perversa entre os países desenvolvidos (Norte) e os países em desenvolvimento (Sul) que pode ser caracterizada como de neocolonialismo ecológico.
Historicamente os países do hemisfério norte exploram de forma predatória a natureza dos países do sul, por meio de políticas econômicas agressivas ao meio ambiente.
Nessas relações de exploração, a natureza sempre foi a derrotada; perde quando os recursos naturais são extraídos de forma abusiva e quando recebe os resíduos que a sociedade de consumo produz em grande quantidade. Florestas são transformadas em cinzas para dar lugar a monoculturas e à pecuária.
É exemplo emblemático atual o que ocorre na Indonésia, onde as madeireiras estão destruindo as florestas para exportar madeira para os países em desenvolvimento. No local, plantam Palma para produção de óleo, que por ironia ainda rotulam o produto gerado –óleo de palma – como combustível ecológico (biodiesel). Na Amazônia são destruídas grandes áreas de floresta para a criação de pastagens e, no cerrado do Brasil central, a destruição ocorre para a produção de soja e outras commodities para exportação.
A expressão concreta dessa nova forma de neocolonialismo é a dívida ecológica que pode ser entendida como a responsabilidade que tem os países industrializados pela destruição gradativa do planeta como resultado de seu modo de produção e consumo, característico de um modelo de desenvolvimento, fortalecido pela globalização e que ameaça a integridade dos ecossistemas e da biodiversidade. Inclusive a da espécie humana.
O nível de vida que ostentam os países desenvolvidos se deve ao imenso fluxo de bens materiais naturais e exploração da mão-de-obra dos países em desenvolvimento, acrescido dos danos sociais e ambientais que a extração destes bens provoca. É um modelo que, na realidade, é subsidiado pelos países do Sul.
Atualmente, os mecanismos de exploração dos países mais ricos, portanto o aumento da dívida ecológica, se aperfeiçoaram, utilizando, principalmente, a atividade das corporações transnacionais como ponta de lança dessa ação predatória.
Os novos mecanismos de dominação e consequentemente de geração de mais dívida ecológica são, entre outros: investimentos vinculados a posse de áreas naturais, programas de privatização de áreas sensíveis do ponto de vista social e ambiental, acordos de propriedade intelectual que não levam em consideração a apropriação histórica de conhecimentos pelas comunidades (ribeirinhas, indígenas, caboclos, extrativistas) e a biopirataria.
Além disso, há hoje um fluxo de minerais, recursos energéticos, madeira, produtos da agricultura e da pesca dos países em desenvolvimento para os países desenvolvidos muito superior ao fluxo de recursos naturais em sentido contrário. Isso pode ser descrito como um aumento da base natural de sustentação das economias industrializadas em detrimento das populações dos países em desenvolvimento afetadas.
Consequentemente, a pegada ecológica dos países ricos sobre a biosfera supera em muito o território que ocupam, não somente pelo volume e recursos que extraem dos outros territórios, mas, também pelos resíduos tóxicos que lhes deixam ou lhes exportam (muitas vezes ilegalmente), pelos nutrientes naturais e a água que levam os produtos agrícolas e pecuários importados pelos países do Norte e pela deterioração ambiental que provoca a obtenção desses recursos exportados. Os países desenvolvidos, além disso, fazem uso dos sumidouros dos gases de efeito estufa (florestas, por exemplo) em uma proporção muito maior que lhes corresponderia por sua população.
O problema dessa relação é agravado pela atribuição injusta de preços pelo atual sistema econômico aos distintos fatores produtivos. Enquanto os países em desenvolvimento se especializam nos processos de extração e elaboração fisicamente mais caros e degradantes e economicamente menos valorizados, os países do Norte o fazem nas fases de menor investimento e que são mais valorizadas do processo econômico e na gestão comercial e financeira. Ao se valorizar pouco os recursos naturais e os serviços que prestam os ecossistemas, quem vive de sua venda é discriminado e fica mais pobre, e além do mais não há incentivo econômico para reduzir seu consumo.
Os países ricos, por sua parte, acumulam dinheiro pela venda de recursos supervalorizados (que proporcionam maior valor agregado), e ao fazê-lo acumulam uma capacidade aquisitiva desproporcional que os incentiva a consumir produtos e serviços naturais sem nenhuma consideração de sustentabilidade. Uma paralisante dívida externa (monetária) se mantém entre os países endividados e os empurra a explorar ainda mais intensamente seu meio natural para poder pagá-la.
*Reinaldo Dias é professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, campus Campinas. Doutor em Ciências Sociais e mestre em Ciência Política. É especialista em Ciências Ambientais
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