Por Maria Cristina Gontijo*
Equidade de gênero nas relações laborais é uma temática que ganha força a partir da revolução industrial e a entrada das mulheres como força de trabalho nas primeiras fábricas e minas de carvão. Séculos após as primeiras greves e mortes de trabalhadoras nas fábricas, as mulheres continuam a lutar por salários melhores e reconhecimento no mercado de trabalho.
Já no que diz respeito à navegação, o setor passou por três fases: o das embarcações a vela e a remo, o das embarcações a vapor e o das embarcações a propulsão nuclear. Nos dois primeiros períodos, é raro ouvir falar de mulheres na indústria portuária e da navegação.
Além de questões culturais que afastaram as mulheres por anos da navegação (superstições como: mulher a bordo de um navio dá azar), umas das principais razões para que as mulheres não atuassem na indústria do shipping seria justamente a força física para amarrar e puxar cordas, remar e fazer serviços pesados.
Já no porto, quem não lembra da famosa foto dos estivadores santistas com grande quantidade de sacas de café nas costas? A afirmação era: Que mulher seria capaz de carregar tantas sacas nas costas?
A situação começa a mudar a partir da descoberta da propulsão nuclear, do petróleo e do contêiner. Um crescimento acelerado da indústria da navegação, com novas tecnologias sendo aplicadas ao setor, a vinda dos primeiros guindastes e outros instrumentos controlados pelas cabines a partir de botões e joysticks, que no início sofreram protestos por parte dos trabalhadores portuários, começaram a abrir possibilidades à participação feminina na indústria da navegação e nos portos como um todo.
As novas tecnologias, sendo utilizadas da forma adequada e com a devida capacitação, tornaram possível que as mulheres passassem a ter mais oportunidades em um setor predominantemente masculino. Fica claro que a mecanização e a automação não as colocaram tão somente como trabalhadoras da linha de frente, mas fizeram também com que passassem a ocupar cargos nas áreas de TI, na área de administração, contabilidade e logística, como corpo jurídico de empresas e terminais, e cargos de alta direção as empresas privadas ou nas agências reguladoras estatais, todos antes dominados unicamente por homens.
Mesmo assim, diferente de outros setores em que as mulheres conquistaram espaço considerável, na indústria da navegação e na atividade portuária a discrepância ainda assusta a nível mundial. Dados da Organização Marítima Internacional, mostram que da força de trabalho marítima e portuária, somente 2% é composta pelo gênero feminino no continente europeu (IMO, 2019). A própria Organização, ligada a ONU, possui diversos programas que visam incentivar a equidade de gênero na indústria marítima.
Já no Brasil, dados das EFOMM – Escolas de Formação de Oficias da Marinha Mercante, mostram que entre 2001 a 2016 a mulheres representaram um total de 538 oficiais de náutica e 227 oficiais de máquina, ou seja, 28,8% em relação aos homens formados. Isso não quer dizer que todas estão empregadas no setor. Lembrando que não fazem nem 41 anos que a Marinha de Guerra do Brasil foi a primeira força armada a permitir mulheres em seus quadros.
Ainda no Brasil, na indústria offshore, as mulheres já se fazem mais presentes nas plataformas de petróleo. No porto, temos mulheres participando das operações, como por exemplo, as amarradoras e operadoras de guindastes. Estima-se um crescimento grande da participação feminina nos portos, mas ainda falta, até porque não há quase estatísticas.
Não se pode negar o papel da mecanização e automação na participação feminina nos portos e na indústria marítima como um todo. Isso é o bastante? Definitivamente não. Há muito ainda a ser feito. O certo (ou deveria ser) é que as tecnologias sejam ser objeto de estudo e inserção, e jamais de segregação.
Tudo o que é novo assusta. E com as novas tecnologias aplicadas ao ambiente portuário e marítimo não é diferente. Não se há de negar que foram tais tecnologias, assim como gestores e gestoras conscientes, que possibilitaram com que as mulheres ganhassem espaço em locais até então impensáveis. Tais conquistas são por mérito e competência de cada mulher que ali chegou. Afinal, existindo programas de incentivo e educação direcionada, as mulheres poderão optar em estar ou não estar em determinados postos de trabalho, assim como os homens.
Definitivamente não estamos mais na era de empilhar sacos nas costas, mas isso não quer dizer que os trabalhadores e trabalhadoras marítimos e portuários não devam receber a valorização devida e não tenham de passar por novos processos de aprendizado. E isso só poderá ser feito com uma mudança de cultura e capacitação de todos os envolvidos no complexo sistema portuário nesta nova era da Revolução 4.0.
*Maria Cristina Gontijo P. V. Silva – Advogada e Auditora Ambiental de Portos. Mestre em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos. Membro da UBAA (União Brasileira da Advocacia Ambiental) e da UBAU (União Brasileira dos Agraristas Universitários). Sócia do escritório Lawand Gontijo Advogados.
Fonte: Maria Cristina Gontijo no Linkedin
Publicação Ambiente Legal, 08/03/2021
Edição: Ana A. Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião da revista, mas servem para informação e reflexão.